Oportunidade, limites e desafios de um novo plano de paz no Oriente Médio

A reconstrução de Gaza pode levar não meses, mas décadas

Pedro do Coutto

O plano de Donald Trump para alcançar primeiro um cessar-fogo e, em seguida, a paz no Oriente Médio representa a mais recente tentativa de romper um ciclo de hostilidade que atravessa gerações. A iniciativa, anunciada em meio a uma das mais longas e devastadoras crises entre Israel e Hamas, conseguiu um primeiro êxito: interromper o fogo e abrir espaço para diálogo.

A reação internacional foi, em geral, positiva. Líderes de diferentes nações reconheceram o valor do gesto, ainda que saibam que silenciar as armas não significa alcançar a paz. A interrupção da violência, nesse contexto, é apenas um ponto de partida – necessário, mas insuficiente – para enfrentar um problema que é, antes de tudo, estrutural, político e histórico.

DISPUTAS – A história da região mostra que cessar-fogos já foram obtidos antes, e quase sempre ruíram diante de disputas territoriais, da ausência de confiança mútua e da falta de um plano duradouro de reconstrução. É esse o segundo desafio do projeto de Trump: transformar o acordo temporário em uma estratégia de reconstrução econômica, política e institucional para Gaza e Cisjordânia.

Segundo estimativas do Banco Mundial e das Nações Unidas, o custo total de reconstrução de Gaza pode ultrapassar 50 bilhões de dólares, e apenas os três primeiros anos demandariam mais de 20 bilhões. Isso envolve não apenas reconstruir prédios e infraestrutura, mas restabelecer o tecido social dilacerado por décadas de guerra, pobreza e deslocamento forçado.

O problema, contudo, não se resume ao dinheiro. É preciso decidir quem reconstruirá, sob quais condições e com que tipo de governança. Os desafios são tão práticos quanto simbólicos. O entulho que cobre Gaza – estimado em dezenas de milhões de toneladas – levará anos para ser removido.

DESCONFIANÇA – A infraestrutura básica, como água, energia e saúde, está em colapso. A cada esforço humanitário, há uma desconfiança política: os palestinos temem que o plano sirva para consolidar o controle israelense; Israel teme que a reconstrução reforce grupos extremistas.

Nesse labirinto de desconfianças, é essencial garantir transparência, supervisão internacional e participação local. Nenhum plano terá legitimidade se ignorar a voz dos palestinos.

Há, no entanto, um precedente histórico que merece ser lembrado. Em 1947, foi um brasileiro – o diplomata Oswaldo Aranha – quem presidiu a Assembleia Geral da ONU responsável por aprovar o plano de partilha da Palestina, que previa a criação de dois Estados: um judeu e outro árabe.

MAPA DO MUNDO –  Naquele momento, Aranha conseguiu, com habilidade diplomática, adiar votações, negociar votos e conduzir uma decisão que mudaria o mapa do mundo. Desde então, o Brasil abre todas as assembleias da ONU em homenagem a essa liderança, lembrando que a diplomacia pode, sim, ter papel transformador quando há coragem e equilíbrio.

O desafio de Trump, agora, é provar que um líder pode ir além do gesto simbólico e concretizar uma paz que nem mesmo o século XXI conseguiu construir. Ainda que o plano tenha conseguido apoio inicial, ele enfrenta uma realidade política fragmentada.

O Hamas continua controlando parte de Gaza; a Autoridade Palestina tenta recuperar legitimidade; Israel vive divisões internas e desconfia de qualquer proposta que limite seu poder de segurança. Além disso, atores externos – como Irã, Turquia, Egito e Qatar – têm interesses distintos e, muitas vezes, conflitantes. A paz no Oriente Médio, portanto, nunca depende de dois lados, mas de uma constelação de forças.

CENTRO DA DIPLOMACIA – O mérito de Trump foi recolocar o tema no centro da diplomacia global e reunir apoios improváveis, mas a continuidade do processo exigirá algo raro na política internacional: paciência.

A reconstrução de Gaza e a criação de uma governança legítima podem levar não meses, mas décadas. O cessar-fogo atual é uma conquista, mas frágil como vidro. Qualquer novo ataque, bloqueio ou retaliação pode reacender as chamas. Por isso, o plano precisa de sustentação multilateral e de mecanismos de monitoramento que garantam que os compromissos sejam cumpridos.

É indispensável combinar segurança e reconstrução, justiça e pragmatismo, e entender que o “ideal” de paz absoluta talvez nunca se concretize — mas que é possível construir, aos poucos, uma normalidade possível.

PROCESSO – Trump, ao propor “começar de um ponto”, acerta na percepção de que a paz não surge de um decreto, mas de um processo. Assim como Oswaldo Aranha, em 1947, compreendeu que era preciso dar o primeiro passo, ainda que imperfeito, o atual plano reconhece que não há solução mágica em 24 horas para um conflito que já dura mais de 70 anos.

O que se pode fazer é inaugurar um ciclo, mesmo que longo, de reconstrução, justiça e esperança. No fundo, a paz não nasce de ideais, mas de compromissos — e talvez o maior mérito de Trump, desta vez, seja reconhecer que é possível negociar o impossível.

O novo momento em Gaza: além do cessar-fogo, o desafio da reconstrução

Milhares de edifícios foram danificados ou totalmente demolidos

Pedro do Coutto

O acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas representa um respiro em meio a uma das crises humanitárias mais devastadoras do século XXI. Desde 1948, o conflito israelo-palestino molda a geopolítica do Oriente Médio, mas os últimos anos intensificaram uma tragédia que atingiu níveis inéditos.

Gaza, um território superpovoado e isolado, abriga mais de dois milhões de pessoas — mais de um milhão delas em situação de extrema vulnerabilidade. A guerra deixou um rastro de destruição quase total, e o desafio agora é o da reconstrução, que não se limita à infraestrutura física, mas à reconstrução da própria esperança de um povo que há décadas vive entre ruínas e bloqueios.

AVANÇO DIPLOMÁTICO – O cessar-fogo, mediado com forte intervenção internacional, inclusive com papel relevante dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, é um avanço diplomático que precisa ser consolidado.

Segundo análises publicadas pelo The Washington Post e pela ONU, esse acordo não resolve as causas estruturais do conflito, mas abre uma brecha para que a ajuda humanitária entre e vidas sejam salvas. Mesmo assim, o cenário em Gaza continua desolador: o Programa Mundial de Alimentos e a Unicef alertam que mais de meio milhão de pessoas vivem em condições próximas à fome, enquanto hospitais e escolas seguem destruídos ou inoperantes.

A devastação é tamanha que a reconstrução completa poderá levar décadas, exigindo não apenas recursos financeiros, mas uma nova lógica de governança e compromisso humanitário global. As marcas da guerra não se apagam com a assinatura de um acordo.

PRIORIDADE – Famílias inteiras foram dizimadas, bairros desapareceram, e o tecido social palestino foi profundamente rasgado. A ONU tem reiterado que a prioridade imediata é o acesso irrestrito de ajuda humanitária e o restabelecimento de serviços básicos como água, energia e saúde.

Mas a reconstrução de Gaza exige mais do que assistência emergencial — requer estabilidade política e segurança. Sem uma solução negociada que inclua o reconhecimento mútuo e o fim das hostilidades, a paz será apenas um intervalo entre guerras.

Donald Trump, ao colher êxito em sua missão diplomática, emerge com prestígio internacional renovado, mas enfrenta agora o desafio de garantir que esse avanço não seja revertido por pressões regionais ou disputas internas em Israel e entre as facções palestinas.

COMPROMISSO GLOBAL – O risco de retrocesso é real, e qualquer faísca pode reacender a violência. Por isso, o compromisso global deve ir além das fronteiras políticas e religiosas. É preciso assegurar que o cessar-fogo seja sustentado por mecanismos de monitoramento, reconstrução coordenada e inclusão social.

A tragédia de Gaza não é apenas uma questão do Oriente Médio; é um espelho da falência moral do mundo diante da dor humana. A fome, o desespero e a morte de milhares de civis mostram que a paz não é apenas uma negociação diplomática, mas um dever ético.

Se o cessar-fogo se converter em ponto de partida para uma reconstrução justa e duradoura, este poderá ser um dos raros momentos em que a diplomacia supera a destruição. Mas se o mundo se contentar apenas com o silêncio temporário das armas, Gaza voltará a arder — e com ela, mais uma vez, a esperança de que o século XXI seja capaz de aprender com seus próprios erros.

O paradoxo de um Brasil que melhora nas estatísticas, mas piora nas ruas

Lula 2025: entre o gesto social e o cálculo político

Ações marcam o retorno de um discurso de presença do Estado

Pedro do Coutto

O presidente Lula da Silva já se movimenta em ritmo de campanha. As recentes medidas anunciadas pelo governo mostram um claro esforço de reposicionamento político e de ampliação de sua base de apoio para as eleições de 2026.

A ampliação do teto de financiamento imobiliário para cerca de R$ 2,25 milhões, contemplando também famílias de classe média, é um exemplo de como o governo tenta dialogar com diferentes camadas sociais. Embora o programa habitacional siga voltado à baixa renda, o novo limite permite que famílias que antes estavam fora das políticas de crédito tenham acesso facilitado à moradia.

FOME ZERO – Paralelamente, o relançamento da campanha Fome Zero, agora com produção publicitária sofisticada, reforça o discurso social que marcou as gestões anteriores de Lula. Outro ponto de destaque é o estudo da tarifa zero no transporte urbano para pessoas de menor renda, medida já em vigor em mais de 130 municípios e que, segundo dados da Agência Brasil, aumentou em até 300% o uso do transporte coletivo em algumas cidades.

Essas ações, somadas, apontam para uma estratégia clara: reconectar Lula com o cotidiano do eleitor. Em um momento de insegurança econômica e desgaste institucional, políticas que tocam diretamente em temas como moradia, alimentação e transporte têm enorme apelo emocional e social.

PRESENÇA DO ESTADO – Pesquisas recentes do Ipec e da Ipsos mostram que a aprovação do presidente subiu para cerca de 30%, enquanto a rejeição caiu cinco pontos percentuais desde o início do ano. Esse movimento reflete não apenas a percepção de melhora na economia, mas também o retorno de um discurso de presença do Estado, de amparo e de inclusão.

Outro tema em discussão é a revisão da jornada 6×1, que obriga o trabalhador a atuar seis dias por semana com apenas um de descanso. Lula demonstrou disposição em abrir o debate, reconhecendo as especificidades de setores que precisam operar de forma contínua, como saúde, segurança e transporte.

Ainda assim, a proposta sintoniza com um sentimento crescente na sociedade: a busca por equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Essa agenda trabalhista, combinada com programas de impacto direto na renda e no custo de vida, mostra um governo que pretende reconquistar a confiança do eleitor pela via prática, e não apenas pela retórica.

DESAFIO – No entanto, o desafio é grande. Ampliar subsídios, reduzir tarifas e discutir mudanças na jornada de trabalho têm alto custo político e fiscal. A sustentabilidade dessas políticas dependerá de equilíbrio orçamentário, eficiência na execução e diálogo federativo.

Caso contrário, o risco é que promessas bem-intencionadas se tornem foco de críticas sobre populismo e irresponsabilidade fiscal. Lula aposta que o retorno político dessas medidas compensará o desgaste. E há sinais de que essa estratégia pode funcionar: pesquisas internas do governo indicam que o presidente venceria hoje todos os principais adversários.

O Brasil entra, assim, em um novo ciclo de disputa antecipada, em que cada política pública carrega também um componente eleitoral. Lula parece consciente de que a conquista de corações e mentes em 2026 começa muito antes das urnas — e passa, mais uma vez, pela capacidade de traduzir políticas em esperança.

Lula em ascensão: o novo ciclo político que se desenha no Brasil

Lula lidera em todos os cenários de 1º e 2º turnos, diz Quaest

Pedro do Coutto

A pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta sexta-feira pelo O Globo confirma um movimento que já vinha sendo captado nas últimas semanas: a popularidade do presidente Lula da Silva voltou a crescer e se reflete diretamente no cenário eleitoral para 2026. Segundo o levantamento, Lula vence todos os confrontos de segundo turno testados, com margens seguras sobre seus principais adversários.

O petista superaria Ciro Gomes por 41% a 32%, derrotaria Tarcísio de Freitas por 47% a 33%, venceria Michelle Bolsonaro por 46% a 34%, e ampliaria a vantagem sobre nomes como Ratinho Júnior, Ronaldo Caiado, Romeu Zema e Eduardo Bolsonaro — todos ficando na casa dos 30%. O quadro é de conforto político e de consolidação de liderança.

FATORES – O avanço de Lula se explica por um conjunto de fatores. Nos primeiros meses de 2025, o governo enfrentou críticas pelo custo de vida e pela lentidão na retomada econômica. Mas a partir do segundo semestre, a agenda começou a mudar de tom. O Planalto intensificou ações na economia, apostou em gestos simbólicos de política externa — como o diálogo direto com o presidente Donald Trump e o encontro entre o chanceler Mauro Vieira e o senador Marco Rubio, nos Estados Unidos — e retomou protagonismo em temas internacionais, o que reforçou a imagem de estabilidade e liderança.

O gesto de aproximação entre Brasília e Washington, inclusive, foi interpretado como um sinal de maturidade diplomática e desarmou, de vez, as teses conspiratórias de parte da extrema direita que chegou a alimentar a fantasia de uma “intervenção americana” no Brasil.

A conjuntura também favorece Lula pela fragilidade e dispersão de seus adversários. Tarcísio de Freitas, considerado nome promissor da direita moderada, já sinalizou que disputará a reeleição em São Paulo e, portanto, dificilmente estará no páreo presidencial.

RESISTÊNCIA – Michelle Bolsonaro mantém popularidade no eleitorado conservador, mas enfrenta resistência interna e falta de estrutura partidária. Já Ciro Gomes, apesar de ser o adversário mais competitivo nos testes, ainda sofre com altos índices de rejeição e desgaste de imagem. Os demais governadores citados — Zema, Caiado, Ratinho Júnior — têm força regional, mas não nacional.

Por outro lado, Lula mantém uma base sólida, estimada em cerca de um terço do eleitorado, e se beneficia da fragmentação dos opositores. Quanto mais nomes surgem na direita, maior tende a ser a vantagem do presidente, que segue concentrando o voto útil do campo progressista e parte do centro. A pesquisa também aponta um crescimento na aprovação do governo, que chegou a 48%, seu melhor patamar em 2025, segundo a Quaest.

OSCILAÇÕES – O cenário, no entanto, não é definitivo. A economia ainda será determinante, e oscilações em indicadores como inflação e desemprego podem redesenhar o humor do eleitorado. Além disso, há o risco da “fadiga política”: Lula, no seu terceiro mandato, precisa equilibrar narrativa e entrega, sem parecer distante das demandas cotidianas. O desafio é transformar a liderança momentânea em hegemonia duradoura, consolidando um ciclo que una estabilidade institucional, crescimento econômico e governabilidade.

Por ora, a fotografia é inequívoca: Lula chega à reta final de 2025 em ascensão, com o cenário eleitoral a seu favor e uma oposição ainda em busca de discurso, unidade e rumo. O país, que há poucos meses parecia dividido entre desalento e radicalização, começa a assistir a um novo equilíbrio — mais pragmático, menos inflamado e, sobretudo, mais atento aos resultados do que às retóricas. O tempo dirá se essa tendência se transformará em destino.

A derrota da taxação dos mais ricos e o limite político da justiça fiscal no Brasil

O remendo fiscal que ameaça o crescimento

Charge do Alecrim(Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

O governo brasileiro apresentou ao Congresso uma proposta de aumento disfarçado de impostos sob o argumento de equilibrar as contas públicas e cobrir um rombo fiscal que se projeta no horizonte. Na prática, trata-se de elevar a tributação sobre diversas aplicações financeiras, incluindo os juros sobre o capital próprio — um movimento que, embora tecnicamente justificável do ponto de vista arrecadatório, é economicamente equivocado.

Qualquer aumento de impostos, especialmente em períodos de desaceleração, afeta diretamente o poder de compra dos trabalhadores, desestimula o investimento e reduz o consumo. E a retração do consumo, como alertam organismos como o FMI e a OCDE, é o pior dos efeitos colaterais de uma política fiscal mal calibrada, pois desencadeia um círculo vicioso de estagnação e desemprego.

REFLEXOS DO TARIFAÇO – A medida vem no momento em que o governo tenta mitigar as consequências do aumento de até 50% das tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, sobretudo café, carne, açúcar e minério.

O chamado “tarifaço” de Donald Trump poderá reduzir o PIB do Brasil em até 0,16% e eliminar mais de 100 mil empregos nos próximos meses. Diante desse cenário, Brasília busca compensar as perdas com uma política de estímulo às exportadoras, oferecendo crédito e incentivos fiscais para manter programas de exportação ativos e evitar a fuga de dólares.

A estratégia, porém, tem um efeito preocupante: concentra recursos em grandes grupos exportadores, enquanto o mercado interno, já enfraquecido pela elevação dos impostos e pelo aumento do custo de vida, mergulha numa espiral de retração.

SINUCA DE BICO – O dilema é claro. O governo tenta salvar o setor externo, mas sacrifica o poder de compra da população e a vitalidade do consumo interno. Segundo a OCDE, a economia brasileira já enfrenta uma das cargas tributárias mais regressivas entre as economias emergentes, com cerca de 45% da arrecadação total incidindo sobre bens e serviços.

Ao aumentar a tributação sobre rendimentos financeiros e capital próprio, o governo agrava a regressividade do sistema sem oferecer contrapartidas de redistribuição de renda ou estímulo à produção. Além disso, o risco cambial permanece alto: depender de exportações num contexto de tensão comercial com os Estados Unidos e desaceleração global é apostar num crescimento frágil e volátil.

A alternativa a essa política não passa por extrair mais recursos de quem consome ou investe, mas por redesenhar as bases do sistema fiscal e produtivo. Investir em infraestrutura, inovação e crédito produtivo interno seria uma estratégia mais inteligente para estimular o crescimento de forma sustentável.

DIVERSIFICAÇÃO – Ao mesmo tempo, é urgente diversificar os destinos das exportações, ampliando acordos com a União Europeia, a China e outros mercados asiáticos, de modo a reduzir a dependência das oscilações políticas norte-americanas. Por fim, qualquer ajuste tributário deve vir acompanhado de transparência e de uma análise rigorosa de seus impactos sobre o poder de compra das famílias.

A história económica recente mostra que o remédio fiscal errado pode custar mais caro do que o próprio défice. Quando um governo escolhe aumentar impostos em vez de reformar estruturalmente as despesas, transfere o problema para o cidadão comum e posterga a recuperação.

No fim, o que se apresenta como responsabilidade fiscal transforma-se em desordem social. O Brasil não precisa de austeridade disfarçada, mas de uma política económica que combine equilíbrio com crescimento e que reconheça que o verdadeiro motor da estabilidade não é o ajuste, mas a confiança — algo que não se constrói com impostos, e sim com visão.

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O dilema da isenção para R$ 5 mil: entre alívio fiscal e armadilhas políticas

Charge do Nando Motta (brasil247.com)

Pedro do Coutto

A aprovação do projeto que isenta do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês trouxe alívio imediato para milhões de brasileiros, mas também abriu uma série de questionamentos sobre justiça tributária e cálculo político. Como bem destacou a jornalista Vera Magalhães em artigo publicado em O Globo, a medida reforça a posição de Lula para a disputa eleitoral de 2026, dando ao presidente uma narrativa de compromisso com os assalariados de baixa e média renda.

De fato, há forte apelo popular nesse tipo de medida, já que grande parte da população brasileira recebe salários abaixo do patamar estipulado. No entanto, a forma como a regra foi desenhada gera distorções: um trabalhador que ganhe R$ 5.100, por exemplo, perde o direito à isenção e volta a ser tributado integralmente, situação que produz desigualdade e quebra o princípio de progressividade.

EFEITOS – Esse detalhe técnico, aparentemente menor, pode provocar efeitos perversos e precisa ser corrigido no Congresso para que a política tributária seja de fato justa. Ao mesmo tempo, a medida carrega peso político inegável. Ao ampliar a faixa de isenção, Lula fortalece seu discurso social e solidifica apoio em segmentos que sentirão diretamente o benefício.

Isso ajuda a explicar por que adversários como Ratinho Júnior, Romeu Zema e Ronaldo Caiado, apesar de governarem estados importantes, ainda não conseguem decolar no cenário nacional. A ausência de nomes fortes e competitivos, somada à decisão de Tarcísio de Freitas de disputar a reeleição em São Paulo, reforça o isolamento de Lula no topo das pesquisas.

CONVERSÃO EM VOTOS – O bolsonarismo, embora continue presente como força de oposição, não se converte automaticamente em votos ou em liderança eleitoral consolidada. O problema é que, enquanto o debate sobre o Imposto de Renda se mantém no campo político, outras crises corroem a confiança da população: do envenenamento de bebidas com metanol, que já provocou mortes e queda abrupta no consumo, até esquemas de corrupção em concursos falsos, revelados pela Polícia Federal.

Esses episódios reforçam a percepção de que o país continua vulnerável a fraudes e práticas criminosas em várias frentes, exigindo uma resposta enérgica do Estado. O desafio, portanto, é transformar a vitória política da isenção em uma política tributária consistente, transparente e progressiva, sem que ela se torne apenas mais um instrumento de barganha eleitoral.

Lula colhe, no presente, os frutos de uma medida popular, mas sua durabilidade dependerá da capacidade do governo e do Congresso de corrigirem distorções e de não deixarem que a justiça fiscal se perca no meio do jogo político.

Na disputa de 2026, Lula tem vantagem inicial, mas muitos desafios à frente

Metanol: o veneno que revela a falência do Estado brasileiro

A adulteração de bebidas é um atentado contra a sociedade

Pedro do Coutto

O Brasil atravessa mais um momento de perplexidade. A sucessão de denúncias de corrupção ganhou contornos ainda mais dramáticos com a descoberta de bebidas adulteradas com metanol, um álcool industrial extremamente tóxico, capaz de causar cegueira irreversível e morte.

Em São Paulo já há registros confirmados de cinco óbitos, enquanto no Nordeste surgem novas suspeitas de envenenamento. Autoridades sanitárias, Polícia Federal, Ministério da Saúde e Procons correm contra o tempo para interditar lotes, identificar a origem das falsificações e evitar que o veneno continue circulando.

FISCALIZAÇÃO – O metanol, usado para turbinar o lucro de falsificadores, revela mais do que a irresponsabilidade criminosa de alguns: expõe um sistema falho de fiscalização, permissivo à adulteração e à conivência de intermediários. Não se trata de acidente isolado, mas de sintoma de um ambiente de descaso, em que a vida do consumidor vale menos do que o ganho ilícito de organizações criminosas.

Esse drama sanitário, que deveria mobilizar todas as energias do Estado, contrasta de forma chocante com as prioridades políticas em Brasília. Em meio às mortes e à insegurança dos consumidores, o Congresso aprovou um Fundo Eleitoral de R$ 4,9 bilhões para 2026, valor quase três vezes superior ao da última eleição.

O contraste não poderia ser mais evidente: falta de recursos para ampliar a vigilância sanitária, para equipar laboratórios, para treinar agentes, mas sobra dinheiro para financiar campanhas políticas em um sistema que já garante propaganda gratuita e dedução de despesas eleitorais no imposto de renda. É a demonstração crua de como a política brasileira insiste em se distanciar das urgências reais da população.

CORRUPÇÃO – O veneno do metanol não está apenas nas garrafas falsificadas; ele simboliza o veneno mais profundo da corrupção, que corrói instituições, fragiliza a confiança pública e coloca em risco até o direito mais elementar, o da vida. Não é por acaso que a indignação cresce: a cada denúncia, percebe-se que a corrupção deixou de ser exceção para se tornar regra, explorando brechas legais, alimentada pela impunidade e pela omissão. O Estado que falha em proteger seus cidadãos acaba se tornando cúmplice indireto das tragédias que deveriam ter sido evitadas.

É preciso agir de maneira firme. Investigações ampliadas em todos os estados, punição exemplar aos responsáveis, rastreabilidade obrigatória de bebidas, campanhas de esclarecimento à população e, sobretudo, transparência no uso dos recursos públicos.

O Brasil não pode normalizar o absurdo. A adulteração de bebidas com metanol não é apenas um crime de mercado, mas um atentado contra a sociedade. Se for tratada como mais um escândalo passageiro, a mensagem será devastadora.

O vazio da oposição e a vantagem de Lula no tabuleiro de 2026

Quando a educação pesa no bolso: mensalidades muito além da inflação

A difícil busca da oposição por um nome contra Lula em 2026

A tendência, até agora, é que o tabuleiro se incline a favor de Lula

Pedro do Coutto

A cena política brasileira caminha para um quadro peculiar à medida que se aproximam as eleições de 2026. Sem Tarcísio de Freitas, que já confirmou que disputará a reeleição em São Paulo e desistiu de qualquer ambição presidencial, a oposição se vê diante de um vazio. Até aqui, nenhum outro governador ou liderança consegue reunir carisma, estrutura partidária e musculatura política suficiente para se contrapor a Luiz Inácio Lula da Silva.

Nomes como Ratinho Júnior, no Paraná, Ronaldo Caiado, em Goiás, ou Romeu Zema, em Minas Gerais, aparecem nos cenários, mas enfrentam dificuldades concretas: falta de projeção nacional, limitações de alianças e, sobretudo, a exigência legal de desincompatibilização seis meses antes da eleição, o que significaria deixar o governo em abril de 2026. Na prática, isso enfraqueceria suas bases e os exporia a riscos desnecessários.

SEM EFEITO – Pensar em lançar Eduardo Bolsonaro como candidato não vai surtir efeito. A sua aproximação com o governo de Washington enfraquece sua posição, pois ressoa negativamente aos ouvidos do eleitorado a campanha que ele procura fazer. Além disso, Eduardo permanece limitado ao campo mais radicalizado da direita, incapaz de dialogar com setores mais amplos da sociedade que seriam indispensáveis para qualquer candidatura presidencial vitoriosa.

Enquanto isso, Lula tem à disposição a força da máquina administrativa, que, como a história brasileira demonstra, sempre atua com peso nos processos eleitorais. Pesquisas recentes apontam que ele mantém liderança em todos os cenários testados, apesar de lidar com níveis elevados de rejeição. Essa combinação mostra um paradoxo: há espaço para contestação, mas falta quem ocupe esse espaço de maneira convincente.

Ratinho Júnior desponta como nome viável, mas ainda limitado ao seu reduto paranaense. Caiado mantém prestígio regional, mas pouco apelo fora de Goiás. Zema, que em 2022 era visto como promessa, não conseguiu traduzir seu estilo de gestão mineira em um projeto nacional consistente.

FRAGILIZAÇÃO – Sem Jair Bolsonaro, inelegível e em desgaste com parte da própria base, sem Tarcísio, que preferiu apostar na segurança de São Paulo, e sem Eduardo, que não empolga além do nicho radical, o campo oposicionista chega fragilizado a um momento em que precisaria mostrar coesão e capacidade de mobilização.

A tendência, até agora, é que o tabuleiro se incline a favor de Lula, que deve capitalizar a ausência de rivais fortes e a dispersão das forças adversárias. A menos que surja um nome surpresa capaz de empolgar o eleitorado e unificar correntes políticas diversas, a disputa caminha para se transformar em um duelo de resistência da oposição contra a força de um incumbente ainda amplamente competitivo.

Recuo de Tarcísio expõe divisão da oposição e fortalece Lula para 2026

BC adia meta de inflação e amplia o peso da conta para trabalhadores

Charge do André Félix (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

O anúncio do Banco Central de que a meta de inflação de 3% ao ano só poderá ser alcançada a partir do primeiro trimestre de 2028 soa como um duro golpe para os assalariados brasileiros. Isso significa que, pelos próximos três anos, o país seguirá convivendo com uma inflação mais alta do que a desejada, corroendo o poder de compra e ampliando a defasagem entre preços e salários.

Na prática, os reajustes salariais chegam sempre atrasados: quando repõem as perdas do período anterior, a inflação já retomou sua corrida, inaugurando novo ciclo de corrosão. Essa dinâmica coloca os trabalhadores em uma corrida desigual contra o capital, que consegue se proteger com mecanismos de indexação e aplicações financeiras, enquanto quem vive do salário sofre os efeitos mais duros.

JUROS – O cenário se agrava quando se observa o patamar dos juros, ainda muito elevado, em torno de 15% ao ano, o que pressiona diretamente a dívida pública, hoje acima de R$ 7,9 trilhões. Apenas para rolar esse endividamento, o Brasil desembolsa valores próximos a R$ 1 trilhão por ano, uma cifra monumental que drena recursos do orçamento e limita a capacidade de investimento em áreas sociais essenciais.

Esse modelo cria um paradoxo: enquanto se promete estabilidade inflacionária no longo prazo, o presente se torna mais pesado para os trabalhadores e para a economia real.

É preciso destacar que a inflação não atinge todos de forma igual. Empresas e investidores conseguem reajustar preços e proteger aplicações, mas a maioria da população não dispõe desse poder. Cada ciclo inflacionário representa perda real, seja no aluguel, no supermercado ou na conta de energia, e a demora em atingir a meta anunciada significa prolongar essa corrosão. Ao mesmo tempo, o país convive com mais de 71 milhões de brasileiros endividados, quadro que expõe como a política monetária desconectada da realidade social pode aprofundar desigualdades.

IMPACTO – O desafio do Banco Central é enorme. Se por um lado precisa preservar a credibilidade e evitar descontrole dos preços, por outro deve reconhecer o impacto humano de uma política monetária excessivamente rígida. O caminho passa por calibrar juros de forma mais equilibrada, coordenar medidas fiscais sustentáveis e criar mecanismos que protejam os mais vulneráveis da defasagem inflacionária.

Não basta fixar metas para daqui a três anos: é necessário agir agora para evitar que a população pague sozinha a conta do ajuste. O risco, caso isso não aconteça, é transformar o controle da inflação em promessa distante, enquanto o presente se mantém marcado por corrosão salarial, endividamento crescente e uma desigualdade cada vez mais difícil de reverter.

Anistia como moeda de troca ameaça travar a justiça fiscal no Congresso

Declaração expõe uma estratégia de barganha

Pedro do Coutto

A declaração do relator Paulinho da Força, de que a ausência de consenso no texto da anistia pode comprometer a votação do projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, expõe uma estratégia de barganha que coloca em rota de colisão duas agendas de natureza distinta, mas igualmente sensíveis.

De um lado, está uma proposta de grande impacto social, que beneficiaria milhões de trabalhadores e reforçaria a ideia de justiça fiscal num país marcado pela regressividade tributária; de outro, uma pauta de forte carga política e simbólica, que envolve a possibilidade de anistiar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro.

TENSÃO – Ao atrelar a tramitação das duas matérias, Paulinho não apenas tensiona a relação entre governo e oposição, mas também coloca em xeque a credibilidade do próprio Legislativo, ao transformar uma conquista social em moeda de troca para aliviar responsabilidades de quem atentou contra a democracia.

A reação imediata da bancada do PT, ao rejeitar qualquer flexibilização, mostra que essa associação será combatida com vigor, enquanto o presidente da Câmara, Hugo Motta, tenta conter os danos ao garantir que a votação da isenção do IR não será refém de impasses políticos.

Esse movimento, no entanto, revela muito mais do que um simples cálculo de calendário legislativo: ele explicita a dificuldade de o Congresso lidar com a herança dos atos golpistas e a tentação de diluir a gravidade das responsabilidades em nome de uma suposta pacificação nacional.

POLARIZAÇÃO – Para setores conservadores, a anistia seria o passo necessário para encerrar um ciclo de polarização; para setores progressistas, representaria um recuo perigoso diante da necessidade de afirmar a força das instituições. Nesse cenário, o Senado impõe uma pressão adicional ao aprovar em comissão a proposta de isenção, obrigando a Câmara a se posicionar sob risco de desgaste público se a matéria for atrasada.

O dilema é claro: ao insistir na costura de pautas inconciliáveis, os parlamentares correm o risco de inviabilizar tanto a medida de alívio fiscal quanto a própria legitimidade de um debate sobre anistia, reforçando a percepção de que, em Brasília, os interesses de poder continuam a se sobrepor ao interesse coletivo.