Faz sentido que Sérgio Cabral esteja solto e a cabeleireira Débora continue presa?

Sérgio Cabral posa com um drink em um restaurante do Rio - Metrópoles

Cabral curte o que restou dos R$ 300 milhões que roubou

J.R. Guzzo
Estadão

Esqueça por alguns instantes as suas posições, ideias ou crenças políticas e faça, caso estiver interessado, o teste de lógica comum sugerido nas linhas a seguir. Trata-se, basicamente, de comparar dois tipos de situação e dizer se faz nexo que os dois existam ao mesmo tempo.

Considere num primeiro caso, por exemplo, o fato de que o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi condenado a 400 anos de cadeia por corrupção a céu aberto, provada e confessa. Chegou a dizer, a um certo ponto, que roubava por ter compulsão por dinheiro. Cabral está solto para continuar a sua a vida em plena liberdade.

“PERDEU, MANÉ” – Considere, agora, o caso da cabeleireira Débora dos Santos, que está presa há um ano e meio por ter escrito “perdeu, mané”, com batom, na estátua da Justiça em Brasília. Ela é acusada, entre vários outros crimes, de “golpe de Estado”, “associação criminosa armada”, “abolição violenta do Estado de Direito” e dano contra o patrimônio da União com uso de “substância inflamável”. Débora não entrou em nenhum dos prédios invadidos na baderna do 8 de janeiro. Acaba de ter negado, pelo ministro Alexandre de Moraes, o seu terceiro pedido de soltura.

A pergunta do teste vai a seguir. Honestamente, sem levar em conta se você é a favor ou contra Bolsonaro, se é a favor ou contra Lula, ou se não é nenhuma das duas coisas: faz algum nexo, pelas regras elementares do pensamento racional, que Cabral esteja solto e Débora esteja presa?

Mais: ao negar pela terceira vez a soltura, o ministro alegou que Debora é pessoa de alta “periculosidade”. De novo, pela lógica mais rasa, quem é mais periculoso para a sociedade — o ex-governador ou a cabeleireira?

CONTANDO A PIADA – Digamos, agora, que você esteja contando essa história para um amigo estrangeiro. Vai se sentir à vontade para dizer que Cabral saiu da prisão, mas não foi absolvido de nada? Que a suprema corte de Justiça do seu país considera que um batom é “substância inflamável”? Que alguém possa dar um golpe de Estado pichando uma estátua de granito — e com uma frase dita e confirmada pelo presidente do STF?

Uma questão muito sugestiva que a comparação entre Cabral e Débora nos apresenta é qual o grau de respeito que o STF, o Ministério Público e os demais órgãos de repressão política do Brasil de hoje têm pela sua inteligência básica. Querem que você acredite, quando falam em “substância inflamável”, que a cabeleira poderia provocar um incêndio ou uma explosão numa escultura de pedra usando o seu batom.

Então: as autoridades acham que você é ou não é capaz de pensar?

ANISTIA DE TOFFOLI – Uma segunda parte do teste inclui questões que dizem respeito ao ministro Dias Toffoli e à corrupção, de um lado, e a discutida anistia para os presos e condenados do dia 8 de janeiro, de outro.

Toffoli vem anulando, um depois do outro, todos os processos de corrupção por atacado dos governos Lula-Dilma. Não falhou em nenhum caso até agora. Todo ladrão que bateu à sua porta, mesmo ladrão confesso, foi transformado em vítima, levou um atestado de bons costumes e recebeu de volta dinheiro roubado — as somas que tinha devolvido ao Erário e as multas que aceitou pagar para sair do xadrez. É a maior anistia para a corrupção que já se viu na história universal da roubalheira.

O mesmo STF de Toffoli e de Moraes faz saber que não admite em nenhuma hipótese a anistia para os barbeiros, encanadores e motoboys presos no dia 8 de janeiro. Suspeitam que Bolsonaro possa se beneficiar, embora ele não faça parte do processo — e têm certeza de que uma anistia para crimes que não foram cometidos, coisa jamais vista em lugar nenhum, vai ser um perigo para a democracia no Brasil.

OUTRA QUESTÃO – Faz sentido, de novo pela lógica de curso primário, que os corruptos que confessaram seus crimes sejam perdoados e que pessoas que não cometeram qualquer crime — salvo destruição de patrimônio da União — não possam receber perdão? Outra questão, no quesito “destruição de patrimônio público”: quem destruiu mais patrimônio comum — os corruptos anistiados por Toffoli ou quem violou as poltronas do STF?

O teste pode continuar por horas. Faz nexo dizer que alguém quis dar um golpe de Estado armado com estilingues? Faz nexo dizer que outro golpe foi provado com as “minutas” de um tenente-coronel do Exército — umas folhas de papel com divagações incoerentes sobre a possível aplicação de um “estado de sítio”, ou de “emergência?”

Faz nexo que os ministros julguem causas defendidas por escritórios de advocacia onde suas mulheres trabalham? É daí para o infinito.

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