Hélio Schwartsman
Folha
Uma das primeiras providências do Taleban depois que retomou o poder no Afeganistão foi recriar o Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício. O nome vistoso não esconde a verdadeira natureza do braço estatal encarregado de impor, pela violência, se necessário, os padrões de comportamento favorecidos pelos governantes.
O moralismo é uma tentação para dirigentes políticos. Trata-se, afinal, de uma força que unifica um bom pedaço da população e gera aplausos fáceis.
MEIO A MEIO – Se é verdade que parte das regras morais tem base fática e racional – abusar de bebida ou de drogas faz mal à saúde e causa danos sociais–, outra parte é mera cristalização de caprichos históricos.
É difícil encontrar boas justificativas para o veto do Taleban à música e às pipas. Em qualquer caso, a imposição a ferro e fogo da moralidade nesses termos causa grande sofrimento às pessoas que não querem ou não podem se dobrar ao cânone.
No Ocidente, depois de séculos de abusos, firmou-se o princípio de que é melhor deixar que cada indivíduo estabeleça seus próprios limites, desde que a prática não traga perigos imediatos a terceiros.
MODULAÇÃO – Prejuízos sociais mais difusos podem ser modulados, ainda que não eliminados, por uma combinação de regulação e desestímulos fiscais. Na maioria dos países avançados existem restrições à venda de álcool para menores, por exemplo, e produtos com externalidades negativas tendem a ser sobretaxados para compensar danos.
O Brasil não é um Afeganistão, mas ainda não abraçou inteiramente o liberalismo ocidental. O moralismo muitas vezes ainda dá as cartas. É o que explica nosso atraso secular para reconhecer direitos já há um bom tempo consolidados na Europa, como o aborto e a descriminalização do consumo de drogas.
Enquanto ali países já vão legalizando a eutanásia, por aqui ainda é difícil fazer com que a autonomia do paciente seja respeitada quando ela pode levar à morte.