Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
Vale o arcabouço fiscal, declarou o ministro Fernando Haddad nesta semana, depois de algumas reuniões com Lula. Não foi fácil. Precisou o dólar bater em R$ 5,70 para o ministro impor ao governo uma espécie de renascimento de sua agenda. Há várias interpretações para o episódio. O arcabouço fiscal, como lembrou Haddad, está fixado em lei complementar desde agosto do ano passado.
Que fosse preciso reiterar isso, quase um ano depois, demonstra que o mercado tinha razão quando desconfiou que o governo Lula, a começar pelo presidente, pretendia driblar as regras do arcabouço para gastar sem limites.
BOLETIM FOCUS – Essa descrença é recente. Há algumas semanas, o Boletim Focus, editado pelo Banco Central, mas resumindo as opiniões dos analistas de fora do governo, previa um cenário positivo para este e para o próximo ano: inflação em queda, juros idem e o dólar, imaginem, estável em R$ 5 até 2026.
Com base nesse cenário, os investidores fizeram suas apostas. Não são bem apostas, mas aplicações financeiras com base em dados e expectativas, com o objetivo de preservar o capital e obter lucros. Não são especulações no vazio. Têm ligação com a economia real.
Se o país crescerá com inflação baixa e ganhos de renda, então o varejo venderá mais. Logo, comprem-se ações das companhias varejistas. De modo mais amplo, se a economia vai bem no presente e tem boas perspectivas para a frente, as empresas ganharão dinheiro. Logo, a Bolsa de Valores é um bom local para colocar seu dinheiro.
HAVIA CONFIANÇA – A atuação do governo, claro, constitui elemento fundamental na formação dos cenários. O governo Lula começou sob certa desconfiança, que se dissipou quando foi aprovada a lei do arcabouço fiscal, prevendo déficit zero nas contas públicas já neste ano. Houve críticas ao modelo, que busca equilíbrio das contas mais pelo aumento da receita que pelo controle de gastos. Mas, tudo bem, pelo menos havia uma meta de equilíbrio fiscal. Mesmo não chegando ao déficit zero, haveria alguma redução no tamanho do buraco.
Como mostrou o economista Marcos Lisboa em artigo na Folha, o cenário implícito nos investimentos dos fundos multimercado, onde se fazem as tais apostas, era de confiança na política econômica. O mercado comprava alegremente papéis que pagavam juros de 5,5% acima da inflação. Lógico, se juros e dólar cairiam.
Danaram-se. Deu o contrário, os fundos multimercado perderam dinheiro. Foram punidos por acreditar na política econômica oficial.
TUDO MUDOU – As expectativas começaram a mudar quando, primeiro, o governo não obteve as receitas necessárias. Segundo, quando continuou gastando. Terceiro, quando anunciou que se não pudesse cumprir a meta de déficit zero, azar. Fica para o próximo ano. O arcabouço não vale, tal era a mensagem.
Aí vem o quarto fator: as falas de Lula atacando o mercado e o Banco Central pela alta moderada do dólar e dos juros futuros. Moderada até então, pois o presidente conseguiu jogar o real ainda mais para baixo.
O presidente e seu pessoal deveriam entender. Se o ambiente financeiro piora com a alta de dólar e juros, de onde tiraram que o mercado queria isso? Os diretores do BC nomeados por Lula obviamente sabiam que os fundos multimercado perdiam dinheiro. Não disseram isso a ele? E Haddad, não via ou não conseguia ser ouvido?
ELES ACREDITAVAM – Resumo: o mercado acreditou que o arcabouço valia e se colocou conforme essa crença; o próprio governo começou a desmoralizar o arcabouço; déficit em alta implica juros mais elevados; desajuste fiscal e ambiente nervoso levaram à alta do dólar e à perspectiva de subida da inflação.
Depois de suadas reuniões, Haddad declara: vale o arcabouço. O tal mercado reage de primeira: cai o dólar, a Bolsa dá um respiro, os juros futuros começam a se acomodar. Sinal óbvio de que o mercado não queria, nem ganhava com o ambiente de descrença na política econômica.
Como fica? Há um alívio, mas condicional. Depende de o governo efetivamente fazer os cortes de gastos que o ministro Haddad diz que serão feito.