Bruno Soller
Estadão
“Quem acrescenta coisas à verdade está a diminuí-la” é um ensinamento judaico escrito no Talmude, que cabe muito bem à irresponsável fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro da cúpula da União Africana, na Etiópia, em que comparou as ações de guerra promovidas por Israel contra o grupo terrorista Hamas ao holocausto sofrido pelo povo judeu, um dos episódios mais abomináveis da história da humanidade, que culminou na morte de 6 milhões de pessoas.
Não bastassem os efeitos diplomáticos, que vão na contramão da posição histórica do Itamaraty, Lula não só convidou para o ringue a pequena, porém influente comunidade judaica brasileira, mas também uma grande parcela de um público, que o governo buscava se aproximar e que é repelido pela desastrosa declaração: o evangélico.
LIGAÇÕES PRÓXIMAS – Qualquer pessoa que fizer uma breve incursão em uma comunidade brasileira e olhar com atenção para os altares das mais diversas Igrejas evangélicas, com absoluta certeza, enxergará em boa parte delas uma bandeira de Israel.
A associação dos evangélicos com a Terra Prometida é grande e tem raízes teológicas profundas. Muitas Igrejas, principalmente as neopentecostais, seguem boa parte dos rituais do Antigo Testamento da Bíblia Cristã, que é basicamente a Torá Judaica.
Jesus Cristo era judeu e a diferença básica entre o cristianismo e o judaísmo é que aqueles que creem em Jesus, o enxergam como o Messias, o legítimo filho de Deus. Para os judeus, Jesus foi um importante profeta, mas não o Salvador. Para os cristãos existe um Novo Testamento a partir de Cristo e é aí que se diferenciam as religiões.
A MESMA ORIGEM – A pregação de todo o Antigo Testamento, entretanto, é a mesma e os profetas que antecederam Jesus são também cultuados pelos cristãos. Uma das mais importantes seitas evangélicas brasileiras, a Igreja Universal do Reino de Deus, tem como sua catedral uma réplica perfeita, instaurada no centro da capital paulista, do Templo de Salomão.
O bispo Edir Macedo, líder da IURD, foi o responsável por construir essa casa de orações que remete a Salomão, filho de Davi, o Rei de Israel, considerado um dos homens mais sábios e justos de toda a história bíblica.
O próprio bispo apareceu em público, na inauguração do Templo, utilizando-se do quipá, um chapéu diminuto, utilizado pelos judeus, que simboliza o temor a Deus sobre a cabeça, e do talit, o xale das orações.
LIGAÇÕES PRÓXIMAS – Essa relação entre evangélicos e Israel ultrapassa as fronteiras brasileiras. Nos Estados Unidos houve uma verdadeira comoção por parte dos líderes cristãos quando Donald Trump anunciou a mudança da embaixada americana para Jerusalém.
Uma pesquisa da Pew Research mostrou que 82% dos WASPs, sigla para caracterizar os protestantes brancos, acreditam que Deus cedeu Israel ao povo judaico, número superior ao dos próprios judeus. Não à toa, esse público foi considerado a base mais fiel eleitoral de Trump na sua tentativa de reeleição.
A ascensão do protestantismo é a grande mudança de perfil sociológico que o Brasil experimentou nos últimos 35 anos. Em 1989, quando da primeira eleição para presidente da República após a ditadura militar, eram apenas 9% os brasileiros que se diziam evangélicos. Hoje, mais de 1/3 da população brasileira se declara desta fé.
FRENTE PARLAMENTAR – A proliferação evangélica é visível e sentida, seja na quantidade de novas Igrejas que surgem, seja na própria disseminação de conteúdo religioso nos meios de comunicação. O Congresso Nacional, por exemplo, tem, hoje, 132 deputados federais e 14 senadores que compõem a Frente Parlamentar Evangélica.
Sabedor de sua dificuldade com o público evangélico, depois do bolsonarismo ter chegado ao poder, Lula emitiu durante o segundo turno das eleições presidenciais uma carta aos evangélicos. Nela, reforçava o respeito à liberdade de culto e desmentia a ideia de que perseguiria e fecharia templos religiosos.
Para Lula, resta se redimir. Se quiser ainda dialogar com essa importante fatia do eleitorado brasileiro, o presidente precisará antes de mais nada assumir seu erro, se mostrar falho, para a partir daí ter a possibilidade de reconquistá-los.