José Carlos Werneck
O livro “Balas de Estalo” reúne interessantes crônicas de Machado de Assis. “Balas de Estalo” era o nome de uma coluna publicada pelo jornal Gazeta de Notícias, de 3 de abril de 1883 até 29 de dezembro de 1886. Vários escritores se revezavam na coluna, usando pseudônimos: Blick (Capistrano de Abreu), João Tesourinha (Francisco Ramos Paz), José do Egito (Valentim Magalhães), Lélio (Machado de Assis), Lulu Sênior (José Ferreira de Araújo, um dos fundadores do jornal), Público (Dermeval da Fonseca), e Zig-Zag (Henrique Chaves).
Em 25 de setembro de 1883, o jornal de escândalos “Corsário”, de Apulcro de Castro, revelou a identidade dos diversos colaboradores das Balas de Estalo.
SÉRIE DE CRÔNICAS – “Balas de Estalo” foi uma das mais prolíficas e duradouras séries de crônicas do jornalismo brasileiro no século XIX, publicada, quase que diariamente na Gazeta de Notícias, à época um dos periódicos de maior tiragem do Rio de Janeiro, num revezamento intenso de mais de uma dezena de narradores-personagens, resultando em várias centenas de textos ao longo de seus três anos de duração (1883-1886). Seus narradores acompanharam os principais assuntos do dia na década de 1880.
Segundo Ubiratan Machado, autor do Dicionário de Machado de Assis, “Balas de Estalo” “correspondem a um momento extremamente feliz da prosa machadiana, livre, solta, maliciosa, com alguma coisa da irreverência de um moleque de rua e a forma apurada de um clássico”.
Machado de Assis publicou 125 crônicas, de 2 de julho de 1883 até 22 de março de 1886. Além dessas, existe uma crônica de 15 de setembro de 1883 assinada coletivamente por José do Egito, Décio, Zig-Zag, Lélio, Publicola, Blick e João Tesourinha.
O PSEUDÔNIMO – Machado assinava-se como Lélio (“Lélio dos Anzóis Carapuça”, como revela na crônica de 17 de janeiro de 1885), que se refere a um personagem da Commedia dell’arte italiana, retomado por Molière.
Nestas crônicas, o escritor ironiza a política com suas sucessivas crises ministeriais (“Escrevo sem saber o que sai hoje dos debates da Câmara. Uns dizem que sai o projeto, outros que o Ministério, outros que nada” (14/4/1885); revela-se também um libertário (“… hasteemos audazmente a bandeira da liberdade” (30/11/1885); brinca com a astronomia e suas dimensões vertiginosas (“A astronomia é, com efeito, uma bebedeira de léguas. As léguas são as polegadas do espaço” – 22/8/1885); usa e abusa do nonsense como no “Diálogo dos Astros” entre Dom Sol e Mercúrio (20/6/1885).
E esbanja sabedoria (“o cinismo, que é a sinceridade dos patifes, pode contaminar uma consciência reta, pura e elevada, do mesmo modo que o bicho pode roer os mais sublimes livros do mundo” (14/3/1885).
PREVÊ A REPÚBLICA – Machado diz ser iminente “a revolução triunfante, o imperador embarcado, e as aclamações na rua – Viva a república!” (9/9/1884); mostra-se contrário à taquigrafia pois, “se todas as asneiras proferidas fossem registradas, o
mundo se tornaria um inferno” 15/7/1884[6]; aborda a inusitada venda de um tigre (“o tigre vende-se na rua do Hospício [atual rua Buenos Aires], como o chá preto e as cadeiras americanas” 26/4/1884); escreve uma crônica engraçada em que sua alma sai do corpo e comparece a uma sessão de espiritismo (“Desde que li em um artigo de um ilustre amigo meu, distinto médico, a lista das pessoas eminentes que na Europa acreditam no espiritismo, comecei a duvidar da minha dúvida” (5/10/1885).
É um livro muito agradável e de fácil leitura, como todas as obras do grande autor, e merece ser apreciado.
Nasci em Botafogo na época em que minha família residia no Cosme Velho (antiga Águas Férreas) e lembro, com saudade interminável, certos domingos em que ao Largo do Boticário com meu pai e mais 2 irmãos mais velhos. Anos depois, soube que Machado de Assis morara ali perto. Faço o registro porque a nostalgia me impede esquecer do quanto fui feliz nos primeiros 6 anos de existência. Será uma leitura obrigatória porque adoro contos…
E pensar que o machado uma ferramenta rustica possa trabalhar com tanta elegância nos seus escritos. Um grande mestre de nossa literatura.