Jorge Béja
Engana-se quem entende como vitória a conversão da prisão carcerária para a domiciliar de Fabrício Queiroz e de sua foragida esposa, Márcia Oliveira Aguiar. A mera mudança de regime prisional foi determinada por decisão individual (liminar) do ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em ação de Habeas Corpus (HC) impetrada pela defesa do casal.
Vitória seria, ainda que temporária, e somente temporária, se o ministro tivesse decidido pela libertação de ambos (e de todos os demais alcançados pela decretação da prisão) e, também pela anulação de todas as decisões que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, tomou no processo contra Queiroz e outros acusados. Isto porque a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), por maioria (2 a 1), decidiu pela incompetência absoluta da 27ª Vara Criminal e pela competência do Órgão Especial do TJRJ para julgar o caso das “rachadinhas”, por causa da presença, entre os acusados, de um então deputado estadual, hoje senador, Flávio Bolsonaro. No entanto, contraditoriamente, a referida Câmara Criminal manteve as decisões do juiz tido por incompetente (no sentido jurídico da palavra).
NULIDADE ABSOLUTA – Contraditoriamente porque quando uma nulidade absoluta é acolhida, declarada e reconhecida por um tribunal, todos os atos e decisões, assinados pela autoridade judicial (juiz) tido por absolutamente incompetente, perdem a validade. São nulos. E muito pouco se aproveita, quando os autos do processo são remetidos para o juízo tido por competente.
Portanto, a prisão de Queiroz e de todos os demais, era para ser também anulada pela 3ª Câmara Criminal do TJRJ. Era, mas não foi. E não tendo sido, o ministro Otávio de Noronha poderia (e até deveria) — valendo-se do HC que lhe chegou às mãos para exame e decisão—, com uma canetada só, decidido, de ofício, pela libertação do casal Queiroz e também pela nulidade das prisões que Itabaiana decretou e que a 3ª Câmara Criminal do TJRJ manteve, apesar de ter a Câmara proclamado a incompetência absoluta da 27ª Vara Criminal. Mas o ministro Noronha foi comedido. Deu pouco, do muito que poderia dar.
QUESTÃO PROCESSUAL – Confuso, não é?. Não, não é confuso. É questão processual. E de fácil compreensão mesmo para leigos em Direito. No Código de Processo Civil (CPC) e no Código de Processo Penal (CPP) existem dois tipos de incompetência: a relativa e a absoluta.
A relativa deve ser arguida pela parte a quem interessa na primeira vez que intervém no processo, sob pena de não poder ser arguida mais (preclusão) e do efeito da prorrogação da competência (o juízo, antes relativamente incompetente, torna-se definitivamente competente pela ausência de arguição no tempo devido).
Já a incompetência absoluta pode ser arguida a qualquer tempo e enquanto o processo tramitar. Até mesmo, dez, quinze, vinte anos depois de iniciado, a incompetência absoluta pode ser arguida, até mesmo na sustentação oral, perante o Supremo Tribunal Federal. Da própria tribuna os advogados, da parte e da AGU de pé, ou o Procurador-Geral da República, sentado ao lado direito de onde senta o presidente do STF, podem levantar a questão da incompetência absoluta.
OS ATOS ESTÃO VALENDO – No caso das “rachadinhas” a incompetência da 27ª Vara Criminal, reconhecida e proclamada pela 3ª Câmara Criminal do TJRJ, foi incompetência absoluta, ordenando-se o envio dos autos ao Órgão Especial do TJRJ. Logo, as decisões do juiz Flávio Itabaiana, fundamentalmente os decretos de prisões, obrigatória e consequentemente deveriam também ser anulados. E não foram!
E tomando ciência de tudo isso, o ministro Noronha do STJ limitou-se apenas a deferir a liminar para trocar de regime as prisões de Fabrício Queiróz e sua mulher. Poderia o ministro avançar e decidir mais do que isso?. Claro que sim. Poderia e deveria. O contrassenso da decisão da 3ª Câmara Criminal do TJ foi e continua sendo tão flagrante, de tal ordem, de tal gravidade, que Noronha deveria conceder a libertação de Queiróz e de todos os demais e, além disso, também anular aquela parte da decisão da Câmara do TJRJ que havia mantido as prisões decretadas por Flávio Itabaiana.
AMPARO LEGAL – E Noronha tinha amparo legal para agir assim?. Sim, tinha. É matéria de ordem pública, que dispensa provocação e/ou pedido formal. Está no artigo 654, parágrafo 2º do Código de Processo Penal, o amplo e total poder que a lei dá ao juiz quando examina e decide em ação de Habeas Corpus:
“Os juízes e tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso do processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.
E ter prisão decretada por juiz absolutamente incompetente — como é o caso decidido pela 3ª Câmara Criminal dod TJRJ — não significa sofrer coação ilegal?. Aí está explicado o motivo de não ter o sabor de vitória de Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira Queiroz, a mera troca de regime. Eles continuam com prisões decretadas. E agora poderão cumpri-las em casa!.
AO ALCANCE DA JUSTIÇA – E agora estarão em lugar sabido, conhecido e ao alcance da polícia e da Justiça, para presenciar todos os atos do processo, seja no Órgão Especial do TJRJ, ou seja na 27ª Criminal, caso o STF decida pela continuidade de sua competência, provisoriamente brecada pela 3ª Câmara Criminal do TJRJ.
Vitória seria, ainda que passageira, se o ministro Noronha, liminarmente, anulasse todas as decisões do juiz Flávio Itabaiana, depois que o TJRJ reconheceu a 27ª Vara Criminal absolutamente incompetente para processar e julgar o chamado caso das “rachadinhas”.