Hélio Schwartsman
Folha
Sou fã de Bruno Carazza desde os tempos em que ele mantinha um blog no qual tentava introduzir medidas objetivas para analisar questões de direito. É com satisfação, portanto, que o vejo agora envolvido no ambicioso projeto de escrever uma trilogia que atualiza “Os Donos do Poder”, o clássico de Raymundo Faoro, que mostrou como alguns estamentos sociais conseguem sequestrar o poder do Estado brasileiro para beneficiá-los.
O título da obra de Bruno é “O País dos Privilégios”, da qual acaba de sair o primeiro volume.
OS SERVIDORES – Neste tomo inicial, Bruno se debruça sobre o funcionalismo público. Esse livro teria potencial de ser um dos mais aborrecidos do mundo. O que Bruno faz essencialmente é comparar tabelas com rendimentos de servidores e outros dados que não despertam entusiasmo. Mas ele consegue transformar isso numa leitura interessante.
Eu exageraria se afirmasse que a obra se lê como um romance de Agatha Christie, mas o texto é agradável e prende a atenção. Até desperta algumas emoções no leitor, quando descreve as formas criativas pelas quais certos estamentos extraem benefícios da sociedade.
O número de funcionários públicos no Brasil não é exagerado –12%, bem menos que o registrado em algumas economias avançadas–, mas empenhamos em suas remunerações a formidável fatia de 13% do PIB, padrão só verificado nos países nórdicos.
MUITA DESIGUALDADE – A distribuição é, como tudo no Brasil, desigual. Enquanto funcionários municipais ganham em média menos que trabalhadores da iniciativa privada em funções semelhantes, grupos de elite do funcionalismo federal ganham bem mais, além de gozar de outros privilégios.
Estamos falando de juízes, membros do Ministério Público, fiscais de renda etc.
O livro não é uma diatribe contra servidores públicos. Bruno é muito cuidadoso ao lembrar que eles desempenham um papel importantíssimo na administração, que justifica alguns (mas não todos) os privilégios.
O primeiro livro que fala dos privilégios da elite de funcionários públicos agrada à elite privada. Vamos ver como serão as opiniões, quando os outros livros forem lançados e que tratam de privilégios privados.
Não tem como colocar no mesmo pacote servidores, que trabalham, e agentes políticos vitalícios e sem nenhum voto e com as chaves de todos os cofres e de todas as cadeias: juízes e promotores.
Até pouquíssimo tempo atrás um promotor era titular exclusivo da ação penal público e não havia meios para a vítima recorrer do seu esdrúxulo, ilícito e muitas vezes corrupto pedido de arquivamento. Hoje já é possível impugnar dentro da própria estrutura do MP. Mas ainda é muito insuficiente.
Advogar de forma séria e competente é um martírio com a extrema parcialidade e pessoalidade e com os compromissos e presentes de grandes escritórios para os juízes brasileiros. Julgam com extrema irresponsabilidade e causam os maiores prejuízos à economia e à sociedade.
Portanto, caberia uma produção mais aprofundada e focada no fenômeno dos verdadeiros donos do Estado, ditadores sem absolutamente nada no mundo que a eles se compare em arbitrariedade ilimitada: juízes e promotores brasileiros.