
Charge do Clayton (claytoncharges)
Pedro do Coutto
Durante a Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23, a Polícia Federal apreendeu cadernos com anotações que, segundo os investigadores, detalham a divisão de propinas em um sofisticado esquema de corrupção no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A investigação, conduzida em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), apura descontos indevidos aplicados em aposentadorias e pensões, que podem ter causado prejuízo de até R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.
Os documentos foram localizados em Brasília, no escritório de Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, apontado como lobista e articulador da rede de corrupção. Anotações como “Virgilio 5%” e “Stefa 5%” sugerem repasses percentuais a figuras-chave da instituição, entre elas o ex-procurador-geral Virgílio Oliveira Filho e o ex-presidente Alessandro Stefanutto, ambos afastados de seus cargos por determinação judicial.
ALEGAÇÃO – Embora a defesa de Stefanutto alegue que as menções não têm base factual nem valor probatório, os dados levantados pela PF indicam uma teia de favorecimentos. O mecanismo fraudulento consistia, essencialmente, na associação forçada de aposentados e pensionistas a entidades como sindicatos, sem o consentimento dos beneficiários. Em muitos casos, as assinaturas eram falsificadas, permitindo que fossem efetuados descontos mensais diretamente da folha de pagamento – prática legal apenas quando autorizada expressamente pelo titular do benefício, conforme legislação de 1991.
As investigações revelam a existência de uma rede empresarial voltada à ocultação dos recursos ilícitos. Entre 2023 e 2024, Antunes teria movimentado ao menos R$ 9,3 milhões para pessoas ligadas a servidores do INSS. Destacam-se repasses de R$ 7,5 milhões para empresas vinculadas à esposa do ex-procurador Virgílio Oliveira Filho e R$ 1,5 milhão para o escritório do filho do ex-diretor de Benefícios André Paulo Félix Fidelis. Outro ex-diretor, Alexandre Guimarães, teria recebido R$ 313 mil diretamente do lobista.
De acordo com o relatório policial, Antunes agia como intermediário técnico e financeiro entre entidades associativas e o INSS, sendo sócio de 21 empresas — 19 das quais abertas a partir de 2022. Pelo menos quatro delas estariam diretamente envolvidas no esquema, funcionando como canais para repasse de recursos desviados.
FRAUDE – A dimensão do caso coloca o INSS no centro de uma das maiores fraudes financeiras já apuradas em instituições públicas brasileiras. Estima-se que até quatro milhões de beneficiários tenham sido lesados. O governo federal, por sua vez, anunciou que prepara um plano para ressarcir as vítimas.
O caso revelado pela Operação Sem Desconto escancara não apenas a fragilidade dos mecanismos de controle interno do INSS, mas também a profundidade da captura institucional por interesses privados e redes de corrupção. A sistemática associação fraudulenta de aposentados e pensionistas a entidades, somada ao uso de estruturas empresariais para dissimular o repasse de propinas, aponta para um modelo de operação altamente organizado e difícil de detectar sem cruzamento intenso de dados financeiros e administrativos.
IMPACTO – Mais grave do que os valores envolvidos — estimados em bilhões — é o impacto direto sobre uma população vulnerável, que teve sua renda comprometida sem consentimento. O envolvimento de altos servidores e o uso de familiares e empresas de fachada para movimentar recursos mostram que o problema não se restringe a condutas individuais, mas evidencia falhas sistêmicas de governança, fiscalização e responsabilização no setor público.
Esse escândalo reforça a necessidade urgente de reformular os processos de controle sobre descontos em folha, revisar os critérios para acordos com entidades de classe e ampliar a transparência na gestão dos benefícios previdenciários. Sem medidas estruturais, o sistema permanecerá vulnerável à atuação de intermediários que exploram brechas legais e operacionais em detrimento dos direitos dos cidadãos.