Lula e Trump: a diplomacia entre pragmatismo e interesses econômicos

Interesses econômicos empurram os governos para o diálogo

Pedro do Coutto

Na cena internacional, poucos gestos têm tanto peso quanto um aperto de mão entre chefes de Estado. O encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, ainda que envolto em simbolismos e desconfianças, carrega uma mensagem clara: Brasil e Estados Unidos sabem que não podem se dar ao luxo de romper pontes.

O breve diálogo travado pelos dois durante a abertura da Assembleia Geral da ONU, por mais protocolar que parecesse, abriu espaço para uma aproximação política que interessa sobretudo às grandes corporações americanas, de olho em um mercado brasileiro que movimenta mais de 1,2 trilhão de dólares por ano.

RESULTADOS ESTRATÉGICOS – O pragmatismo, nesse caso, fala mais alto que as ideologias. Trump, em seu segundo mandato, não pode ignorar o peso do Brasil na geopolítica e no comércio global. A Casa Branca já percebeu que insistir em sanções ou barreiras comerciais não gera resultados estratégicos. Pelo contrário: sufocar a economia brasileira significaria perder acesso a um dos maiores mercados consumidores do mundo, especialmente em setores de alta relevância, como a aviação, a tecnologia agrícola e a energia.

Ao mesmo tempo, Lula sabe que sua permanência no poder — e a chance real de reeleição em 2026 — reforça a necessidade de estabelecer pontes sólidas com Washington, reposicionando o Brasil como parceiro estratégico e confiável em tempos de instabilidade internacional.

A leitura política é evidente: Trump recua de uma postura hostil em relação ao Brasil não por simpatia, mas por cálculo. O bolsonarismo, que chegou a ser visto como um canal de aproximação com os Estados Unidos, já não oferece atrativos reais. Lula, ao contrário, é quem detém o poder institucional e a legitimidade de representar o país.

DIÁLOGO ABERTO – Para os americanos, portanto, não há dilema: manter diálogo aberto com o governo brasileiro é muito mais vantajoso do que alimentar impasses. E isso abre espaço para novas rodadas de negociação em comércio, investimentos e até cooperação estratégica em áreas sensíveis.

Em meio às incertezas do cenário global, um ponto parece certo: Brasil e Estados Unidos, cada um com seus dilemas internos e estilos políticos contrastantes, reencontram-se por força da realidade.

Os interesses econômicos empurram os dois governos para a mesa de diálogo, e a diplomacia, mais uma vez, cumpre seu papel essencial: mostrar que, acima das divergências ideológicas, prevalece a lógica pragmática de que ninguém tem a ganhar com mercados fechados, crises artificiais e confrontos improdutivos.

Lula e Trump na ONU: o choque entre multilateralismo e nacionalismo

Dois modos de entender o papel da liderança em tempos de crise

Pedro do Coutto

Na Assembleia-Geral da ONU, os discursos de Lula e Donald Trump expuseram com clareza não apenas duas visões distintas de mundo, mas também dois modos de entender o papel da liderança em tempos de crise.

Lula subiu ao púlpito reafirmando que “o Brasil está de volta” à cena internacional, numa postura que mistura firmeza e esperança. Para ele, a desigualdade social, a fome e as mudanças climáticas não são pautas opcionais ou discursos de ocasião, mas desafios centrais da humanidade. Sua fala destacou a necessidade de ação imediata e concreta, cobrando dos países ricos o cumprimento de compromissos de financiamento climático e a responsabilidade de enfrentar coletivamente os problemas que atravessam fronteiras.

PROPOSTA – Mais do que cobrar, Lula também propôs: apontou para a urgência de reformas nas instituições multilaterais, em especial no Conselho de Segurança, para que não sejam reféns de uma geopolítica que ainda reflete os interesses de um mundo pós-Segunda Guerra. Seu tom foi, assim, o de quem reivindica não apenas respeito, mas espaço de protagonismo para países emergentes, em nome de uma governança global mais justa.

Trump, em contraste, apresentou um discurso que reforçou seu estilo inconfundível: direto, confrontador e centrado na ideia de soberania absoluta. Para ele, a ONU perdeu relevância justamente por se prender a declarações retóricas sem resultados práticos. Ao afirmar que não abrirá mão de colocar os Estados Unidos acima de qualquer instância multilateral, Trump voltou a criticar políticas ambientais que considera nocivas à economia e ironizou consensos internacionais sobre mudanças climáticas, retratando-os como exageros ou mesmo armadilhas para conter a produção e a competitividade americanas.

Também destacou a questão migratória, descrevendo-a como uma ameaça à identidade cultural e à segurança, numa narrativa que ecoa junto a plateias domésticas temerosas de perder espaço no mundo globalizado. O presidente americano fez do púlpito da ONU um palco para reafirmar sua crítica ao “globalismo”, buscando transformar um espaço de diálogo em vitrine de sua política de confrontação e autodeterminação.

DISPUTA – Esse contraste revela mais do que estilos diferentes: aponta para a disputa de projetos de poder no século XXI. De um lado, Lula fala em interdependência, solidariedade e reformas institucionais como caminhos para enfrentar problemas globais que nenhum país, por mais rico que seja, conseguirá resolver sozinho. De outro, Trump defende que cada nação deve cuidar de si, que instituições globais tendem a se perder em burocracias e que a busca por consensos acaba diluindo responsabilidades em prejuízo da soberania.

Essa dicotomia reflete um dilema contemporâneo: apostar no multilateralismo como saída para crises planetárias ou reforçar o nacionalismo como escudo diante das incertezas. No fim, o que se viu na ONU foi um retrato vivo das tensões do nosso tempo.

LIDERANÇA – Lula procurou encarnar uma liderança capaz de articular os interesses do Sul Global e dar voz a países historicamente marginalizados, enquanto Trump reafirmou o peso dos Estados Unidos como potência que não aceita dividir poder nem abrir mão de sua autonomia.

O futuro, no entanto, não dependerá apenas dos discursos, mas de ações concretas: se as palavras de Lula se transformarão em políticas de cooperação e financiamento internacional; se as promessas de Trump resultarão em estratégias sustentáveis ou apenas em mais isolamento.

Em um mundo pressionado por crises climáticas, conflitos armados e desigualdades crescentes, a escolha entre cooperação ou confronto terá consequências decisivas. O palco da ONU serviu, mais uma vez, como espelho das escolhas que definirão a próxima década.

A voz das ruas contra a blindagem e a anistia não dá margem a dúvidas

Protestos reuniram milhares de pessoas em várias capitais

Pedro do Coutto

As manifestações realizadas no último domingo em São Paulo, no Rio de Janeiro e em diversas capitais do país não deixaram dúvidas: a sociedade brasileira está mobilizada contra duas iniciativas que, para muitos, representam um ataque direto ao Estado de Direito — a chamada PEC da Blindagem e o projeto de lei de anistia.

Milhares de pessoas ocuparam as ruas em atos pacíficos, mas intensos, denunciando o que consideram ser uma tentativa de privilegiar políticos e enfraquecer a igualdade perante a lei. A PEC da Blindagem, aprovada na Câmara, prevê que o Supremo Tribunal Federal só poderá abrir processos contra parlamentares com aval prévio do Congresso.

LIMITAÇÃO – Na prática, essa medida limitaria a atuação da Justiça e abriria espaço para a impunidade, um retrocesso institucional de peso. Já o projeto de anistia, que pretende beneficiar réus e investigados por ataques antidemocráticos, é visto como ainda mais grave, uma vez que os julgamentos sequer foram concluídos.

A resposta das ruas foi clara: não há clima político nem social para blindagens ou perdões coletivos. Segundo levantamento da Veja, atos contra as duas medidas ocorreram em mais de 30 cidades e 22 capitais, em uma das maiores mobilizações deste ano.

Para lideranças como Guilherme Boulos, o recado ao Senado é direto: a população não aceitará que parlamentares se coloquem acima da lei nem que anistias sejam usadas como ferramenta de esquecimento seletivo. O tom das manifestações reflete a percepção de que tais iniciativas não são apenas extravagantes, mas também ilegítimas, pois afrontam o princípio democrático de responsabilização.

RESPONSABILIZAÇÃO – Ao lado das faixas e cartazes, o sentimento era de que a democracia só se fortalece quando todos respondem por seus atos, independentemente de cargos ou alianças políticas. No centro da disputa está um dilema maior: de um lado, defensores da blindagem e da anistia alegam que o Judiciário extrapola funções e que seria preciso reequilibrar os poderes; de outro, críticos sustentam que esse argumento não pode servir de pretexto para enfraquecer investigações e permitir que agentes públicos escapem de punições.

O risco é institucional e simbólico: se o Congresso insistir em aprovar essas medidas, poderá abrir um precedente perigoso e corroer a confiança da sociedade nas instituições. Mais do que um recado, as ruas deram um aviso inequívoco: a democracia exige limites claros ao poder, e qualquer tentativa de subvertê-los será enfrentada com mobilização popular. O Brasil vive um momento em que ignorar esse clamor não é apenas um erro político — é um atentado contra a legitimidade do próprio sistema democrático.

PEC da Blindagem perde força no Senado e deve ser arquivada diante de ampla rejeição

Reduzir penas do STF? O impasse entre política, justiça e democracia

Charge do Cláudio Oliveira (Folha)

Pedro do Coutto

O debate sobre a anistia dos condenados pelos atos de 8 de janeiro voltou ao centro da cena política em Brasília, mas desta vez com contornos mais pragmáticos. O relator do projeto, deputado Paulinho da Força, tem repetido que a ideia de uma anistia ampla, geral e irrestrita já está descartada.

O que se discute agora é um projeto que ficou conhecido como “PL da dosimetria”, voltado não para apagar as condenações, mas para reduzir penas aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal. Essa proposta, porém, levanta questões delicadas sobre o equilíbrio entre os Poderes.

INTERFERÊNCIA – Afinal, até que ponto o Legislativo pode interferir em decisões transitadas em julgado, especialmente quando o STF já aplicou sanções após processos que seguiram o devido rito legal? A dúvida é pertinente, pois a separação entre política e justiça é um dos pilares do sistema democrático, e qualquer tentativa de borrar essa fronteira pode gerar uma crise institucional de grandes proporções.

A discussão esbarra em fundamentos centrais da democracia: a separação dos Poderes e a proteção ao Estado de Direito. Para muitos juristas, reduzir penas já impostas pelo Supremo seria uma forma de intervenção política sobre o Judiciário, com potencial de abrir precedentes perigosos para outros casos.

Imagine-se, por exemplo, se no futuro o Congresso resolvesse suavizar penas aplicadas a políticos envolvidos em escândalos de corrupção sob o argumento de buscar “pacificação nacional”. O risco é de que a justiça deixe de ser um espaço de decisões técnicas, baseadas em provas e garantias legais, para se transformar em campo de barganha política.

REJEIÇÃO – Além disso, pesquisas recentes indicam que grande parte da população rejeita qualquer tipo de perdão aos envolvidos nos ataques, o que reforça a percepção de que uma redução generalizada de penas poderia ser vista como impunidade travestida de conciliação. Em última instância, o país poderia viver um perigoso esvaziamento da confiança nas instituições, num momento em que já enfrenta graves desafios de polarização e descrédito político.

Apesar disso, a pressão política por uma “pacificação” segue forte. Parlamentares da oposição querem apresentar a medida como um gesto de reconciliação, enquanto setores do governo e do Judiciário alertam para os riscos de se fragilizar a autoridade das decisões judiciais. Paulinho da Força tenta construir um meio-termo, preservando a legitimidade do STF, mas ao mesmo tempo oferecendo uma saída menos radical para parte dos condenados, especialmente aqueles de menor envolvimento.

A estratégia é claramente política: evitar a narrativa de que apenas os “peixes grandes” pagaram a conta, enquanto pequenos participantes dos atos permaneceriam presos por longos anos. Esse discurso ganha força em setores mais moderados do Congresso e pode se tornar um argumento central para conquistar votos, já que, ao mesmo tempo em que rejeita a impunidade total, tenta dar uma resposta mais equilibrada à sociedade.

DOSIMETRIA – O fato é que, descartada a anistia irrestrita, a batalha agora será em torno da dosimetria. No Congresso, ainda não há consenso, e no STF, a expectativa é de que qualquer norma aprovada seja alvo de contestação imediata.

O impasse ilustra como, no Brasil de hoje, a política e a justiça caminham em tensão permanente: de um lado, a busca por acordos e soluções políticas; de outro, a necessidade de manter intactos os pilares constitucionais que sustentam a democracia.

Nesse tabuleiro delicado, cada movimento pode redefinir não apenas o destino dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, mas também o próprio desenho das relações entre os Poderes. É uma disputa que ultrapassa o caso concreto e se inscreve no coração do sistema democrático, testando a capacidade do país de equilibrar justiça, política e legitimidade social.

Entre a anistia e a redução de penas existe um risco à democracia

Blindagem parlamentar: o retrocesso que o Senado precisa barrar

PEC da “blindagem” — um retrocesso com efeitos práticos e simbólicos

Charge do Gilmar (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

Na última terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, a chamada PEC da Blindagem, uma proposta de emenda constitucional que altera profundamente o modo como parlamentares poderão ser responsabilizados criminalmente.

O texto cria obstáculos adicionais para a abertura de ações penais e para a execução de medidas cautelares contra deputados e senadores, estabelecendo um novo patamar de proteção política que, para muitos juristas e setores da sociedade civil, representa um claro retrocesso democrático.

AUTORIZAÇÃO – O conteúdo aprovado exige que qualquer ação penal contra um parlamentar só possa ser instaurada mediante autorização do respectivo plenário, em votação secreta, mecanismo que fragiliza a transparência e compromete a accountability do Legislativo.

A PEC também restringe a aplicação de medidas cautelares, como prisões preventivas ou afastamentos automáticos do mandato, mesmo em casos graves, além de ampliar o alcance do foro privilegiado ao incluir presidentes de partidos políticos em determinadas hipóteses. Essas mudanças, embora apresentadas como instrumentos de defesa da independência parlamentar, funcionam na prática como um escudo que pode proteger desvios de conduta.

A Constituição de 1988, marco da redemocratização brasileira, já previa imunidades para garantir que parlamentares exercessem seus mandatos sem perseguições políticas. No entanto, a proposta atual vai além: reforça e expande prerrogativas a ponto de criar um ambiente em que garantias legítimas se transformam em barreiras quase intransponíveis à responsabilização judicial. Em vez de proteger a função pública, a nova redação corre o risco de blindar indivíduos contra a lei.

IMPUNIDADE – As críticas são contundentes e vêm de diversas frentes. Procuradores, magistrados e juristas alertam que a PEC abre caminho para a impunidade, especialmente porque o voto secreto inviabiliza que a população acompanhe como seus representantes se posicionam em casos de suspeita de crime.

Esse recurso torna praticamente impossível responsabilizar politicamente parlamentares que, no escuro, podem proteger colegas de processos judiciais. A proposta, portanto, não apenas fragiliza a transparência institucional, como ameaça minar a confiança pública no Parlamento.

Do ponto de vista jurídico, há uma possível colisão entre a PEC e princípios constitucionais fundamentais, como o da igualdade perante a lei e o da publicidade dos atos públicos. O Supremo Tribunal Federal, inevitavelmente, será chamado a se pronunciar sobre a constitucionalidade do novo arranjo, o que promete abrir mais um capítulo de tensão entre Legislativo e Judiciário.

ALIANÇA – Já no campo político, a aprovação do texto na Câmara reflete a força de uma aliança pragmática entre partidos do centrão, setores da direita e parte da oposição, unificados em torno de um objetivo comum: reduzir a vulnerabilidade de seus quadros às investigações que vêm se intensificando nos últimos anos.

No Senado, a tramitação tende a ser mais difícil. Senadores já sinalizaram resistência à proposta, seja por convicção pessoal, seja por percepção do desgaste que ela pode causar junto à opinião pública. Ainda assim, é evidente que a PEC extrapola o debate técnico sobre procedimentos penais: ela toca no cerne da democracia brasileira, que é a definição dos limites da independência parlamentar sem que se anule o princípio da responsabilidade e da sujeição de todos à lei.

Se a blindagem se consolidar no ordenamento jurídico, os efeitos poderão ser devastadores para a credibilidade das instituições. A percepção generalizada de que o Congresso legisla em causa própria tende a crescer, alimentando a descrença dos cidadãos na política representativa e fragilizando ainda mais a já abalada confiança pública. Em última instância, a PEC não apenas protege parlamentares — ela ameaça a própria ideia de que, em uma democracia, ninguém está acima da lei.

Valdemar, Bolsonaro e a confissão que abala o bolsonarismo

Valdemar admite que houve ‘planejamento de golpe’

Pedro do Coutto

A recente declaração de Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, de que havia de fato um plano de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder, abriu uma crise sem precedentes dentro da direita brasileira. Não se trata apenas de uma fala infeliz ou de um deslize verbal: Valdemar, um dos principais articuladores políticos do bolsonarismo, reforçou publicamente a tese sustentada pela Procuradoria-Geral da República e acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.

Na prática, confirmou aquilo que o STF já havia julgado e condenado: a conspiração contra o Estado Democrático de Direito. Com essa admissão, ainda que posteriormente negada, o líder do PL ofereceu munição pesada a opositores e colocou em xeque a estratégia de defesa de Bolsonaro e de sua base.

REFLEXOS – A reação de Bolsonaro foi imediata e furiosa. O ex-presidente, condenado a mais de 27 anos de prisão, nunca admitiu a existência de um plano golpista, preferindo sustentar a narrativa de perseguição política. Quando um dos seus mais próximos aliados rompe essa versão e reconhece, ainda que por descuido, a articulação da ruptura institucional, toda a retórica cuidadosamente construída desmorona.

Valdemar percebeu o erro e, num movimento típico da política, tentou recuar, relativizar suas palavras e negar o que havia dito. Mas, como lembrava Magalhães Pinto, a política é como a nuvem: muda de forma com o vento. A tentativa de desdizer o que já estava dito não apagou o estrago. A imagem de um líder partidário admitindo a conspiração ficou registrada no imaginário político e midiático.

ANISTIA – O impacto imediato foi sobre a articulação da anistia que bolsonaristas pressionam para colocar em votação no Congresso. O discurso de Valdemar enfraqueceu sobremaneira o projeto, pois deu razão àqueles que acusam a proposta de ser uma manobra para encobrir crimes graves contra a democracia.

Parlamentares alinhados ao governo e setores da sociedade civil passaram a usar as palavras do próprio presidente do PL como prova de que a anistia não pode prosperar. Valdemar, ao tentar apagar o fogo que ele mesmo acendeu, acabou revelando uma contradição incontornável: como defender a anistia de crimes que já foram confirmados por seus próprios aliados?

O episódio pode se consolidar como um divisor de águas, deixando claro que, ao menos no terreno político, o bolsonarismo começa a enfrentar não apenas a resistência institucional, mas também as rachaduras internas que comprometem sua narrativa de unidade e vitimização.

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O voto de Fux e a tensa fronteira entre Justiça, Política e Poder Militar

Fux absolveu Jair Bolsonaro de todas as acusações

Pedro do Coutto

Na manhã de quarta-feira, o ministro Luiz Fux proferiu um voto que reverberou profundamente no cenário político brasileiro. Durante uma sessão que se estendeu por várias horas, Fux absolveu Jair Bolsonaro de todas as acusações que pesavam sobre ele, ao mesmo tempo em que pediu a condenação do tenente-coronel Mauro Cid e do general Braga Netto.

Essa decisão, aparentemente contraditória, gerou perplexidade e abriu um leque de interpretações sobre as dinâmicas internas do Supremo Tribunal Federal (STF) e suas implicações para a política nacional e internacional, colocando em evidência os limites da responsabilidade individual em um governo marcado por hierarquias militares e pela intensa polarização política.

CÁLCULO ESTRATÉGICO – O voto também revela um cálculo estratégico: ao absolver o ex-presidente, Fux mantém uma aparência de neutralidade institucional, enquanto a condenação de seus subordinados sugere que o Judiciário ainda atua como fiscalizador do poder, mas de maneira seletiva e altamente técnica, abrindo margem para questionamentos sobre o equilíbrio entre justiça e pragmatismo político.

O impacto da decisão de Fux se estende para além do ambiente institucional. Ao fortalecer a narrativa de Bolsonaro como alvo de perseguição política, o voto oferece aos bolsonaristas um argumento poderoso para mobilizar sua base e internacionalizar o debate.

A reação de apoiadores mais radicais, incluindo a exibição de bandeiras americanas no 7 de Setembro e manifestações de pressão direta contra o governo brasileiro, evidencia uma tentativa de transformar a disputa judicial em uma questão de prestígio político e influência externa, envolvendo atores internacionais como Donald Trump.

REPERCUSSÃO – Esse cenário reforça a percepção de que decisões do STF não circulam isoladamente, mas repercutem em esferas sociais, políticas e diplomáticas, criando tensões adicionais entre Brasil e parceiros estratégicos.

O voto de Fux também abre espaço para reflexões sobre a relação entre comando militar e responsabilidade civil. A condenação de Mauro Cid e Braga Netto aponta para uma responsabilização pontual, mas deixa em aberto a discussão sobre até que ponto líderes políticos podem ser eximidos de culpa com base na conduta de subordinados, sobretudo em contextos em que ordens diretas e estratégias de governo se entrelaçam de maneira complexa.

PRECEDENTE – Essa ambiguidade fornece matéria-prima para debates acadêmicos, jurídicos e políticos, indicando que a decisão não apenas define o destino imediato de personagens centrais, mas também estabelece precedentes sobre o alcance da responsabilidade presidencial frente a atos praticados por membros de seu círculo mais próximo.

O voto de Luiz Fux representa, assim, muito mais do que uma decisão judicial; é um marco na história política contemporânea do Brasil. Ele evidencia a tensão constante entre justiça e política, entre hierarquia militar e autoridade civil, e entre o debate interno e as repercussões internacionais.

As repercussões dessa decisão devem se estender por longo tempo, influenciando não apenas a narrativa em torno de Bolsonaro, mas também o papel do STF na sociedade, a percepção pública sobre responsabilidade e impunidade, e as estratégias de atores políticos que buscam moldar o futuro do país em um cenário de polarização crescente.

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