Relembre duas canções de enorme sucesso da MPB em homenagem às crianças

René Bittencourt e Francosco Alves

René Bittencourt e Francosco Alves

Paulo Peres
Poemas & Canções

O empresário artístico, jornalista e compositor carioca René Bittencourt Costa (1917-1979), na letra de ”Canção da Criança”, homenageia a garotada brasileira no seu dia. Essa valsa foi gravada por seu parceiro Francisco Alves, apelidado de “O Rei da Voz”, em 1952, pela Odeon.

CANÇÃO DA CRIANÇA
Francisco Alves e René Bittencourt

Criança feliz
Feliz a cantar
Alegre a embalar
Teu sonho infantil
Oh Meu Bom Jesus
Que a todos conduz
Olhai as crianças do nosso Brasil!

Crianças com alegria
Qual um bando de andorinhas
Viram Jesus que dizia:
Vinde a mim as criancinhas
Hoje dos céus, num aceno
Os anjos dizem: ”Amém”,
Porque Jesus, nazareno,
Foi criancinha também

Folha Online - Ilustrada - Ataulfo Alves é destaque da Coleção Folha - 08/04/2010

Ataulfo Alves, sempre inspirado

###

O cantor e compositor mineiro Ataulfo Alves de Souza (1909-1969) utilizou grande beleza poética para compor o nostálgico samba “Meus tempos de criança” (conhecido também como “Meu pequeno Miraí”), gravado por ele próprio, em 1956, pela Sinter, cuja letra traz lembranças de sua infância feliz em Miraí.

MEUS TEMPOS DE CRIANÇA
Ataulfo Alves

Eu daria tudo que tivesse
Pra voltar aos tempos de criança
Eu não sei pra que que a gente cresce
Se não sai da gente essa lembrança

Aos domingos missa na matriz
Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus, eu era tão feliz
No meu pequenino Miraí

Que saudade da professorinha
Que me ensinou o beabá
Onde andará Mariazinha
Meu primeiro amor onde andará?

Eu igual a toda meninada
Quanta travessura que eu fazia
Jogo de botões sobre a calçada
Eu era feliz e não sabia

Três coisas importantes que o poeta Paulo Mendes Campos jamais conseguiu entender

TRIBUNA DA INTERNETPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, escritor e poeta mineiro Paulo Mendes Campos (1922-1991) explica, poeticamente, “Três Coisas” que ele não conseguia entender e medir.

TRÊS COISAS
Paulo Mendes Campos

Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido

Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar

O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?

Muito medo tenho
Do tempo
Da morte
De teu olhar

O tempo levanta o muro.
A morte será o escuro?
Em teu olhar me procuro.

“Quantas ambiguidades se pode cometer na vida?”, perguntava o inovador Paulo Leminski

paulo leminski | Campus Virtual FiocruzPaulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário, tradutor, professor, escritor e poeta paranaense Paulo Leminski Filho (1944-1989), no poema “Volta em Aberto”, questiona as ambiguidades da ida e da volta: quem bate mais à porta?

VOLTA EM ABERTO
Paulo Leminski
        

Ambígua volta
em torno da ambígua ida,
quantas ambiguidades
se pode cometer na vida?

Quem parte leva um jeito
de quem traz a alma torta.
Quem bate mais na porta?
Quem parte ou quem volta?

Ninguém descreve o nordestino com a crueza e a beleza de Patativa do Assaré

Poesia, Viajante - A triste partida Patativa do Assaré #academiabrasileiradeliteraturadecordel #poesiaviajante #poesia #poema #cordel #cordelista #ceara #ce #nordeste #sertao #laranja #patativadoassaré #arte #cultura #art #culture #culturanordestina ...Paulo Peres
Poemas & Canções

Patativa do Assaré, nome artístico de Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), por ser natural da cidade de Assaré, no Ceará, foi um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina. Com uma linguagem simples, porém poética, destacou-se como compositor, improvisador, cordelista e poeta, conforme podemos perceber no poema “Poeta da Roça’, onde retrata uma realidade social à qual pertence.

POETA DA ROÇA
Patativa do Assaré

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.

“Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito ainda mora”, cantava Lupicínio

Lupicínio Rodrigues - Cultura AlternativaPaulo Peres
Poemas & Canções

O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914-1974), Lupe, como era chamado desde pequeno, compôs músicas que expressam fortes sentimentos, conforme a letra de “Felicidade” que segundo o próprio Lupicínio, fala da saudade por ele sentida quando viveu na cidade de Santa Maria, no serviço militar, de 1932 a 1935 e, esperava, ansiosamente, retornar ao campo onde nasceu e foi criado. Esta canção foi gravada por Lupicínio Rodrigues, em 1952, pela Star.

FELICIDADE
Lupicínio Rodrigues

Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

Lá onde eu moro tem muita mulher bonita
Que usa vestido sem cinta e tem na boca um coração
Cá na cidade se vê tanta falsidade
Que a mulher faz tatuagem até mesmo na pensão

Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

A minha casa fica lá detrás do mundo
Mas eu vou em um segundo quando começo a cantar
E o pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa quando começa a pensar

Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

Na minha casa tem um cavalo tordilho
Que é irmão do que é filho daquele que o Juca tem
Quando eu agarro seus arreios e lhe encilho
Sou pior que limpa trilho e corro na frente do trem

Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

As letras se unem para formar palavras amorosas que elevam os espíritos dos amantes

TRIBUNA DA INTERNET | Category | Paulo Peres | Page 7

Limongi. jornalista e poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, demonstra como as “Letras Amorosas” estão presentes no cotidiano de nossas vidas.

LETRAS AMOROSAS
Vicente Limongi Netto

Saboreio palavras
nascidas nas nuvens,
letras miúdas e desamparadas.
Unidas, são elevadas aos
santuários das ilusões e bonanças.

Letras têm pudor,
são compassos da vida.
Rindo das amarguras, 
atravessam a infância 
fogosas, atrevidas e charmosas,
em direção a fortunas e sucessos.

Letras pedem socorro, 
são emotivas e passionais, 
choram indóceis e aflitas, 
amanhecem senhoras de si.

A tarefa final das letras é
elevar espíritos e suavizar almas, 
espantar tristeza, trilhar paixões e bondade, 
com o rosto colado
para adormecer no infinito.

Um samba em homenagem à Vila da Penha, composto por quem ama as suas raízes

Luiz Carlos Da Vila | Spotify

Luiz Carlos da Vila, grande sambista carioca

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Luiz Carlos Baptista (1949-2008), que adotou o nome artístico de Luiz Carlos da Vila ou das “Vilas”, como ele mesmo afirmava, porque residia na Vila da Penha e era compositor da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel, é considerado um dos formatadores do samba carioca contemporâneo.

A letra de “Vila do Meu Coração”, em parceria com Luiz Carlos Máximo, homenageia a Vila da Penha, bairro do subúrbio carioca. O samba Vila do Meu Coração foi gravado por Luiza Dionizio no CD Devoção, em 2010, pela CDiscos/Universal Music.

VILA DO MEU CORAÇÃO
Luiz Carlos Máximo e Luiz Carlos da Vila

Minha pedra, meu livro, meu ninho
Meu lápis, papel, pergaminho
É a bola, é a nota, é o tom, é o som
O meu chão, meu passarinho

Não importa Jesus de costas
Proteção já fincou na encosta
Na igreja de Nossa Senhora
Que abençoou, abençoou
Volta e meia Jesus de revés
Olha e pisca pros filhos fiéis
Dando as mãos e aos pés

Um talento que nos desenhou
Nas esquinas das curvas incertas
Minha casa de portas abertas
Ao amor que o ator desempenha
São segredos que eu tenho a senha
O meu samba é a herança de ti
Minha Vila da Penha

O Marco Polo da minha eterna Amizade
Atravessa o caminho da Prosperidade
Velhas ruas do bom e elegante Carlão
Papos, botecos, viola, meu irmão
Banda Raízes, Largo do Bicão
Fraternidade, Justiça e Inspiração
Salve a Igreja da Penha
A primeira que é vista no céu do Galeão
Ali para os lados da Vila do meu coração

“Lá vem o lança-chamas, pega a garrafa de gasolina e atira”, dizia Oswald de Andrade

12 ideias de Oswald de Andrade | oswald de andrade, semana da arte moderna,  modernismo brasileiro

Oswald de Andrade, retratado por Tarsila do Amaral

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, escritor, ensaísta, dramaturgo e poeta paulista José Oswald de Souza Andrade (1890-1954) foi um dos principais articuladores do movimento modernista literário e da célebre Semana de Arte Moderna, marco divisório na história das artes brasileiras, realizada em São Paulo, em 1922.

A rebeldia de Oswald o levava a querer muito mais do que simplesmente revolucionar forma e conteúdo da criação artística. O que ele queria mesmo era uma revolução que transformasse a vida social dos brasileiros, suas instituições e costumes.

ALERTA
Oswald de Andrade

Lá vem o lança-chamas
Pega a garrafa de gasolina
Atira

Eles querem matar todo amor
Corromper o polo
Estancar a sede que eu tenho doutro ser

Vem do flanco, de lado
Por cima, por trás
Atira
Atira
Resiste
Defende
De pé
De pé
De pé
O futuro será de toda a humanidade.

“Choveu tanto esta tarde que as árvores estão pingando de contentes”, dizia Olegário Mariano.

Mariano, retratado por Portinari

Paulo Peres
Poemas & Canções

O “Arco-Íris” marca presença na visão poética do diplomata, político e poeta pernambucano Olegário Mariano Carneiro da Cunha (1889-1958), membro da Academia Brasileira de Letras.

ARCO-ÍRIS
Olegário Mariano

Choveu tanto esta tarde
Que as árvores estão pingando de contentes.
As crianças pobres, em grande alarde,
Molham os pés nas poças reluzentes.

A alegria da luz ainda não veio toda.
Mas há raios de sol brincando nos rosais.
As crianças cantam fazendo roda,
Fazendo roda como os tangarás:

“Chuva com sol!
Casa a raposa com o rouxinol.”
De repente, no céu desfraldado em bandeira,

Quase ao alcance da nossa mão,
O Arco-da-Velha abre na tarde brasileira
A cauda em sete cores, de pavão.

“Mas plantar pra dividir, não faço mais isso, não”, cantava o genial João do Vale.

João do Vale será tema de Escola de Samba natalense – Brechando

João do Vale era conhecido como o Poeta do Povo

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor e cantor maranhense João Batista do Vale (1933-1996), o Poeta do Povo, representou o grito contido das massas contra todo o tipo de injustiça social, conforme dispõe a letra “Sina de Caboclo”, em parceria com Zélia Barbosa e J.B. de Aquino. Essa música foi gravada por João do Vale no LP O Poeta do Povo, em 1965, pela Philips.

SINA DE CABOCLO
Zélia Barbosa, J.B. de Aquino e João do Vale

Mas plantar pra dividir
Não faço mais isso, não.

Eu sou um pobre caboclo,
Ganho a vida na enxada.
O que eu colho é dividido
Com quem não planta nada.
Se assim continuar
vou deixar o meu sertão,
mesmos os olhos cheios d’água
e com dor no coração.
Vou pró Rio carregar massas
pros pedreiros em construção.
Deus até está ajudando:
está chovendo no sertão!

Mas plantar pra dividir
Não faço mais isso, não.

Quer ver eu bater enxada no chão,
com força, coragem, com satisfação?
e só me dar terra pra ver como é :
eu planto feijão, arroz e café ;
vai ser bom pra mim e bom pro doutor.
eu mando feijão, ele manda trator .
vocês vai ver o que é produção!
modéstia á parte, eu bato no peito :
eu sou bom lavrador!

Mas plantar pra dividir
Não faço mais isso, não.

“Vem matar essa paixão, que me devora o coração, e só assim então serei feliz, bem feliz”

Braguinha - LETRAS.MUS.BR

Braguinha, um extraordinário compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor carioca Carlos Alberto Ferreira Braga (1907-2006), conhecido como Braguinha ou João de Barro, fez uma belíssima declaração de amor ao colocar letra no famoso choro “Carinhoso”, um dos maiores clássicos da MPB, composto por Pixinguinha.  “Carinhoso” foi gravado por Orlando Silva, em 1937, pela RCA Victor.

CARINHOSO
Pixinguinha e João de Barro

Meu coração, não sei por quê
Bate feliz quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo,
Mas mesmo assim foges de mim.

Ah se tu soubesses
Como sou tão carinhoso
E o muito, muito que te quero.
E como é sincero o meu amor,
Eu sei que tu não fugirias mais de mim.

Vem, vem, vem, vem,
Vem sentir o calor dos lábios meus
A procura dos teus.
Vem matar essa paixão
Que me devora o coração
E só assim então serei feliz,
Bem feliz.

Na arte de desamar, Murilo Mendes ensina que a solução é escrever mais poemas

Paulo Peres
Poemas & Canções

O notário e poeta mineiro Murilo Monteiro Mendes (1901-1975), no poema “Arte de desamar”, faz um bem-humorado relato de um caso de amor que pode não dar certo.

ARTE DE DESAMAR
Murilo Mendes

Meu amor é disponível,
A qualquer hora ele fecha;
A crise de convicção
É mesmo muito grande.

As pernas do meu amor
Distraem da metafísica,
O corpo do meu amor
Tem a vantagem sublime
De disfarçar o horizonte.

Eu não amo meu amor
Para quê tapeação.
Não amo ninguém no mundo,
Nem eu mesmo, nem me odeio.

Meu amor é uma rede
Onde descanso da vadiação.
Os olhos do meu amor
São bastante distraídos,
Não vêem meu desamor.

Com o porta-seios moderno
Os seios do meu amor
Aparados à la garçonne
Ocupam lugar pequeno
No espaço do seu corpo.

Se meu amor qualquer dia
Me abandonar, ai de mim!
Eu não me suicidarei…
Escreverei mais poemas.

Nas portas desse botequim, passaram tempos antigos, passaram sonhos e amigos

Biografia de Ivan Lins - eBiografia

Ivan Lins, grande compositor e intérprete

Paulo Peres
Poesias & Canções

O químico, instrumentista, cantor e compositor carioca Ivan Guimarães Lins relembra personagens, sonhos, costumes e objetos que através do tempo passaram “Nesse Botequim”. Ivan Lins gravou essa música no LP Chama Acesa, em 1975, pela RCA Victor.

NESSE BOTEQUIM
Ivan Lins

Nas portas desse botequim
Passaram tempos antigos
Passaram sonhos, amigos
Passaram crimes, castigos

Nas portas desse botequim
Passaram porcos e vadios
Passaram povos, pavios
Passaram os corpos vazios

Nas portas desse botequim
Passaram teias daninhas
Passaram reis e rainhas
Passaram fés, ladainhas

Nas portas desse botequim
Passaram trens e tratores
Passaram cães e tambores
Passaram bois voadores

Nas portas desse botequim
Passaram barbas, batinas
Passaram mãos assassinas
Passaram grossas cortinas

Nas portas desse botequim
Passaram quedas de braço
Passaram trevas de aço
Passaram as águas de março
“É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho”

 

Veja como Cecília Meireles saudava poeticamente a chegada da Primavera

Alguns dos melhores momentos da vida a... Cecilia meireles - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, pintora, jornalista e poeta carioca Cecília Meireles (1901-1964), tem na sua poesia uma das mais puras, líricas, bucólicas, belas e válidas manifestações da literatura contemporânea. A Primavera, neste poema em forma de prosa, é descrita numa linguagem “onipotente”, imune a quaisquer condições que impeçam a sua chegada, ainda que efêmera, e implante seus principais dogmas, que fazem uma festa na natureza.

PRIMAVERA
Cecília Meireles

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

O cotidiano caótico dos moradores de rua, exposto por Gonzaguinha no coração da cidade

NOVABRASIL FM - Viva, Gonzaguinha! Dono de uma bela e inconfundível voz, o cantor e compositor vai estar sempre vivo em nossos corações e na história da música brasileira. Filho de LuizPaulo Peres
Poemas & Canções

O economista, cantor e compositor carioca Luiz Gonzaga do Nascimento Junior (1945-1991), mais conhecido como Gonzaguinha é, sem dúvida, um dos maiores talentos da Música Brasileira em seus diversos estilos populares. A letra de “Corações Marginais” retrata o cotidiano caótico dos moradores de rua, vítimas do desajuste social. A música intitula o LP Corações Marginais, gravado por Gonzaguinha, em 1988, pela Moleque/WEA.

CORAÇÕES MARGINAIS
Gonzaguinha

Eles já estão ficando, eles já estão dormindo,
no centro, no coração da cidade
Saem dos seus trabalhos e ficam já instalados,
no centro, no coração da cidade

Sob os viadutos, sob todas marquises
– questão de comunidade.
Equilibrismo possível, malabarismo possível,
dos corações, no coração da cidade

Cobrem-se com os jornais que falam da vida
que vai nas veias, no coração da cidade
Comem migalhas dos pombos, fazem as necessidades, no coração da cidade

Dividem as dificuldades como se devia fazer
– questão de comunidade
Sonham o fim de semana, crianças, mulheres e camas, seus corações, no coração da cidade

Suas mulheres guerreiras fazem a vida
lá longe do coração da cidade
Ficam insones a noite, cuidam de suas crianças,
nos seus corações das cidades

O coração da cidade não abre nunca aos domingos,
não vê esta impunidade
Crianças, mulheres e homens, brincando, sorrindo 
e amando na festa da marginalidade

O coração da cidade
não tem o menor respeito

com os corações das cidades
E os corações das cidades
não voltam nunca pra  casa,

são prisioneiros do coração da cidade.

A chuva de granizo fustiga o cafezal, no modernismo de Menotti Del PIcchia

Pin on QuotesPaulo Peres
Poemas & Canções

O político, tabelião, advogado, jornalista, pintor, cronista, ensaísta, romancista e poeta paulista Paulo Menott Del Picchia (1892-1988), um dos organizadores da Semana de Arte Moderna e membro da Academia Brasileira de Letras, se inspirou numa chuva de granizo que fustigava um cafezal.

CHUVA DE PEDRA
Menotti Del Picchia

O granizo salpica o chão como se as mãos das nuvens
quebrassem com estrondo um pedaço de gelo
para a salada de frutas do pomares…

O cafezal, numa carreira alucinada,
grimpa as lombas de ocre
apedrejada matilha de cães verdes…
fremem, gotejam eriçadas suas copas
como pêlos de um animal todo molhado.

O céu é uma pedreira cor de zinco
onde estoura dinamite dos coriscos.
Rola de fraga em fraga a lasca retumbante
de um trovão.

Os riachos correm com seus pés invisíveis e líquidos
para o abrigo das furnas. No terreiro,
as roupas penduradas nos varais
dançam, funambulescas, com as pedradas,
numa fila macabra de enforcados!

Se você quiser falar com Deus, tem que ficar a sós, apagar a luz e calar a voz

Roberto Carlos pode gravar música com Pabllo Vittar: “Por que não? Está em  evidência” | Alto Astral

Gil fez essa canção para o amigo Roberto Carlos

Paulo Peres
Poemas & Canções

O político, escritor, cantor e compositor baiano Gilberto Passos Gil Moreira, conhecido como Gilberto Gil, na letra “Se Eu Quiser Falar Com Deus”, retrata o cotidiano na sua mais pura realidade, enfatizando o desapego ao material e os sacrifícios para estar na presença do criador, porque o final seria a morte. O compositor fez essa música para o amigo Roberto Carlos, que a achou muito forte e não quis incluí-la no repertório, e foi gravada pelo próprio Gilberto Gil, em 1980, pela WEA.

SE EU QUISER FALAR COM DEUS
Gilberto Gil

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar

Uma rua morta, mas que revive no cheiro dos cabelos das moças de outrora

TRIBUNA DA INTERNET | Os domingos festivos nas praças do interior, na  lembrança poética de Mauro Motta

Mauro Mota, grande poeta pernambucano

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, jornalista, professor, memorialista, cronista, ensaísta e poeta pernambucano Mauro Ramos da Mota e Albuquerque (1911-1984), da Academia Brasileira de Letras, no poema “Rua Morta”, sente um cheiro não dos jardins abandonados, mas dos cabelos das moças de outras épocas.

RUA MORTA
Mauro Mota

Longa rua distante de subúrbio,
velha e comprida rua não violada pelos prefeitos,
passo sobre ti suavemente neste fim de tarde de domingo.
Sinto-te o coração pulsando oculto sob as areias.
O sangue circula na copa imensa dos flamboyants.

Tropeço nos passos perdidos há muito nestas areias,
onde as pedras não vieram ainda sepultá-los.
Passos de homens que jamais voltarão.

Ó velhos chalés de 1830, eterniza-se entre as paredes
o eco das vozes de invisíveis habitantes.
Mãos de sombras femininas abrem de leve janelas no oitão.

Há um cheiro de jasmins e resedás
que não vem dos jardins abandonados,
mas dos cabelos dos fantasmas das moças de outrora.

Atormentado pela incerteza de um amor fugaz, um belo poema triste de Quintana

AS MAIS LINDAS FRASES SOBRE A VIDA - MARIO QUINTANA (frases,citacões,uma  linda reflexão de vida) - YouTubePaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, tradutor e poeta gaúcho Mário de Miranda Quintana (1906-1994), no poema “Eu Escrevi um Poema Triste”, afirma tê-lo feito apenas com sua própria tristeza, causada pelo amor incerto, que nem sempre é correspondido.

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE
Mário Quintana

Eu escrevi um poema triste
E belo, apesar da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…

Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel! 

Uma canção marcou a despedida de Geraldo Vandré, quando se tornou exilado em 1968

Antes de partir para o exílio, Vandré compôs com Geraldo Azevedo a “Canção  da Despedida!” – Carlos Sousa

Perseguido pela ditadura, Vandré deixou o país

Paulo Peres
Poemas & Canções

“Canção da Despedida” é a única parceria de dois Geraldos, os cantores e compositores Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, o Geraldo Vandré, paraibano, com Geraldo Azevedo de Amorim, o Geraldo Azevedo, pernambucano.

Para entendermos melhor a letra desta música devemos saber que Geraldo Vandré foi um dos que sentiram fortemente o peso da ditadura militar. E a maior responsável por isso foi sua canção “Pra não dizer que não falei de flores”, ou “Caminhando”, apresentada no III Festival Internacional da Canção, em 1968. A canção ficou em segundo lugar (perdeu para “Sabiá”, de Chico e Tom Jobim, que receberam a maior vaia de suas vidas), mas foi cantada e recantada pelo público e chamada de a “Marselhesa Brasileira”. Agora, 55 anos depois, é cantada nas ruas de Israel como hino da revolta popular.

O certo é que, após o sucesso estrondoso de “Caminhando”, um verdadeiro hino contra a ditadura, a vida de Vandré tornou-se um martírio. Para se ter uma ideia, Zuenir Ventura faz uma referência a um artigo revoltado de um general, publicado no Jornal do Brasil em 06 de outubro de 1968, com o militar dizendo que a final do Festival da canção contemplara 3 injustiças:

  1. Do Júri, ao colocar a música em segundo lugar, desconsiderando a “pobreza” da letra com seus gerúndios e rimas terminadas em “ão”, sem falar da canção em dois acordes.
  2. Do público, que vaiou “Sabiá”.
  3. De Geraldo Vandré, que se insurgira contra “soldados armados”. Mas neste caso o general dizia que apenas essa terceira injustiça poderia ser reparada.

Antes mesmo de ser proibida oficialmente no dia 23 de outubro de 68, os discos já eram apreendidos, e Vandré vivia na paranoia de ser preso. Medo que se intensificou na sexta-feira 13 de dezembro de 1968, quando veio o AI-5, que fechava o Congresso, suprimia garantias individuais (como o habeas corpus) e fazia com que a ditadura mostrasse sua face mais horrenda.

Vandré era advogado, e sabia dos riscos que corria, passou a esconder-se, viver na clandestinidade, mesmo sem saber se ele seria preso ou não, e, como relata Dalva Silveira, no seu livro “Geraldo Vandré: A vida não se resume em festivais” (FT Editora), ele passou a planejar a fuga para um autoexílio. Mas, antes de fugir do Brasil, Vandré passou um tempo escondido com ajuda da viúva de Guimarães Rosa.

No período em que estava foragido, uma das pessoas que tinha acesso a Geraldo Vandré era Geraldo Azevedo, que compunha o “Quarteto livre”, banda que o acompanhara na turnê do show “Pra não dizer que não falei de flores”, cujo título, censurado, passou a ser “Socorro – a poesia está matando o povo”.

Geraldo Azevedo disse que, para ver Vandré, tinha que se comportar “como um militante de organização clandestina; entrava num carro, mudava para outro, fazia tudo para despistar pessoas da repressão que pudessem estar me seguindo para, por meu intermédio, chegar a Vandré”.

Nesse clima compuseram em parceria, Vandré e Azevedo, a “Canção da Despedida”, cuja letra é absolutamente clara e explícita.

A primeira gravação de “Canção da Despedida” foi feita por Geraldo Azevedo no LP A Luz do Solo, em 1985, pela Polygram.

CANÇÃO DA DESPEDIDA
Geraldo Vandré e Geraldo Azevedo

Já vou embora, mas sei que vou voltar
Amor não chora, se eu volto é pra ficar
Amor não chora, que a hora é de deixar
O amor de agora, pra sempre ele ficar

Eu quis ficar aqui, mas não podia
O meu caminho a ti, não conduzia
Um rei mal coroado,
Não queria
O amor em seu reinado
Pois sabia
Que não ia ser amado

Amor não chora, eu volto um dia
O rei velho e cansado já morria
Perdido em seu reinado
Sem Maria
Quando eu me despedia
No meu canto lhe dizia

Já vou embora…