Lula esquece quem o elegeu e sua popularidade vem caindo
Daniel Pereira
Veja
Quando assumiu a Presidência da República, Dilma Rousseff lidava com a pecha de poste, uma forma pejorativa usada por adversários e até por petistas para dizer que sua candidatura e sua administração eram invenções de Lula, que continuaria a mandar de fato no país. A presidente sabia das desconfianças em torno dela.
Convocado para ser seu chefe da Casa Civil, Antonio Palocci dizia que o plano da mandatária era se distanciar de forma gradativa da sombra do padrinho político. No primeiro ano de mandato, a gestão teria mais a feição de Lula do que a de Dilma. No segundo, ocorreria o inverso. Daí em diante, segundo Palocci, o governo seria predominantemente dela.
NA MESMA LINHA – Em seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, Lula parece seguir uma lógica parecida. Na disputa contra Jair Bolsonaro, ele formou uma frente ampla, conceito que guiou parte das decisões tomadas no ano passado, como a formação do ministério.
Neste ano, no entanto, o petista tem feito cada vez mais gestos à esquerda, afastando-se de aliados de centro que foram fundamentais em 2022 e provavelmente serão decisivos em 2026. Essa guinada, se confirmada, poderá custar caro no futuro.
Os sinais de uma provável mudança de direção são mais frequentes na área da economia, impulsionados pela dificuldade do presidente de resistir à tentação de aumentar o intervencionismo estatal e os gastos públicos.
PRESSÃO NA PETROBRAS – Depois de fritar o aliado durante semanas, Lula demitiu o petista Jean Paul Prates do comando da Petrobras, substituindo-o por Magda Chambriard, que dirigiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo Dilma Rousseff.
Apesar de ter “abrasileirado” a política de preços da companhia, como queria Lula, Prates era considerado simpático demais ao mercado e um obstáculo ao plano do presidente de usar a Petrobras para tirar do papel projetos considerados prioritários pelo Planalto, independentemente de sua viabilidade econômica ou de sua pertinência em termos de estratégia de mercado.
Em linha com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia), que trabalharam pela demissão de Prates, Lula quer que a empresa acelere investimentos em gás, fertilizantes e refinarias — e volte a impulsionar a indústria naval, um antigo sonho do PT que, como descobriu a Operação Lava-Jato, tornou-se terreno fértil para corrupção grossa.
FANTASMA DE VOLTA – Magda Chambriard assume o posto com missões bem definidas, todas estipuladas pela equipe do presidente. Com essa orientação, o fantasma do intervencionismo estatal voltou a assombrar. E não apenas na Petrobras. Desde o início do governo, Lula e a presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, reclamam da atuação do chefe do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado ao cargo por Jair Bolsonaro.
Eles dizem que a taxa básica de juros definida pelo BC, que tem contribuído para manter a inflação sob controle, dificulta o crescimento econômico do país e, por isso, exigem cortes expressivos.
Essa pressão tem zero embasamento técnico e muita conveniência política. Com ela, o presidente tenta sedimentar no imaginário popular a impressão de que, se a economia não decolar, a culpa não é dele, Lula, mas da política monetária asfixiante e pró-mercado comandada por Campos Neto. Teses falaciosas, como se sabe, não são exclusividade do bolsonarismo.
CORTE DOS JUROS – Desde agosto de 2023, o Comitê de Política Monetária do BC tem cortado a taxa básica de juros, mas na sua última reunião reduziu o ritmo da queda de 0,5 para 0,25 ponto percentual.
A decisão foi tomada por 5 votos a 4, saindo derrotados os diretores indicados por Lula. Foi o suficiente para que se espalhasse o temor de que, tão logo acabe o mandato de Campos Neto, no fim deste ano, o presidente da República lançará mão da escolha do sucessor no cargo para interferir no BC, que goza de autonomia prevista em lei aprovada por ampla maioria no Congresso.
Essa suspeita cresceu a ponto de provocar um comentário de Gabriel Galípolo, diretor do BC nomeado por Lula e considerado favorito para substituir Campos Neto à frente do banco. Num evento com investidores, Galípolo disse que também cogitou cortar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual e que havia argumentos técnicos para os dois lados. Ele tentou, assim, sinalizar independência em relação ao Planalto, enquanto Gleisi Hoffmann classificava a decisão do BC de um crime contra o país.
LOBBY DOS GASTOS – Combativa, a deputada muitas vezes verbaliza aquilo que Lula pensa, mas evita falar. Ao lado de Rui Costa, Gleisi também está na linha de frente do lobby por mais gastos públicos, que pressiona desde sempre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A vida do chefe da equipe econômica não é fácil. O presidente não desautoriza Haddad, mas sempre que pode defende a ampliação dos gastos ou a concessão de favores pela União. Lula também dá corda às pregações de Rui Costa, porta-voz da tese de que nenhum ajuste fiscal pode comprometer programas como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida. O presidente e o PT resistem a qualquer iniciativa destinada a cortar despesas ou, pelo menos, torná-las mais racionais.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, tem defendido a desvinculação entre a política de valorização do salário mínimo e os benefícios previdenciários e a inclusão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) na conta do piso de gastos com educação. Essas medidas teriam como objetivo conter a expansão das despesas obrigatórias e desengessar o Orçamento da União.
REAÇÃO ENORME – O debate dessas ideias mal começou, mas a reação já é enorme. Gleisi Hoffmann, sempre ela, diz que tais iniciativas contrariarão o programa de governo. “É no mínimo preocupante que sejam defendidas pela ministra Simone Tebet. Responsabilidade fiscal não tem nada a ver com injustiça social”, escreveu numa rede social.
O raciocínio de Gleisi é no mínimo controverso. Em 2022, Lula derrotou Bolsonaro numa batalha de rejeições. O eleitorado escolheu o que considerou menos pior. Até os petistas reconhecem isso. Na disputa mais acirrada desde a redemocratização, Lula saiu vitorioso porque conseguiu atrair apoios de segmentos de centro e da centro-direita que enxergavam em Bolsonaro uma ameaça à democracia.
Não houve uma opção entusiasmada pelo programa do PT. Não houve voto de confiança na cartilha petista para a economia. Longe disso. Na ocasião, prevaleceu a perspectiva de pacificação do país, de moderação, de um governo que honrasse a frente ampla. Algo que tem ocorrido cada vez menos, inclusive na seara política.