Jorge Béja
As declarações do Procurador-Geral da República Augusto Aras, tais como “a força tarefa da lava jato é uma caixa de segredos”, “50 mil documentos invisíveis à Corregedoria são 50 mil documentos sob opacidade”, “caberá a eles apurar a verdade, a extensão, a profundidade e os autores e coautores e os partícipes de tudo que declarei”, “porque me acostumei a falar com provas, e tenho provas, e essas provas já estão depositadas perante os órgãos competentes”, “é hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure”…
São mais do que declarações. São acusações, pesadas e comprometedoras, contra a força-tarefa da Lava Jato. Quem fala em “opacidade”, em “autores e coautores e partícipes”, quem fala em “provas”, em “correção de rumos”… não está se referindo a heróis, a atos heróicos, virtuosos. Nem a respeito do que é justo, bom, valioso e legal.
ANULAR AS AÇÕES – Quem fala assim, se refere a coisas ruins, a tudo que não presta. Não presta e que pode levar à anulação das ações penais derivadas da referida operação, que teve Curitiba como o epicentro. Se não de todas, de muitas. Aras está com raiva. Seu semblante é de briga. Não sorri. Tom de voz agressivo e desafiador. Testa sempre franzida. Dedo em riste (digitus erexit).
Caso não esteja com razão, perderá. E nunca mais vai se levantar. Perderá, será processado, punido e terá um triste fim de carreira. Mas se estiver com razão, no final poderá dizer autoexaltações tais como: “Vim, vi e venci”. “Venci o bom e justo combate”. “Comigo, como Procurador-Geral da República, a verdade veio à tona e a Justiça foi feita”.
LAVAJATISMO – A referência de Aras à Lava Jato como “lavajatismo”, é qualificação pejorativa. É desqualificação. É depreciar, rebaixar e menosprezar tudo o que a Polícia, o Ministério Público e a Justiça de todas as instâncias, no âmbito federal, fizeram e decidiram ao longo dos anos.
Aras diz ter provas, pois “me acostumei falar com provas e tenho provas”. Certamente que são provas para derrubar a Lava Jato, seus processos e condenações. Para exaltá-la é que não são. E a derrubada da Lava Jato leva de roldão a desconstituição, a anulação e o desfazimento das ações penais, mesmo as já concluídas, que dela (da Lava Jato) derivaram e que dela derivam, para as que ainda estão em curso.
Ou seja, investigações, inquéritos e ações penais que tiveram início, meio e fim (ou ainda em tramitação), com base nas investigações e provas que o “lavajatismo” obteve, e Aras, agora, coloca sob suspeição.
SEM VALIDADE – E se tanto acontecer e Aras comprovar o que disse, tudo cai. Tudo perde a validade. E todos os condenados voltam a ser inocentes, até prova em contrário. E os presos serão soltos. Até mesmo as quantias recuperadas serão restituídas. Ou permanecerão depositadas à disposição da Justiça. Será uma “tsunami” na história da investigação político-policial-judicial do Brasil. Será vergonhoso. Será catastrófico, para a Lava Jato. Os erros judiciários no nosso país não são poucos. O mais famoso deles é o chamado “Caso dos Irmãos Naves”.
Tudo vai depender das provas que Augusto Aras diz tê-las. Se forem provas robustas e que representem nulidades processuais insanáveis, provas forjadas, conluios e outras de grande peso, caberá, para as ações penais findas, o recurso da Revisão, previsto no artigo 621 do Código de Processo Penal. Isto é:
- a) quando a condenação se fundou em depoimento, exames ou documentos comprovadamente falsos;
- b) quando a condenação decorreu contra texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos:
- c) quando, após a condenação, forem descobertas novas provas de inocência do condenado.
A QUALQUER TEMPO – São as hipóteses que no Código de Processo Penal autorizam o recurso da Revisão. E mais: recurso de Revisão pode ser requerido a qualquer tempo, mesmo após o cumprimento da pena e até mesmo pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do condenado que já tenha morrido.
Mesmo que o Código de Processo Penal não inclua o Ministério Público como parte legítima, ao lado do vitimado pelo erro judiciário e de seus parentes, para iniciar o recurso de Revisão, a própria Procuradoria-Geral da República detém implicitamente esta legitimidade. Sim, porque quem é parte legítima para acusar e pedir a condenação é, também, parte legítima para reconhecer o erro que cometeu e pedir a anulação do processo a que deu origem.
Além disso, sendo o Ministério Público parte legítima para impetrar Habeas Corpus, por que não será, então, parte legítima para pedir a correção-reparação de erro que a própria instituição cometeu?. E os advogados dos condenados e acusados não vão cruzar os braços em defesa de sua clientela. Porém, vai ser preciso, primeiro, que Augusto Aras traga as provas. Afinal “me acostumei a falar com provas e tenho as provas”.