William Waack
Estadão
A briga desnecessária com Israel estragou a festa de presidir o G-20, mas é provável que o presidente considere que “avançou”. Faz sentido dentro da visão de mundo que orienta sua política externa personalíssima, segundo a qual a hegemonia americana explica pobreza, desigualdade, injustiças, guerras (como a de Gaza) e assim por diante, incluindo a Lava Jato.
MAIS UM VETO – Nessa ordem das coisas, Israel é visto como preposto de Washington, e suas ações poderiam ser inibidas se os americanos quisessem. Como comprovação, está aí mais um veto dos EUA a uma resolução de cessar fogo em Gaza no Conselho de Segurança da ONU. Cuja reforma, repete Lula, traria mais “governança” ao mundo e incluiria mais “pobres”.
Fora os problemas trazidos pelo ranço ideológico (o antiamericanismo de grêmio estudantil), a questão conceitual que escapa a Lula se refere à natureza das relações de poder entre as grandes potências. Goste-se ou não disso, é o equilíbrio e a acomodação entre elas, de forma pacífica ou não, que impõe e garante algum tipo de ordem.
Nas palavras de Robert D. Kaplan no recente e provocativo “The Loom of Time” (O Tear do Tempo), estamos entre “império” ou “anarquia”.
EMBATE MONUMENTAL – Esse jogo de palavras não pode ser tomado em sentido literal, mas expressa o fato de que o declínio relativo de uma potência hegemônica (os Estados Unidos) leva a um mundo multipolarizado, instável, desordeiro, imprevisível e muito mais perigoso.
Portanto, não se deve esperar paz, prosperidade e estabilidade a partir de “poderes de governança” atribuídos a uma instância como a ONU (que nunca foi um governo mundial), ou “democratizando” outros organismos multilaterais como FMI ou Banco Mundial.
As definições virão do monumental embate geopolítico em curso, que já impõe novas alianças, reformula as velhas, entrelaça em alto grau de complexidade questões financeiras com transição energética, abala cadeias produtivas, reforça o protecionismo verde (que nos atinge fortemente).
NOVA ORDEM – Nessa “anarquia”, produzida enquanto a “velha ordem” é destruída, o Brasil surge como potência regional média de pouca capacidade de projeção de poder. Somos dependentes de mercados de exportação que estão de um lado da linha divisória do grande embate, e de países fornecedores de insumos e tecnologia moderna do outro lado.
Temos grandes vantagens: a geografia nos mantém afastados dos piores conflitos e somos centrais na transição energética.
Dizia o velho cínico imperialista Ted Roosevelt que o essencial nas relações de poder internacionais era falar suave e brandir um poderoso porrete. Lula faz o contrário.