Jorge Béja
A prefeitura (Município) do Rio de Janeiro tem o dever social e, acima de tudo legal, de pagar indenização a todos os vitimados pela tragédia do desabamento dos prédios na Muzema. Todos os danos devem ser reparados pelo Poder Público: danos morais e materiais na sua expressão financeira mais abrangente e elevada quanto possível. A responsabilidade civil que recai sobre a pessoa jurídica do Município do Rio de Janeiro decorre da denominada “faute du service”, assim classificada por Paul Duez e Gaston Gèze, os dois mais notáveis juristas de França, berço do Direito das Obrigações para o mundo ocidental.
Falta do serviço, porque as construções clandestinas, em área de proteção ambiental, onde nem uma choupana ou cabana poderia ser montada, não foram impedidas pela autoridade municipal, desde logo, quando surgiu a primeira. O Município foi conivente. Não interveio com o seu poder de polícia quando deveria intervir.
SEM JUSTIFICATIVA – E não venha o poder público municipal alegar que as “milícias” é que impediam a ação estatal. Se tanto for alegado, a situação piora muito para a prefeitura, que, no caso, tinha o imperioso dever de recorrer à força policial do Estado e/ou da União, para buscar ajuda no seu dever de proibir, uma vez que a Guarda Municipal é força insuficiente.
E assim agiu a prefeitura do Rio? É óbvio que não. Cruzou os braços. Deixou correr frouxo. Ir lá um fiscal, ou dois ou três fiscais e colar na obra um papel dizendo que a obra está embargada é o mesmo que enxugar gelo. Não tem eficácia alguma. Não impede que as construções continuem a ser edificadas. E nem se diga que foi uma casinha construída, escondidinha, sem alvará de licenciamento da prefeitura. Foram prédios e mais prédios, de muitos andares, aparentemente vistosos e edificados à luz do dia e às luzes artificiais noturnas, porque as obras não pararam nunca. Todos viram. Todos sabiam. Todas as autoridades públicas estavam cientes de tudo e cruzaram os braços.
IMPREVISÃO? – A tragédia não resultou de “act of God” (ato de Deus), de caso fortuito ou de força maior, que sustentam a Teoria da Imprevisão. A tragédia é resultado da incúria, da completa ausência da autoridade pública. E quando isso acontece, o dano daí resultante deve ser arcado por quem não cumpriu o seu dever de impedir que a tragédia viesse a ocorrer. A culpa estatal do Município do Rio é de tal ordem de grandeza, tão grave, tão insuperável que se sobrepõe à culpa e à responsabilização daqueles que, milicianos ou não, levantaram os prédios.
A responsabilização civil do poder público, pelo dano que sofre o particular, é objetiva, conforme está prevista na Constituição. Independe da comprovação da culpa. Prédios que são construídos à vista de todos – principalmente do poder público a quem incumbe fiscalizar e impedir a obra no caso de irregularidade, mas não impede – e depois os prédios desabam e matam famílias inteiras, como foi o caso da Muzema, a culpa, se fosse preciso investigá-la, é culpa é inteira do poder público municipal.
SÓ COM POBRES – Mas tanta desgraça assim ocorre com a população pobre, das periferias, das favelas, pessoas sem vez, sem voz e sem que a autoridade pública por elas olhem e delas cuidem. Não acontece com os ricos, com a classe média, alta e baixa. Se uma obrinha de fundo de quintal for feita num imóvel localizado em ruas asfaltadas, nos bairros da zona sul, Barra da Tijuca ou mesmo no Grajaú e outras lugares onde a miséria e o abandono mão moram lá, aí tudo pode e o poder público está ausente e distante.
Espera-se que a Defensoria Pública e que advogados especialistas em Direito Público e em Responsabilidade Civil entrem em campo para a defesa de tantos vitimados. Meu tempo passou. Hoje não exerço mais a advocacia. Mas nos 45 anos em que atuei, patrocinei milhares de ações reparatórias de danos em favor de vitimados. Só vitimados. Nunca defendi o autor, o ofensor, o causador do dano.
E minha última atuação foi no carnaval de 1998, quando fui pessoalmente até à rua, na Barra da Tijuca, onde desabou o Palace II de Sérgio Naya e a todos disse: “Vim aqui para defendê-los, gratuitamente”. Fui recebido como um bálsamo. E honrei minha palavra. Os 22 vitimados que defendi na Justiça venceram as ações. E deles nada cobrei. Nem um centavo.
Deixa-se aqui um alerta importantíssimo. Que todas as vítimas saibam que o prazo para dar entrada na Justiça contra o Município do Rio de Janeiro, cobrando indenização, é de 5 anos, a contar do dia do desabamento. Há quem defenda que o prazo é menor, de 3 anos, conforme inovação introduzida pelo Código Civil de 2003. Pelo sim, pelo não, o mais seguro é agir logo, antes de completar 3 anos. É prazo prescricional. Se vencido e a ação não for proposta, perde-se o direito de agir em juízo.