Nery, um dos maiores mestres do jornalismo brasileiro
João Pedro Pitombo
Folha
Morreu na madrugada desta segunda-feira (dia 23) aos 92 anos o jornalista e escritor Sebastião Nery, deputado estadual cassado pela ditadura militar em 1964 e que se destacaria como um dos mais importantes cronistas políticos do Brasil. Político com mandatos na Bahia e no Rio de Janeiro, foi repórter e colunista de alguns dos principais jornais brasileiros, escreveu mais de uma dezena de livros e assinou a coluna Contraponto, na Folha, de 1975 a 1983.
Ele estava com a saúde debilitada havia cerca de quatro meses e morreu de causas naturais. A cerimônia de cremação será realizada das 8h às 10h desta terça-feira (24) no Cerimonial do Carmo, no bairro do Caju, no Rio de Janeiro.
NO SEMINÁRIO – Baiano nascido em Jaguaquara (340 km de Salvador), Nery iniciou seus estudos no Seminário de Amargosa e Seminário Central da Bahia. Na juventude, formou-se em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e em direito pela Universidade Federal da Bahia.
Começou a atuar como jornalista em Belo Horizonte e em 1954 disputou as eleições para a Câmara Municipal pelo PSB. Foi eleito, mas sua candidatura foi impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, que alegou que ele representava o então clandestino PCB (Partido Comunista Brasileiro).
Foi enviado em 1957 pelo Partido Comunista para Moscou, na União Soviética, para participar do Festival Internacional da Juventude. Ao voltar ao Brasil, retornou para Salvador, onde trabalhou nos jornais A Tarde e Jornal da Bahia e foi um dos fundadores do Jornal da Semana.
ELEITO DEPUTADO – Voltou à política em 1962, quando foi eleito deputado estadual na Bahia pelo MTR (Movimento Trabalhista Renovador). Exerceu o mandato por pouco mais de um ano até ser preso em 31 de março de 1964, dia em que eclodiu o golpe militar. Foi cassado pela Assembleia Legislativa em 28 de abril.
Deixou a cadeia em agosto de 1964 e conseguiu reassumir o mandato após decisão do Tribunal de Justiça da Bahia. Mas voltaria a ser cassado em dezembro e teria os direitos políticos suspensos em 1965. Foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar, mas não conseguiu retomar o mandato.
Deixou a Bahia para trabalhar no Rio de Janeiro, onde atuou no Diário Carioca, TV Globo, Tribuna da Imprensa e Correio da Manhã. Foi processado com base na Lei de Segurança Nacional em 1972 após associar o então o primeiro-ministro de Portugal, Marcelo Caetano, a Adolf Hitler e Benito Mussolini, mas acabou sendo absolvido.
CONTRAPONTO – A partir de 1975, passou a assinar coluna Contraponto, na Folha, na qual se destacou por contar bastidores e casos folclóricos da política brasileira. Permaneceu no jornal até 1983. Na mesma época, também atuou em um programa de comentários políticos na TV Bandeirantes e publicou os quatro livros da série Folclore Político, com crônicas e histórias da política nacional.
Voltou a ter uma atuação política em 1979, quando sob a liderança de Leonel Brizola tentou refundar o PTB. A legenda acabou ficando nas mãos de Ivete Vargas e Nery se uniu a Brizola na fundação do PDT. Foi secretário da executiva nacional do partido.
Em 1982, foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro com 111.460 votos na mesma eleição em que Brizola foi eleito governador. Na Câmara dos Deputados, foi relator da CPI que investigou o endividamento externo brasileiro e foi um dos parlamentares favoráveis à derrota da emenda Dante de Oliveira, que previa o retorno das eleições diretas para presidente.
BRIGA COM BRIZOLA – Foi expulso do PDT em 1985 após divergências com Brizola. Filiou-se ao MDB e foi candidato a vice-prefeito do Rio em 1985 na chapa encabeçada por Rubem Medina, do PFL. Ambos foram derrotados. Concorreu a um novo mandato na Câmara no ano seguinte, mas não foi reeleito.
Nas eleições presidenciais de 1989, foi um dos assessores de Fernando Collor de Melo. Após a vitória do alagoano nas urnas, foi nomeado adido cultural em Roma e em Paris. Afastado dos mandatos eletivos, voltou a atuar no jornalismo como colunista da Tribuna da Imprensa.
Em sua trajetória como jornalista, escreveu livros como “Sepulcro caiado: o verdadeiro Juraci”, “Socialismo com liberdade”, “16 derrotas que abalaram o Brasil”, “A história da vitória: porque Collor ganhou” e “A eleição da reeleição”. Em 2010, recontou a sua trajetória no livro “A Nuvem”, lançado pela Geração Editorial. Quatro anos depois, lançou o livro “Ninguém me contou, eu vi”, com histórias de seis décadas da política brasileira, entre os governos Getúlio Vargas e Dilma Rousseff.
Sebastião Nery era viúvo e deixa três filhos: Jacques, Sebastião e Ana Rita.
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Releia o último artigo de Nery aqui na Tribuna, sobre Antônio Carlos Magalhães
HISTÓRIAS DO CACIQUE ACM QUE DEIXARAM DE SER CONTADAS
ACM mandou na Bahia durante 40 anos
Sebastião Nery
Em 1952, Antônio Carlos Magalhães, médico sem medicina, funcionário sem função da Assembleia Legislativa da Bahia (“redator de debates”) e repórter político do jornal “O Estado da Bahia” na Assembleia, ficou furioso com um discurso do líder do PSD criticando o ex-interventor e líder da UDN no Estado, Juracy Magalhães, e gritou:
– Cala a boca, idiota!
Perdeu o emprego e ganhou a proteção de Juracy, amigo de seu pai, o médico e ex-deputado Francisco Magalhães, e de seu padrinho, o reitor da Universidade Federal Edgard Santos. Em 1954, Juracy o pôs na chapa para deputado estadual. Não se elegeu, ficou como primeiro suplente.
ELEIÇÃO SUPLEMENTAR – Mas naquele tempo havia “eleição suplementar” sempre que, por algum motivo, não se realizava em algum município. Antonio Balbino, o governador eleito pelo PTB, com a UDN e uma dissidência do PSD, forçou a barra e garantiu a eleição de Antonio Carlos na “eleição suplementar”.
Antonio Carlos chegou à Assembleia e virou “líder da oposição” de mentirinha ao governo de Balbino. O líder do governo era Waldir Pires, do PTB-PSD. Em 1958, Antonio Carlos e Waldir se elegeram deputados federais. Antonio Carlos pela UDN, Waldir pelo PSD. Waldir eleito por Balbino. Antonio Carlos por Juracy e por Balbino, a quem sempre chamou de “patrão”.
LACERDA COBROU – Na Câmara, embora da bancada da UDN, liderada por Carlos Lacerda, que agressivamente combatia Juscelino, logo Antonio Carlos se tornou amigo de infância de JK, com direito a poderes federais na Bahia. Lacerda cobrou:
– Soube que você esteve ontem em segredo com o Juscelino.
– Estive com ele, sim, às 11 horas. E o Magalhães Pinto esteve às 7:30.
Em 1961, na Câmara, o deputado Tenório Cavalcanti, seu colega da UDN do Rio, atacava o ex-ministro da Educação de Dutra e ministro da Fazenda de Jânio, o baiano Clemente Mariani, dono do Banco da Bahia. ACM o aparteou: “V. Excia pode dizer o que quiser, mas na verdade o que V. Excia é mesmo é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão.
“VAI MORRER AGORA” – Tenório sacou um revólver:
– Vai morrer agora mesmo!
– Atira!
Nem Tenório atirou nem Antonio Carlos morreu.
Dez anos depois, em 1972, Antonio Carlos, governador nomeado da Bahia, soube que o banqueiro Clemente Mariani, pressionado por Delfim Neto, ia vender o Banco da Bahia ao Bradesco. Chamou Mariani ao palácio:
– Doutor Mariani, isso é ruim para a Bahia. Se o senhor quer vender o banco, o Estado compra pelo preço que o senhor vai vender.
– Não, Antonio Carlos. Não vou vender. Você acha que eu teria condições de vender o Banco da Bahia e me enterrar na Bahia?
VINGANÇA DE ACM – No dia 2 de julho de 1973, Antonio Carlos voltava da parada da Independência da Bahia, o advogado Prisco Paraíso lhe telefonou do Rio comunicando que o Banco da Bahia tinha sido vendido ao Bradesco. O governador chegou ao palácio, fez um decreto desapropriando a casa de Clemente Mariani e transformando-a numa escola para excepcionais.
Não era uma casa qualquer. Era um belo latifúndio urbano, no alto do morro da Barra, por cima da praia da Barra. O mundo quase veio abaixo. Mariani era o dono da Bahia. Recorreu à justiça, que manteve a desapropriação, “por interesse e utilidade pública”.
NÃO COMETA O ERRO – Em 1967, presidente estadual da Arena, Antonio Carlos foi nomeado prefeito de Salvador. Eu cassado, encontrei-o no hotel Califórnia, no Rio:
– Antonio Carlos, você é jovem (40 anos), não cometa o erro de Juracy, que quis fazer da Bahia uma Capitania Hereditária e não fez nem o sucessor.
– Pois vou fazer mais do que ele fez. Juracy mandou 30 anos na Bahia, de 1932 a 1962. Vou mandar 40 anos. (Mandou de 1967 a 2007).