Pedro do Coutto
A pressão da opinião pública foi suficientemente forte, como era esperado, e levou a bancada evangélica da Câmara Federal a indicar que irá recuar do discurso em favor de uma votação rápida do projeto que equipara o aborto ao crime de homicídio. A tendência já está consolidada nos bastidores e deve ser referendada na reunião de líderes prevista para ocorrer nesta terça-feira.
Em um aceno à ala conservadora da Câmara, Lira amarrou o acordo que permitiu aprovar a urgência do texto. O movimento teve aval inclusive de partidos de esquerda, entre eles o PT. Mas Lira comprometeu-se a jogar para frente a apreciação do mérito. Se tudo correr como previsto, o assunto deve ir para a gaveta pelo menos até depois das eleições.
ACORDO – A proposta também perdeu o apoio do Centrão nos últimos dias. Segundo as lideranças dessa vertente, a aprovação de urgência na votação era um acordo da Casa com a bancada evangélica. A base do governo, que ficou em silêncio durante a aprovação da urgência na Câmara dos Deputados na semana passada, diz que vai trabalhar para barrar o avanço da iniciativa no Congresso.
Segundo o autor do texto, deputado Sóstenes Cavalcante , apesar da urgência aprovada para votação, não há necessidade imediata de pautar a proposta. O deputado explica que o projeto foi uma promessa feita por Lira aos evangélicos durante sua campanha para reeleição como presidente da Casa em 2023, e que ele tem até o final do ano, quando termina seu mandato, para cumpri-la.
“Não estou com pressa nenhuma. Votei a urgência e agora temos o ano todo para votar isso. O Lira tem compromisso conosco e ele pode cumprir até o último dia do mandato dele”, afirmou o parlamentar ao jornal O Globo. Realmente era um absurdo completo esse projeto que estabelecia pena de prisão maior para mulher, vítima de estupro, e que faz o aborto, do que para o próprio criminoso. Caso permanecesse o projeto original, esse fato colocaria o Brasil na contramão do mundo.
PESQUISA – Nos anos 1960, uma pesquisa foi feita por iniciativa de uma entidade de planejamento familiar chamada Bemfam que constatou que eram praticados no país mais de um milhão de abortos por ano, dos quais 20% acarretavam a necessidade de intervenção médica posterior que incluía dois dias de hospitalização em média. Logo, era uma calamidade ocupar a rede de atendimento público por um atendimento que não seria necessário se o planejamento familiar fosse seguido.
A entidade foi contestada por muitos que viam nela uma maneira de reduzir o crescimento populacional brasileiro. Mas a Bemfam era presidida pelo médico Walter Rodrigues e vinculada à uma Fundação internacional presidida pelo então governador da Geórgia, Jimmy Carter. Walter Rodrigues chamou a atenção para a importância da planificação da família.
MÉTODOS ANTICONCEPCIONAIS – Hoje, o planejamento familiar é praticado com mais eficiência, resultado da adoção de métodos anticoncepcionais. Não adianta ser contra o aborto na medida em que a bancada evangelica estava levando a discussão. Ele é praticado em larga escala por falta de conhecimento de métodos anticoncepcionais. O aborto nao pode nunca um caso policial.
Cabe aos governos fornecer os meios para que a questão seja enfrentada de forma inteligente e eficaz. Mas a bancada evangélica tinha um projeto radical em mente. No momento, abandonou essa posição e passou a adotar um comportamento mais baseado na realidade dos fatos. A questão só pode ser equacionada a partir da boa vontade de todos os setores envolvidos.