“Vou mastigando o mundo e ruminando, e assim vou tocando essa vida marvada”

Morre Rolando Boldrin, ator, compositor e cantor ícone da música caipira

Rolando Boldrin, o grande cantador brasileiro

Paulo Peres
Poemas & Canções

O ator, cantor, poeta, contador de causos, radialista, apresentador de televisão e compositor paulista Rolando Boldrin (1936/2022), na letra de “Vide Vida Marvada”, descreveu a vida calma e mansa de todo matuto.

Essa música foi gravada pelo próprio Rolando Boldrin no LP Caipira, em 1981, pela Som Brasil.

VIDE VIDA MARVADA
Rolando Boldrin

Corre um boato aqui donde eu moro
Que as mágoas que eu choro
São mal ponteadas
Que no capim mascado do meu boi
A baba sempre foi
Santa e purificada

Diz que eu rumino desde menininho
Fraco e mirradinho
A ração da estrada
Vou mastigando o mundo e ruminando
E assim vou tocando
Essa vida marvada

É que a viola fala alto no meu peito humano
E toda moda é um remedio pro meu desengano
É que a viola fala alto no meu peito humano
E toda magoa é um misterio fora desse plano
Pra todo aquele que só fala que eu não sei viver
Chega lá em casa pra uma visitinha
Que no verso ou no reverso da vida inteirinha
Há de encontrar-me num cateretê

Tem um ditado tido como certo
Que cavalo esperto
Não espanta boiada
E quem refuga o mundo resmungando
Passará berrando
Essa vida marvada

Cumpade meu que envelheceu cantando
Diz que ruminando
Dá pra ser feliz
Por isso eu vagueio ponteando
e assim procurando
Minha flor de lis

É que a viola fala alto no meu peito humano
E toda moda é um remedio pro meu desengano
E toda magoa é um misterio fora desses planos
Pra todo aquele que só fala que eu não sei viver
Chega lá em casa pra uma visitinha
Que no verso ou no reverso da vida inteirinha
Há de encontrar-me num cateretê

“Vão-se sonhos nas asas da Descrença, voltam sonhos nas asas da Esperança”

A mão que afaga é a mesma que... Augusto dos Anjos - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, professor e poeta paraibano Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914), mostra neste soneto que “A Esperança” serve de panaceia para todos os sentimentos e momentos da vida.

A ESPERANÇA
Augusto dos Anjos

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro – avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

Ariano Suassuna numa desesperada canção de amor – “A Mulher e o Reino”

O otimista é um tolo. O pessimista, um... Ariano Suassuna ...Paulo Peres
Poemas & Canções

O escritor e poeta paraibano Ariano Suassuna, no poema “A Mulher e o Reino”, exalta a amada, revolta-se contra a razão e imortaliza o amor.

A MULHER E O REINO
Ariano Suassuna

Oh! Romã do pomar, relva esmeralda
Olhos de ouro e azul, minha alazã
Ária em forma de sol, fruto de prata
Meu chão, meu anel, cor do amanhã

Oh! Meu sangue, meu sono e dor, coragem
Meu candeeiro aceso da miragem
Meu mito e meu poder, minha mulher

Dizem que tudo passa e o tempo duro
tudo esfarela. O sangue há de morrer.
Mas quando a luz me diz que esse ouro puro
se acaba pôr finar e corromper
Meu sangue ferve contra a vã razão
E há de pulsar o amor na escuridão           

Dia de luz, festa do sol, um barquinho a deslizar no macio azul do mar…

O Barquinho": o imprevisto de barco que inspirou uma dos sucessos da Bossa  Nova

Menescal e Bôscoli, compositores geniais

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, produtor musical e compositor carioca Ronaldo Fernando Esquerdo e Bôscoli (1928-1994) foi um dos porta-vozes de uma tendência musical que surgiu no Rio de Janeiro no final da década de 50: a Bossa Nova.

No documentário Coisa Mais Linda – História e Casos da Bossa Nova, Roberto Menescal conta de onde veio a inspiração para compor  “O Barquinho”, sua mais famosa canção, feita em parceria com Ronaldo Bôscoli.

Segundo o artista, durante um passeio no mar, próximo às cidades de Cabo Frio e Arraial do Cabo, um barco tripulado por ele, Bôscoli e outros amigos teve um problema e ficou à deriva no Oceano Atlântico. Após várias tentativas para religar o motor, sem sucesso, Menescal começou a dedilhar uma melodia em seu violão, inspirado justamente pelo ruído feito pelo motor que não pegava.

Mais tarde, com o sol quase se pondo, felizmente apareceu um outro barco para rebocá-los até a costa. Satisfeitos, os tripulantes foram cantarolando: “O barquinho vai… A tardinha cai”. Na ocasião, a música ficou só nisso.

No dia seguinte, porém, Menescal e Bôscoli se encontraram novamente e começaram a recordar o fato. Para nossa sorte, conseguiram transformar aquele episódio quase trágico em um “dia de luz, festa do sol”. A música foi gravada por Maysa no LP O Barquinho, em 1961, pela Columbia.

O BARQUINHO
Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli

Dia de luz
Festa do sol
Um barquinho a deslizar
No macio azul do mar

Tudo é verão
Amor se faz
Num barquinho pelo mar
Que desliza sem parar

Sem intenção
Nossa canção
Vai saindo desse mar
E o sol
Vejo o barco e luz
Dias tão azuis

Volta do mar
Desmaia o sol
E o barquinho a deslizar
E a vontade de cantar

Céu tão azul
Ilhas do sul
E o barquinho coração
Deslizando na canção

Tudo isso é paz
Tudo isso traz
Uma calma de verão e então
O barquinho vai
A tardinha cai
O barquinho vai

Mestre das palavras, Aurélio Buarque de Holanda soube usá-las em versos

Tribuna da Internet | Um soneto romântico de Aurélio Buarque de Holanda,  que entendia de palavrasPaulo Peres
Poemas & Canções

Mestres das palavras e seus significados, o crítico literário, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta alagoano Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), também soube usá-las para, nos belos versos do soneto “Amar-te”, exaltar seu amor por sua filha.

AMAR-TE
Aurélio Buarque de Holanda

Amar-te – não por gozo da vaidade,
Não movido de orgulho ou de ambição,
Não à procura da felicidade,
Não por divertimento à solidão.

Amar-te – não por tua mocidade
– Risos, cores e luzes de verão –
E menos por fugir à ociosidade,
Como exercício para o coração.

Amar-te por amar-te: sem agora,
Sem amanhã, sem ontem, sem mesquinha
Esperança de amor, sem causa ou rumo.

Trazer-te incorporada vida fora,
Carne de minha carne, filha minha,
Viver do fogo em que ardo e me consumo.

Carlos Pena Filho captou os desejos e sonhos frustrados no Bar Savoy

Poesia dos Brasis - Pernambuco - CARLOS PENA FILHO -  www.antoniomiranda.com.brPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta pernambucano Carlos Pena Filho (1929-1960), no poema “Chopp”, mostra os desejos e os sonhos frustrados no refrão do famoso Bar Savoy, no Recife.

CHOPP
Carlos Pena Filho

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:

São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.

Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados

Um poema de Castro Alves, absolutamente erótico, dedicado a suas amadas

Poeta Castro Alves e Eugênia Câmara - Caso real de Amor, Paixão e Poesia

Eugenia Câmara, a musa de Castro Alves

Paulo Peres
Poema & Canções

O poeta baiano Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), símbolo da nossa literatura abolicionista, motivo pelo qual é conhecido como “Poeta dos Escravos”, era um revolucionário também no amor.

Em meados do século 19, mostrando ousadia para a época, escreveu “Boa-Noite”, um poema absolutamente erótico, em que recria o amor de Romeu e Julieta para várias outras mulheres que o atraiam, como Maria, Marion, Consuelo…

Mas seu grande amor, a atriz portuguesa Eugenia Câmara, chegaria depois na vida do poeta.

BOA-NOITE
Castro Alves

Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde…é tarde…
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa-noite!…E tu dizes – Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos…
Mas não mo digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve…a Calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?…pois foi mentira…
…Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela d’alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d’alvorada:
“É noite ainda em teu cabelo preto…”

É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua…

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas…
– São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos…
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora…
Marion! Marion!…É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!…

Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo…
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa-noite! – formosa Consuelo!…

“No peito o coração pesa mais que uma mala de chumbo”, dizia o poeta.

LÍNGUA PORTUGUESA | Morreu nesta terça-feira (4) o escritor mineiro Affonso  Romano de Sant'Anna. O poeta, cronista e ensaísta ficou conhecido pelo  papel... | InstagramO jornalista e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna (1937/2025) descreve no poema “Separação” tudo que acontece quando se desmonta a casa e o amor: sentimentos, momentos, conversas, filhos, vizinhos, perplexidade, futuro, indecisão etc.

SEPARAÇÃO
Affonso Romano de Sant’Anna

Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juizo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
– pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos
malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa
de ir embora envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.

Pombas poéticas de Raymundo Corrêa sempre voltam, mas a juventude, não

Se se pudesse o espírito que chora Ver através da máscara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse.... Frase de Raimundo Correia.Paulo Peres
Poemas & Canções

O magistrado, professor, diplomata e poeta maranhense Raymundo da Motta de Azevedo Corrêa Sobrinho (1859-1911) no soneto “As Pombas” cria uma relação entre a rapidez da adolescência e o tempo.

Logo, trata-se de um soneto pessimista, já que aparece a angústia do autor perante a passagem rápida do tempo, tendo em vista os tempos bons da adolescência. O coração no caso representa as coisas boas, as paixões, os desejos e os sonhos que, entretanto, ficaram para trás. A movimentação é constante, percebe-se que as pombas vão e vêm, mas a juventude se vai para sempre.

AS POMBAS
Raimundo Corrêa

Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada…

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada…

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais…

No Dia do Amigo, as mensagens de Milton Nascimento, Fernando Brant e Paulo Peres

Amigo é aquele diante de quem podemos... Ralph Waldo Emerson - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, compositor e poeta mineiro Fernando Rocha Brant (1946-2015), na letra de “Canção da América”, lembra o desejo de frátria, devido aos laços histórico/afetivos que unem os países americanos, em especial, os latino-americanos. Pelo potencial confraternizador que carrega, a canção tornou-se o hino de celebração das amizades, mormente, para retratar os encontros e as despedidas existentes em nossa vida.

Esta música foi gravada por Milton Nascimento, em 1980, no LP Sentinela, pela Ariola. E deve ser cantada sempre, como se fosse um hino do Dia do Amigo, que se comemora hoje, 20 de julho.

CANÇÃO DA AMÉRICA
Milton Nascimento e Fernando Brant

Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam “não”
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.

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DIA DO AMIGO
Paulo Peres

Não existe palavra
Que possa definir
O real significado,
A bênção Divina
E a felicidade infinda
De tê-lo como amigo.

A genialidade da filosofia de Monsueto e Arnaldo Passos

Onda 21 – 4 de novembro na música

Monsueto, grande sambista carioca

Paulo Peres
Poemas & Canções

O pintor, ator, cantor e compositor carioca Monsueto Campos de Menezes (1924-1973) é o autor de sambas clássicos como “Mora na Filosofia”, em parceria com Arnaldo Passos, cuja letra relata as diversas formas pelas quais a pessoa amada foi avaliada para se chegar à decisão final, ou seja, de que é impossível continuar com esta pessoa. Este samba foi gravado por  Caetano Veloso, no LP Transa, em 1972, pela Philips.

MORA NA FILOSOFIA
Arnaldo Passos e Monsueto

Eu vou lhe dar a decisão,
Botei na balança e você não pesou,
Botei na peneira, você não passou,
Mora na filosofia,
Pra que rimar amor e dor,
Vê se mora na filosofia,
Pra que rimar amor e dor.

Se seu corpo ficasse marcado,
Por lábios ou mãos carinhosas,
Eu saberia,
A quantos você pertencia,
Não vou me preocupar em ver,
Seu caso não é de ver pra crer….

Uma imortal conversa de botequim, na genialidade de Noel e Vadico

Crítica: Biografia mostra sambista Vadico além do parceiro Noel Rosa -  11/09/2017 - Ilustrada - Folha de S.Paulo

No botequim, o garçom olha espantado para Vadico

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, músico e compositor carioca Noel de Medeiros Rosa (1910-1937), com seu parceiro Vadico (1910-1962), conseguiu, com ironia e sensibilidade, retratar em versos as principais características populares do Rio de Janeiro do início do século passado.

Nesse sentido,  a letra de “Conversa de Botequim” é exemplo de malandros da época que conseguiam quase tudo com muita conversa fiada. Este samba teve inúmeras gravações, sendo a primeira delas feita pelo próprio Noel Rosa, em 1935, pela Odeon.

CONVERSA DE BOTEQUIM
Vadico e Noel Rosa

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d’água bem gelada

Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol

Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão,
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro

Seu garçom faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d’água bem gelada

Telefone ao menos uma vez
Para três quatro quatro três três três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório

Seu garçom me empresta algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro,
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente

A grandeza poética da mulher, na visão realista de Adalgisa Nery

Tribuna da Internet | Uma declaração de amor profunda, sincera e absoluta, no poema de Adalgisa NeryPaulo Peres
Poemas & Canções 

A jornalista e poeta carioca Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira (1905-1980), mais conhecida como Adalgisa Nery por seu casamento com o pintor Ismael Nery, definiu a “Mulher” através das características que a vida lhe impõe.

MULHER
Adalgisa Nery

Na face, a geografia da angústia,
Dos pânicos e das medrosas alegrias.
Cada ruga é um presságio.
E auréola da aflição constante
O esplendor dos cabelos brancos.

Uma só raiz para frutos diversos,
Uma só vida para destinos tão complexos,
Um só pranto para dores tão diversas.

O útero que gera o herói, o sábio, o poeta,
O santo, o miserável e o assassino.
Uma só raiz para frutos tão diversos!

O dom da paz em cada gesto
Cai como noites quietas
Sobre a alma em rancor,
Amor acima do amor.

Num diálogo de amor, lá vai Adélia Prado pela rua, no caminho do céu

Tribuna da Internet | Adélia Prado declara amor ao mundo, apesar do  sofrimento inerente à vidaPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, escritora e poeta mineira Adélia Luzia Prado de Freitas não teve dúvidas ao definir um diálogo de amor e afirmar que, um “Poema Começado do Fim” pode levar até o caminho do céu.

POEMA COMEÇADO DO FIM
Adélia Prado

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido,
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear,
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

Um poema de Alice Ruiz, saudando a saudade de quem se foi desta vida

poesia.net 459 - Poetas de 2020Paulo Peres
Poemas & Canções

A publicitária, tradutora, compositora e poeta curitibana, Alice Ruiz Scherone, compôs uma delicada e criativa “Saudação da Saudade”.

SAUDAÇÃO DA SAUDADE
Alice Ruiz

Minha saudade
saúda tua ida
mesmo sabendo
que uma vida
só é possível
noutra vida

Aqui, no reino
do escuro
e do silêncio
minha saudade
absurda e muda
procura às cegas
te trazer à luz

Ali, onde
nem mesmo você
sabe mais
talvez, enfim
nos espere
o esquecimento

Aí, ainda assim
minha saudade
te saúda
e se despede
de mim

Um melancólico auto-retrato do poeta carioca Moacyr Félix

TRÊS POEMINHAS DE MOACYR FÉLIX TOCANDO DE LEVE NA POÉTICA DA MORTE |

O poeta Moacyr Félix

Paulo Peres
Poemas & Canções

O editor, escritor e poeta carioca Moacyr Félix de Oliveira (1926-2005) mostra uma estranha aventura no poema “Auto-Retrato”.

AUTO-RETRATO
Moacyr Félix

Certa vez,
numa aventura estranha
fugi do estreito túmulo em que me estorcia
para uma ampliação sem fim.

Quando voltei
e senti, de novo, ferindo-me, o peso dos grilhões,
então não mais sabia quem eu era.
E nunca mais soube quem eu sou.

Talvez a sombra triste de um sonho de poeta.
Talvez a misteriosa alma de uma estrela
a guardar ainda no profundo cerne
a ilógica saudade de um passado astral.

Os preciosos desperdícios do poeta Manoel de Barros

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta mato-grossense Manoel Wenceslau Leite de Barros afirma ser na vida um “apanhador de desperdícios”, sempre inspirado na natureza e que através das palavras compõe seus silêncios.

O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
Manoel de Barros

Uso a palavra
para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.

Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz
tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra
para compor meus silêncios.

Machado de Assis despediu-se de sua amada dedicando-lhe um soneto

Brazil Imperial - Machado de Assis e o Brasil Império Joaquim Maria Machado  de Assis nasceu no dia 21 de Junho de 1839 no morro do livramento, Rio de  Janeiro, filho do

Machado exaltava seu amor por Carolina

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico literário, dramaturgo, folhetinista, romancista, contista, cronista e poeta carioca Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) é amplamente considerado como o maior nome da literatura nacional. O poeta escreveu “A Carolina”, este belíssimo soneto sobre o amor.

A CAROLINA
Machado de Assis

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Qualquer forma de amor vale a pena, na poesia de Manuel Bandeira

Manuel Bandeira, um dos poetas mais cantados de sua geração ...

Bandeira, um dos poetas mais amados do país

Paulo Peres
Poemas& Canções

O crítico literário e de arte, professor de literatura, tradutor e poeta Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1866-1968), conhecido como Manuel Bandeira, no soneto “Desencanto”, diz que faz versos inspirados nas angústias do desamor.

DESENCANTO
Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento, de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue, volúpia ardente
Tristeza esparsa, remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!

A falsa baiana foi criada por um mineiro e cantada por um carioca

LP – História Da Música Popular Brasileira - Geraldo Pereira ( Vários  Artistas )

Geraldo Pereira, compositor mineiro

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor mineiro Geraldo Theodoro Pereira (1918-19554), nascido em Juiz de Fora, mostra sambando a diferença existente entre a verdadeira e a “falsa baiana”.

A música foi composta em 1943, a partir de uma cena num baile de carnaval. A esposa do compositor e pianista Roberto Martins estava fantasiada de baiana, mas sua postura e falta de animação contrastavam com o espírito festivo da fantasia, levando o marido a comentar: “É a falsa baiana”, o que inspirou a criação da música. Este samba foi gravado pelo carioca Ciro Monteiro, em 1944, pela RCA Victor.

FALSA BAIANA
Geraldo Pereira

Baiana que entra no samba e só fica parada
Não samba, não dança, não bole nem nada
Não sabe deixar a mocidade louca…
Baiana é aquela que entra no samba
de qualquer maneira, que mexe,
remexe, dá nó nas cadeiras
Deixando a moçada com água na boca

A falsa baiana quando entra no samba
Ninguém se incomoda, ninguém bate palma
Ninguém abre a roda, ninguém grita ôba
Salve a Bahia, senhor

Mas a gente gosta quando uma baiana
Samba direitinho, de cima embaixo
Revira os olhinhos dizendo
Eu sou filha de são salvador