Fachin quebra o silêncio: “Erros não podem ser chancelados”
Constança Rezende e João Gabriel de Lima
Folha
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin defendeu nesta sexta-feira (28) comedimento e compostura ao Judiciário, em fala lida como um recado aos ministros que participam nesta semana do Fórum Jurídico de Lisboa, organizado pelo colega de Supremo Gilmar Mendes.
Durante palestra na Primeira Turma do Supremo nesta sexta-feira em Brasília, Fachin, que declinou de convite para ir ao fórum, disse que “comedimento e compostura são deveres éticos, cujo descumprimento solapa a legitimidade do exercício da função judicante”.
ABISMO INSTITUCIONAL – Ele acrescentou que “abdicar dos limites é um convite para pular no abismo institucional” e que estava cético em relação à capacidade dos tribunais processarem suas diferenças.
“Creio não estar sozinho aqui: em momento de mudanças sociais intensas, cabe à política o protagonismo, ao Judiciário e às cortes constitucionais, mais especificamente, a virtude da parcimônia: evitar chancelar os erros e deixar sedimentar os acertos, sempre zelando pela proteção dos direitos humanos e fundamentais”, disse.
No mesmo evento, Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP e colunista da Folha, disse que a postura de muitos ministros do STF gera uma preocupação em relação ao papel que devem desempenhar.
EROSÃO DE AUTORIDADE – O jurista afirmou que a participação de magistrados no debate público, e muitas vezes não público, pode gerar um problema de “erosão da autoridade” que torna o tribunal vulnerável a ameaças de controle externo, como ocorreu no governo Jair Bolsonaro (PL).
O evento organizado por Gilmar Mendes em Portugal está em sua 12ª edição e foi apelidado no mundo jurídico e político de “Gilmarpalooza”, em referência à profusão de convidados e aos eventos paralelos em Lisboa, como jantares e festas.
O fórum, que junta integrantes do Judiciário e de governos, políticos e empresários, consolidou-se no calendário político das autoridades brasileiras. Ao mesmo tempo, recebe críticas pela falta de transparência e pela possibilidade de conflito de interesses.
PATROCINADORES – A Folha procurou os gabinetes dos seis ministros do STF que constam na programação do evento (Gilmar, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Flávio Dino, Cristiano Zanin), mas apenas Barroso informou quem está bancando a viagem –em seu caso, a FGV.
O STF disse que não há desembolso da corte para essas viagens. Os magistrados da corte presentes em Lisboa não comentaram as declarações de Fachin, mas buscaram em falas públicas defender a atuação da corte e de seus ministros.
O Fórum Jurídico de Lisboa ocorre em um momento em que também nos Estados Unidos e na Europa levantam-se críticas sobre a conduta de ministros e a relação com empresários. Nos EUA, o debate deu origem a um código de conduta anunciado no ano passado.
MORAES RELUTA – No evento em Lisboa, questionado pela Folha nesta sexta-feira se o Brasil não deveria fazer um código de conduta, o ministro Alexandre de Moraes disse que não.
“Não, acho que não há a mínima necessidade, porque os ministros do Supremo já se pautam pela conduta ética que a Constituição determina”, disse.
Em fala no evento de Lisboa, o ministro Moraes voltou a defender a regulação das redes sociais e disse que o Poder Judiciário é o maior inimigo dos de extremistas digitais.
AUTORITARISMOS – A afirmação foi feita no momento em que o ministro traçou um paralelo entre os autoritarismos do passado e do presente.
“Mussolini e Hitler chegaram ao poder pelas regras do jogo, o que ensinou uma lição aos democratas. Depois da guerra criou-se um obstáculo aos autoritários: a Jurisdição Constitucional”, afirmou.
“Por isso o Judiciário é o grande inimigo daquilo que chamo de ‘novos populistas extremistas digitais’, como pudemos ver nos casos recentes da Hungria e da Polônia”, disse Moraes, que também citou os ataques que os magistrados recebem no contexto da estratégia autoritária.
COOPTAÇÃO – “No caso do Judiciário, primeiro eles tentam a cooptação. Depois, usam a velha estratégia de aumentar o tamanho das cortes, ou tirar de cena os juízes que não foram nomeados por eles, encurtando o tempo da aposentadoria compulsória. Por último, como fizeram no Brasil, atacam os juízes e suas famílias”, declarou.
“O poder Judiciário brasileiro, no entanto, é independente e corajoso em sua tarefa de defender a democracia.”
Outra defesa do STF foi feita pelo ministro Flávio Dino, em uma das mesas do fórum, dois dias após o presidente Lula (PT) afirmar que o tribunal “não tem que se meter em tudo”, ao ser questionado sobre a decisão do Supremo de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal.
DISSE LULA – O presidente afirmou que a corte deveria atuar nas questões mais ligadas à Constituição. “Não pode ficar qualquer coisa e ficar discutindo porque aí começa a criar uma rivalidade que não é boa nem para a democracia e nem para a Suprema Corte e nem para o Congresso Nacional.”
Sem citar nominalmente o presidente da República, Dino disse no Fórum que a autocontenção do Supremo não é necessariamente algo “do bem” e lembrou de quando o STF negou um habeas corpus à militante Olga Benario, mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes. Ela acabou deportada e morta na Alemanha nazista.
“É por isso que o Supremo se mete em muita coisa. Na verdade, não se mete. O Supremo é metido em muita coisa”, afirmou Dino. Foi aplaudido pelos representantes das diversas siglas que estavam na plateia.
UNIÃO TOTAL – “Quando um ministro se pronuncia em público, ele expressa o pensamento geral da corte, não apenas sua opinião individual”, disse o ministro. Essa harmonia, segundo Dino, contrasta com a cacofonia da polarização.
“Muitos nos perguntam porque fazemos esse fórum em Lisboa, e não no Brasil. Uma resposta é que talvez no ambiente polarizado do Brasil seja impossível”, declarou.
“Eu gosto dessa pluralidade, querem que se volte ao tempo em que os magistrados se isolavam”. Num momento em que falava sobre o papel do STF na preservação da democracia, Dino pediu uma salva de palmas para Moraes, que acabava de entrar no recinto.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – São frases bonitas, porém destituídas de conteúdo. Palavras ao vento, como diz a Bíblia. Quando um ministro se pronuncia em público, é óbvio que ele expressa apenas sua opinião individual. O pensamento geral da corte somente é emitido no julgamento, e muitas vezes o resultado sai de 6 a 5, mostrando que não existe pensamento conjunto no Supremo, ao contrário do que diz o neoministro Flávio Dino. (C.N.)