
A perna do Cupido tentava esconder a púbis de Eros
Mario Sergio Conti
Folha
O avanço tecnológico aposentou, ou virou do avesso, vários meios de comunicação. Os livros e a imprensa, o registro de sons e imagens, o telefone e o correio não são mais os mesmos, e as formas de expressão artística associadas a eles caducaram junto.
Hoje, não seria verossímil pôr Donald Trump num romance histórico, como Napoleão em “Guerra e Paz”. Ou narrar ações e fatos por meio de cartas, o método de Choderlos de Laclos em “Ligações Perigosas”. Ou conceber um detetive plausível como o Sherlock Holmes de Conan Doyle.
SALTO MORTAL TRIPLO – Pois Laurent Binet arriscou o salto mortal triplo, e sem rede, em “Perspective(s)”, um romance histórico (passa-se no século 16), epistolar (20 pessoas trocam missivas) e policial (investiga-se o assassinato de um pintor). O resultado é surpreendente: Binet não se esborracha no chão.
O escritor francês de 52 anos não é um neófito em embaralhar gêneros. “Quem Matou Roland Barthes?”, publicado há dez anos, é um romance satírico, histórico e de espionagem. O objeto de deboche são os vigários da “French Theory”: estruturalistas, desconstrucionistas, os pós- isso, os pré-aquilo, Althusser, Deleuze, Derrida e companhia.
“Civilizações”, de 2019, é um romance histórico (ou anti-histórico?) e utópico (ou distópico?). Em vez de os europeus invadirem a América e dizimarem os incas com cavalos, aço e vírus, são os incas que invadem a Europa e semeiam justiça social, igualdade, tolerância.
LEMBRA HUMBERTO ECO – “Perspective(s)” lembra “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco. O primeiro se passa no Renascimento e o segundo na Idade Média; um no âmbito da alta arte e o outro no do baixo catolicismo; as gentes do italiano são fictícias, as do francês, quase todas reais: Catarina de Medici, rainha da França; Cellini, escultor; Paulo 4º, papa; Jacopo Pontormo, pintor assassinado com marretadas na testa no último dia de 1596.
Ele legou três pinturas extraordinárias. A primeira copia um desenho de Michelangelo, “Vênus e Cupido”. Como o quadro é enorme (1,3 metro por 2 metros), e a púbis da deusa se impõe gloriosamente ao observador, a Inquisição rapidamente a cobriu com sombras. Só em 2002 a tinta foi raspada e o amor erótico voltou a vencer o espiritual.
A segunda tela é “Deposição”, que inaugura o maneirismo —o “à maneira de” um artista, geralmente exagerada. A subjetividade leva a objetividade de roldão, fazendo com que o quadro prescinda daquilo que está no título do romance: a perspectiva. Sem o efeito tridimensional criado por Brunelleschi, a realidade derrete, as figuras dançam soltas no ar.
NO FIM DA VIDA – Por fim, nos últimos anos de vida Pontormo trancou-se na igreja de San Lorenzo, em Florença, para pintar os afrescos que coroariam sua obra. Fechou janelas, blindou corredores, não deixou ninguém entrar. Mas ninguém sabe o que fez porque os afrescos foram destruídos.
Giorgio Vasari, que os viu não se sabe como, conta que as pinturas murais terminavam com Cristo no Juízo Final e, a seus pés, Deus criava Adão. O grande historiador da arte ficou assaz impressionado, mas registrou que, pictórica e teologicamente, a imagem não tinha pé nem cabeça: o Pai, o criador, deveria ficar acima do Filho, a criatura.
As três pinturas apontam para a erosão da história e de seu resto, arte. A Vênus obscena é uma paulada nos Medici porque tem o rosto de Maria, a primogênita de Cosimo, o patriarca. “Deposição” não é tangível, delira. Nas paredes de San Lorenzo, tudo é sempre agora, de novo: o tempo termina em Adão, que, como a humanidade, não aprende, não muda, não melhora.
ALTA TONELAGEM – Binet toca de leve o teclado ao tratar desses temas de alta tonelagem. Ao contrário de Eco, tem humor, não deixa que o detalhismo factual atravanque a fantasia, foge do que Millôr chamava de “eça falça cultura”. Sabe todos os podres da Renascença, tão valorizada: Cellini era vil; a sodomia comercial comia solta no clero; os Medicis não eram mecenas de fino trato, mas argentários vulgares.
Em que pese a graça, “Perspective(s)” é um romance emparedado: seus 20 missivistas expõem os cacos de um tempo sem sentido. No prefácio, alguém indeterminado, “B”, conta que comprou as cartas, velhas e amareladas, numa loja de antiguidades, e levou três anos para traduzi-las para o francês.
“B” situa o século em que se passa o livro: o 16. Alude aos dias que correm: os de “hoje”. Mas, na versão em inglês, o “hoje” vira “século 19”. Afinal, que tempos são esses? A epígrafe repete o que Michelangelo escreveu numa carta ao pai: “São tempos duros para a arte”.
“Tempos duros” para petistas fanáticos: Conti escrevendo sobre Michelangelo?
E sobre o crime do INSS, nada?
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The Economist:
“Enquanto Trump subestima e ignora América do Sul, Xi Jinping avança na região”
Fonte: O Estado de S. Paulo, Economia, 10/05/2025 | 17h00 Por The Economist
The Economist descobriu a pórva.
Se não gosta de cultura, é melhor procurar outro blog.
CN
Não entendi essa de querer censurar o direito do cidadão opinar.
O contexto e a frase talvez não tenham sido dos mais oportunos (reconheça-se) para expressar o sofrível momento vivido pelo PT e adeptos com o impacto do extenso “Crime no Instituto de Previdência” (como intitularia Boris Fausto) causado nas ruas do País.
Faz lembrar inclusive da encenadíssima peça teatral “A Ratoeira”, da romancista e dramaturga inglesa Agatha Christie.
Uma pena que na humanidade ainda não surgiu nenhum gênio como Michelangelo e Da Vinci. Gosto muito de esculturas.
Michelangelo, ao finalizar a estátua de Moisés, ficou tão fascinado com a perfeição da escultura que, num momento de inspiração, bateu no joelho da estátua e exclamou: “Parla, Parla!”