Trinta anos depois, legado de Mandela é uma África do Sul dividida e em crise

NELSON MANDELA- Biografia Resumida ~ Dicas Grátis 2016 | Frases para amigos  verdadeiros, Frases inspiracionais, Frases extraordináriasDemétrio Magnoli
Folha

A África do Sul vai perdendo seu maior tesouro, que não é formado por minas de ouro, platina ou diamantes mas pelo mito de sua refundação: o “país do arco-íris”. Foi Nelson Mandela que o formulou, na hora do desmantelamento do apartheid, como ferramenta para alcançar a unidade nacional e a estabilidade política. Três décadas depois, as eleições gerais de 29 de maio refletiram sua decadência. Será possível, ainda, restaurá-lo?

O “país do arco-íris” destinava-se a curar a ferida hemorrágica da divisão entre negros e brancos mas, também, a prevenir divisões entre os diferentes grupos etnolinguísticos reunidos num território nacional inventado pelo imperialismo europeu.

SEM MAIORIA – O Congresso Nacional Africano (CNA), espinha vertebral da nova África do Sul, venceu todas as eleições do pós-apartheid com mais de 60% dos votos. Nesta última, porém, perdeu sua maioria absoluta, retrocedendo para 40%. O desastre eleitoral não é a causa, mas a consequência da decadência do mito refundador.

A história do pós-apartheid biparte-se ao meio. Nos 15 anos iniciais, o país experimentou taxas decentes de crescimento econômico e, apesar do trágico negacionismo durante a pandemia de Aids, conseguiu reduzir a pobreza e as desigualdades sociais.

Depois, nos 15 anos seguintes, a partir da eleição de Jacob Zuma, em 2009, ingressou no túnel do declínio econômico e social.

ESTATISMO – O CNA foi infectado pelo vírus da identificação do partido com o Estado. Sob Zuma, o aparelho estatal foi capturado por máfias empresariais ligadas ao grupo político do presidente, especialmente os irmãos Gupta, um nome que tornou-se sinônimo de favoritismo e corrupção.

A ineficiência administrativa e o desvio em massa de recursos públicos refletiram-se na ruína das infraestruturas, no desemprego e na criminalidade crescentes. Hoje, os sul-africanos convivem com apagões rotativos diários de até 4 horas. Cyril Ramaphosa, eleito em 2019, não conseguiu conter a espiral declinista.

A crise espelha-se no sistema partidário que emergiu das eleições. O segundo maior partido, com 21% dos votos, é a centrista Aliança Democrática (AD), oriunda do partido branco anti-apartheid fundado em 1959.

CISÕES DO CNA – A AD governa o Cabo Ocidental desde 2009 e a competência administrativa demonstrada na província propiciaram-lhe avanços em metrópoles que figuram como bases do CNA. Contudo, refém da tradição de partido branco, sua votação nacional permaneceu estagnada durante a última década.

O segundo e o terceiro partidos surgiram de cisões do CNA. O ex-presidente Zuma, condenado em processos por corrupção, fundou o MK (Lança da Nação), um partido baseado no nacionalismo zulu que obteve surpreendentes 15% dos votos, quase todos na província do Kwazulu-Natal, onde o CNA foi dizimado.

Julius Malema, antigo líder da organização de juventude do CNA, fundou o EFF (Combatentes pela Liberdade Econômica), um partido articulado em torno do nacionalismo negro que não atingiu 10% dos votos. As duas cisões expressam rupturas populistas com o mito do “país do arco-íris”.

RACISMO INVERSO – O programa do EFF exige a expropriação revolucionária de terras e empresas dos brancos, o que conduziria a África do Sul ao precipício no qual, sob Robert Mugabe, atirou-se o Zimbábue. Zuma reproduz, com ênfase menor e nenhuma convicção, as conclamações de Malema.

No fundo, tanto um quanto o outro miram a captura do aparato político do CNA – e, por isso, propõem uma coalizão de governo precedida pela marginalização de Ramaphosa.

O “arco-íris” traçava um caminho de reformas sociais baseadas na unidade nacional e numa democracia liberal capaz de assegurar a pluralidade política e a independência do Judiciário. Uma coalizão oficial ou informal entre o CNA e a AD seria uma tentativa de restaurar o mito refundador. Já uma coalizão com Zuma ou Malema equivaleria à segunda morte de Mandela.

3 thoughts on “Trinta anos depois, legado de Mandela é uma África do Sul dividida e em crise

  1. Nada fica para sempre, ainda mais com nossa realidade em as mudanças ocorrem rapidamente. Daqui alguns anos será totalmente esquecido. Como foi citado agora tem o racismo inverso, em que os negros perseguem os brancos

  2. Mandela e África do Sul provaram à Humanidade que poder, política e administração pública, enquanto ciências, não são uma questão de cor da pele mas isto sim de capacidade, méritos, eficiência, organização e métodos capazes de atingirem a finalidade precípua do Estado, enquanto sociedade juridicamente organizada, que é o sucesso pleno do bem comum. E é isso que deveria estar nas disputas eleitorais e não os motes que não levam o país a lugar novo e alvissareiro nenhum. Trocando em miúdos, não adianta nada encher governos e parlamentos de brancos, pretos, amarelos, pardos, vermelhos…, endinheirados, cheios de esquemas, ginga, bossa, blá-blá-blá, gogó e trololó, porém sem o borogodó, ou seja, sem méritos e sem o projeto que de fato pode fazer a diferença e provocar as mudanças que se fazem necessárias há trocentos anos, sérias, estruturais e profundas… https://www.brasil247.com/economia/haddad-critica-resistencia-no-congresso-e-falta-de-dialogo-com-o-governo http://www.tribunadainternet.com.br/2024/06/15/trinta-anos-depois-legado-de-mandela-e-uma-africa-do-sul-dividida-e-em-crise/#comments

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