O que Bolsonaro pede não é anistia, mas um perdão para os envolvidos no golpe

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Carlos Pereira
Estadão

No discurso no ato da avenida Paulista no último domingo, Bolsonaro propôs passar uma “borracha no passado” … uma anistia para os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Se esquece ele, entretanto, que a anistia só faz sentido quando tanto o governo como a oposição têm a ganhar com isso.

Ou seja, quando o status quo conflituoso é pior para os dois lados e a alternativa, via anistia, representa a institucionalização de garantias de ganhos mútuos, como ocorrido na transição para a democracia no Brasil a partir de meados da década de 70.

PRINCIPAIS ATORES – No livro “Democracy and Market”, Adam Przeworski identifica quatro conjunto de atores políticos chaves para explicar os principais tipos de transição de regimes autoritários para regimes democráticos: se por ruptura, quando existiria uma quebra repentina e violenta com o passado autoritário; ou se por reforma, por meio de um processo intrincado de barganha e de negociação entre governo e oposição.

De acordo com Przeworski, no lado autoritário existiriam os “linha-dura”, que desejariam manter o regime autoritário sem grandes concessões, e os “reformadores”, que prefeririam iniciar um processo de liberalização que viesse a fortalecer sua posição dentro do novo regime.

Já do lado da oposição, existiriam os “moderados”, que desejariam a redemocratização mesmo compartilhando poderes com os reformadores, e os “radicais”, que condenariam qualquer tipo de barganha e defenderiam a democratização sem concessões.

DUAS POSSIBILIDADES – Se os linha-dura e os radicais forem os atores políticos mais fortes, o status quo autoritário tenderia a prevalecer ou as transições de regime se dariam por ruptura violenta com grande incerteza sobre o futuro democrático. Por outro lado, se reformadores e moderados forem os atores mais relevantes no jogo político, a liberalização democrática pacífica e pactuada tenderia a ocorrer.

Porém, para que um acordo entre reformadores e moderados se tornasse crível, era necessário haver a institucionalização de garantias, via um processo de anistia capaz de passar uma borracha tanto nas atrocidades da ditadura, como nas loucuras da guerrilha.

Além disso, a anistia seria acompanhada da reinclusão dos exilados, da abertura do sistema partidário e da construção de confiança e de garantias de que não haveria retaliações ou revanchismos de ambos os lados.

EXEMPLO DO BRASIL – A anistia durante a transição democrática no Brasil, portanto, interessava tanto aos reformadores, do lado autoritário, como aos moderados, do lado democrático.

Foi feita uma aliança, que posteriormente veio a desembocar na coalizão vencedora entre o PFL, dissidência reformadora do PDS/ARENA, e os moderados do PMDB, intitulada “aliança democrática”, por meio da candidatura de Tancredo-Sarney, contra os linha-dura autoritários e os radicais de esquerda.

A anistia proposta por Bolsonaro parece mais um pedido camuflado de perdão, pois o atual governo não teria o que ganhar com ela.

PEDINDO PERDÃO – O que Bolsonaro poderia oferecer? Evitar de atiçar o país por meio de atos e protestos gigantescos, como o ocorrido no último domingo? Engavetar o pedido de impeachment de Lula? Arrefecer as iniciativas legislativas de enfraquecimento dos poderes do STF?

Nenhum desses ganhos/ameaças são suficientes ou críveis para convencer o governo, legisladores e/ou os ministros do STF de que a anistia proposta por Bolsonaro valha a pena.

A pretexto de pedir anistia para os golpistas de 8 de janeiro, Bolsonaro na realidade estaria pedindo perdão para si próprio. Seria uma estratégia de escapar à responsabilização pela suposta autoria intelectual da tentativa frustrada de golpe, embutida numa demonstração de força que sugerisse um “custo elevado” para a sua eventual condenação e prisão.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGUm bom artigo, mas parte de premissa falsa. No Brasil, já houve exemplos de anistia a apenas um dos lados, como nos casos das revoltas de Jacaréacanga e Aragarças, ambas no governo de Juscelino Kubitscheck. Era um perdão, mas concedido sob nome de anistia aos revoltosos, exatamente como agora, com a diferença de que desta vez a revolta nem chegou a eclodir. (C.N.)

5 thoughts on “O que Bolsonaro pede não é anistia, mas um perdão para os envolvidos no golpe

  1. ….e os reais golpistas sequer são incomodados então não necessitam de anistia, daí a “desimportåncia”!
    Escondidos e blindados por intermináveis “narrativas”!

  2. Carlos, não podemos igualar as anistias de Aragarças e Jacareacanga à pedida por Bolsonaro; elas beneficiaram, por grandeza e pacificação do Juscelino, pequeníssimos grupos de militares que se levantaram contra ele em movimentos de expressão quase que individual e nenhum apoio popular. O golpe tentado por Bolsonaro foi arquitetado enquanto ele era o Presidente da República, justamente aquele que deveria zelar pelas instituições.

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