Cármen Lúcia quer impugnar a mentira política, mas não traçou um bom plano

O histórico de manobras de Cármen Lúcia que afetam Lula | bloglimpinhoecheiroso

Charge do Carvall (Jornalistas Livres)

Demétrio Magnoli
O Globo

“O algoritmo do ódio, invisível e presente, senta-se à mesa de todos. Ódio e violência não são gratuitos. Instigados por mentiras e vilanias, reproduzem-se e parecem intransponíveis. Não são: contra o vírus da mentira, há o remédio eficaz da liberdade de informação séria e responsável. A raiva desumana que se dissemina produzindo guerras entre pessoas e entre nações tem preço — e o preço pago por ceder ao medo e aos ódios é a nossa liberdade mesma”.

Em seu discurso de posse na presidência do TSE, a ministra Cármen Lúcia declarou guerra ao ódio e à mentira. Prometeu, por meio dessa guerra, preservar “nossa liberdade”.

IDEIA PERIGOSA -Fosse o editorial de um jornal destinado a exaltar o valor da imprensa profissional na era das redes sociais, pouco haveria a corrigir (a raiva é muito humana e, talvez, exclusivamente humana — e não é ela a causa das guerras entre nações). Mas, como programa de ação dos juízes eleitorais em ano de eleições municipais, deve ser classificado como ideia (perigosa) fora de lugar.

Verdade e mentira só são relativamente fáceis de distinguir na esfera factual. Mesmo assim, os juízes eleitorais precisariam exercitar autocontenção: o que fazer quando Lula atribui as investigações da Lava-Jato a um comando do Departamento de Justiça dos Estados Unidos?

Na esfera do discurso político, tudo depende dos pressupostos — da visão de mundo que informa o sujeito da fala.

DEMOCRACIA DEMAIS – Bolsonaro clamava defender a “liberdade dos brasileiros” ao atacar as instituições democráticas. Sob o ponto de vista da extrema direita, liberdade e democracia são conceitos antagônicos.

Lula proclamou, vezes sem conta, que há “democracia demais” na Venezuela. Sob o ponto de vista de certas correntes da esquerda, a democracia representativa não passa de democracia falsa, porque “burguesa”.

Em sua guerra pela verdade, Cármen pretende impugnar a mentira política?

LIBERDADE DE EXPRESSÃO – O princípio constitucional da liberdade de expressão não foi mencionado pela guerreira Cármen. Em seu lugar, emergiu a liberdade de informação, que não é a mesma coisa. E ainda adjetivada: apenas a “séria e responsável”.

Quem decide sobre o cumprimento de tais requisitos? Na ditadura militar, era a Divisão de Censura da PF. O TSE pretende assumir as funções do órgão extinto?

A lei exige definições objetivas, precisas. A liberdade de expressão não é um direito absoluto. Seus limites legais estão delineados pela proibição à conclamação direta à violência contra indivíduos, grupos sociais ou instituições e, ainda, pela criminalização da calúnia, da injúria e da difamação.

Mas, em sua posse, Cármen navegou pelos mares tempestuosos da subjetividade, expressa nos adjetivos e, especialmente, no substantivo “ódio”. A guerra contra o ódio não figura na lei. Com que ferramentas a juíza travará seu combate virtuoso?

NÓS CONTRA ELES – O discurso político manipula, desde sempre, a retórica do antagonismo: “nós” contra “eles”. O conservadorismo atribui a “eles” uma coleção de vícios que contaminam a sociedade.

O populismo reivindica falar em nome do Povo (assim, com maiúscula), contra uma Elite (maiúscula, também) desalmada. Há “ódio” nessas retóricas clássicas? Guerra contra a “mentira” e o “ódio”. O que faria a Cármen de hoje diante da peça publicitária petista de 2014 em que Marina Silva foi graficamente acusada de retirar a comida da mesa dos pobres?

“A mentira é um insulto à dignidade do ser humano, um obstáculo para o exercício pleno das liberdades, um desaforo tirânico contra a integridade das democracias”, disse ela.

MENTIRA POLÍTICA – A passagem central do discurso de posse eleva a mentira à condição de inimigo existencial da democracia, descortinando uma latitude quase ilimitada para a ação judicial do TSE.

Mas a mentira é tão antiga quanto a política. As plataformas de redes sociais simplesmente aceleraram sua disseminação. O Brasil carece de legislação reguladora das redes, pois a Câmara engavetou um projeto de lei salpicado de temerárias imprecisões.

Com base em que lei a presidente do TSE conduzirá suas batalhas pela verdade? Cármen vai à guerra sem mapas ou GPS, armada apenas de sua santa indignação. Não é um bom plano.

11 thoughts on “Cármen Lúcia quer impugnar a mentira política, mas não traçou um bom plano

  1. “A mentira é um insulto à dignidade do ser humano, um obstáculo para o exercício pleno das liberdades, um desaforo tirânico contra a integridade das democracias”, disse ela.

    A promessa da picanha, por exemplo. Ou a passagem aérea de R$ 200,00 (ida e volta ?).

    Os “do nosso lado” continuarão protegidos ?

  2. Sr. Newton

    Perguntar não ofende

    Será que o chargista será mandado para a Prisão na Sibéria (com 40o graus negativo) por fazer charge com a Sinistra e atentar contra a bandidocracia, ops, errei, democracia.??

    Apesar de a charge ficar demais da conta…

    eh!eh!eh

    grande abraço.

  3. A ministra-chefe do Ministério da Verdade já dá o tom de como vai ser a perseguição daqueles que ousarem não seguir a cartilha que o ministério vai editar. Infelizmente para ela o povo é muito criativo, o governo já sabe que, mesmo com todo o esforço da Justiça Eleitoral vai ser arrasado nas urnas, mesmo com a ajuda inestimável de ministros do tipo Missão-dada-missão-cumprida.

  4. Matéria extensa, tal qual o rascunho da Bíblia, o extremista de esquerda encontrou um lugar no artigo para esculhambar Bolsonaro.
    Isto está parecendo ópera bufa, faz-se um artigo avacalhando o governo e coloca como cereja do bolo um coice de porco no Bolsonaro.

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