Quando a gravíssima crise chinesa ocorrer, o Brasil afundará junto ou sai fortalecido?

Chineses festejam 120 anos do nascimento de Mao Tsé-Tung - Linha Direta

A grande crise da China será uma fatalidade inevitável

Joel Pinheiro da Fonseca
Folha

Em todas as vezes em que analistas econômicos previram uma grande crise chinesa, a China riu por último. Mas dessa vez só não está preocupado quem não está prestando atenção. O setor imobiliário, que responde por cerca de 30% da economia, está à beira do colapso, e pode levar o setor financeiro com ele.

Essa crise vem de longe. É caríssimo ter filhos e educá-los. O Estado não provê uma rede de bem-estar que dê o mínimo de segurança para as pessoas. A saída para a população cada vez mais envelhecida é ter poucos filhos (mesmo sem uma política de controle populacional) e poupar muito. Com poucas opções de investimento, e estimulada pelo governo, essa poupança vira majoritariamente investimento em imóveis.

MAIS CASAS, MENOS GENTE – Uma economia que poupa compulsivamente e que investe 70% de sua poupança em imóveis, ao mesmo tempo em que sua população envelhece e diminui —a população economicamente ativa vem caindo desde 2015, e a população total desde 2022— no mínimo levanta suspeitas. De que adiantam tantas casas se não tem ninguém para morar nelas?

O resultado são dezenas de milhões de apartamentos vazios, mesmo com aluguéis e preços em baixa. Agora as vendas de novas unidades estão despencando.

A maior incorporadora chinesa, a Country Garden, teve prejuízos massivos na primeira metade do ano, e está à beira do calote de seus credores. Com ela, outras virão. Vendo sua poupança virar pó e a vida ficando mais difícil, não se sabe como a população reagirá.

Construção de prédios residenciais feitos em Tianjin, na China, pela Country Garden, construtora do país que entrou em crise junto a outras incorporadoras e ameaçam a estabilidade da segunda maior economia do mundo

Maior problema da China é a crise imobiliária

CRENÇA INGÊNUA – Houve um momento em que se acreditou que a melhora no padrão de vida iria fazer com que os chineses demandassem também direitos civis e maior participação no governo. Era uma crença ingênua. O crescimento é justamente o que legitima o regime, seja ele qual for. Já a queda —e principalmente o pessimismo quanto ao futuro— gera insatisfação.

Ocorre que crescimento econômico não é a única coisa que pode manter o apoio ao governo. Rivalidades externas são tão ou até mais eficazes. O risco de que uma crise econômica provoque o governo chinês a entrar numa aventura militar é real. Uma China em declínio será mais perigosa do que na ascensão.

Quem sabe a diplomacia brasileira —que mantém boas relações com China e EUA— possa ajudar a evitar a guerra, mas assim como na Rússia nossa capacidade de interferir nisso é limitada.

QUAL A PRIORIDADE? – Podemos, aí sim, nos preparar estrategicamente. O Brasil se mantém, como sempre, amigo de todos. Procurando tanto mais aproximação com os Brics (ou seja, a China) e o acordo com a UE. Mas cabe perguntar a quem devemos priorizar.

O mundo está em busca de lugares para investir. Desde a pandemia, as economias desenvolvidas perceberam que é um risco terceirizar toda a produção para onde é economicamente mais barato —a China— sem pensar também no lado político dessa decisão.

O momento agora é o de procurar lugares que conciliem alguma vantagem econômica com garantia de estabilidade e boas relações futuras.

OPÇÕES LATINAS  – O México já está auferindo os ganhos desses investimentos. O Brasil também pode: com reforma tributária, equilíbrio fiscal crível, democracia sólida, meio ambiente protegido e acordo econômico com a UE (o México tem acordos de livre comércio com os EUA desde os anos 90), estaremos prontos para receber investimentos em larga escala.

A China continuará importando de nós; talvez, com a crise, em menor quantidade. Sua capacidade de investir no exterior também cairá.

Ao mesmo tempo, o mundo desenvolvido e democrático está desesperado por lugares politicamente seguros em que investir. Não parece uma conta muito difícil.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Um artigo de excelência intelectual, altamente instigante. Deve-se acrescentar, apenas, que a grande crise pode dividir a China em vários países, igual à cisão da União Soviética. Quanto ao Brasil, a prioridade deve continuar a ser produção de alimentos e a agroindústria, porque a China e o mundo precisam se alimentar. Mas há um desafio na perspectiva brasileira. Nas grandes cidades, um número gigantesco e crescente de imóveis vazios, sem serem vendidos ou alugados, enquanto as favelas incham? Quem explica? Nem mesmo Freud. (C.N.)

4 thoughts on “Quando a gravíssima crise chinesa ocorrer, o Brasil afundará junto ou sai fortalecido?

  1. Escuto esse papo de que agora a crise chinesa vai chegar ha pelo menos uns 30 anos, e o que se vê na prática é que a cada dia a economia deles fica mais perto de superar a dos EUA.

    Sobre o Brasil, a chave para nossa sobrevivência é reindustrialização, confiar que o agro é a saída é subestimar a capacidade do dragão chinês. Não duvido que num futuro próximo eles consigam contornar o problema de déficit de alimentos, e aí sim podemos cravar que será o fim do Brasil.

  2. Li em algum lugar que os chineses estão mudando seus hábitos. Será que o presidente da China Xi Jinping conseguirá implementar as mudanças econômicas necessárias para evitar a japanificação da China?

    “No entanto, em algum nível, os pessimistas têm razão: a segunda maior economia do mundo está enfrentando uma desaceleração do consumo.

    Isso ocorre em parte porque o povo chinês está gastando um terço de sua renda em economias, formando uma poupança de 120 trilhões de yuans no sistema bancário. O período de férias escolares de dois meses liberou um pouco dessa poupança estagnada, mas os consumidores estão demonstrando menos interesse atualmente nos produtos que o mercado oferece.

    Em média, cada chinês tem cerca de 42 metros quadrados de área útil, uma quantidade confortável para qualquer país. Consequentemente, há pouco crescimento a ser obtido com mais moradias.

    Enquanto isso, a carne de porco sempre teve uma ponderação enorme no índice de preços ao consumidor do país, mas muitas famílias estão jantando outras coisas hoje em dia. Além disso, em 2020, a China já declarou o fim da pobreza no país.

    Os gostos chineses estão mudando. Muitos chineses não gostam mais de sair em casas de chá, escolhendo campos de café e fim de semana ou jogos de tabuleiro. Onde conseguir o suficiente para comer era anteriormente uma obsessão, perder peso agora é um grande negócio.

    É notável que 84% dos chineses que estudam no exterior atualmente retornem à sua terra natal após a formatura para procurar trabalho, de acordo com uma pesquisa da Caixin Media. O número de graduados no exterior atingiu 1 milhão em 2021 e provavelmente aumentou ainda mais no ano passado. Ainda assim, esses jovens chineses veem mais oportunidades em casa, apesar do alto desemprego juvenil, do que no exterior.

    Talvez eles saibam algo que a mídia ocidental no exterior não sabe.”

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