
Moraes afirmou que a Justiça não pode se curvar
Pedro do Coutto
“Impunidade não é opção para pacificação” — assim ecoou, com declarado peso institucional, a leitura da denúncia que o ministro Alexandre de Moraes realizou contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete outros integrantes do denominado “núcleo crucial” da trama golpista. Não se tratou apenas de uma abertura formal de julgamento, mas de um ato simbólico que marcou a disposição do Supremo Tribunal Federal de responder de forma inequívoca à afronta contra a ordem democrática.
A sessão, iniciada em clima de tensão e expectativa, não apenas inaugurou o processo judicial, mas projetou um momento histórico: pela primeira vez, a mais alta Corte do país se debruça sobre uma acusação explícita de tentativa de golpe contra um governo eleito, exigindo da magistratura firmeza e serenidade em igual medida.
DIVISOR DE ÁGUAS – Esse gesto, na prática, funciona como um divisor de águas. Até aqui, a narrativa de que a democracia brasileira seria resiliente se apoiava sobretudo na resistência das instituições diante das pressões políticas e militares que se acumularam ao longo do último governo. Agora, o que está em pauta não é mais apenas resistir, mas punir.
A abertura do julgamento traduz a transição de uma fase de contenção para outra de responsabilização, deixando claro que a democracia não pode viver de improvisos permanentes: precisa mostrar que possui anticorpos jurídicos capazes de neutralizar tentativas de ruptura. Moraes, ao ecoar a frase que já circula como síntese de sua posição, sinalizou que o Supremo não se furtará a exercer esse papel.
Há, ainda, uma dimensão simbólica que vai além dos tribunais. Quando a sociedade escuta de um ministro da Suprema Corte que a impunidade não é compatível com a pacificação nacional, o que se transmite é uma mensagem de estabilidade e previsibilidade — valores indispensáveis num país que enfrenta uma sucessão de crises políticas e sociais.
REEDUCAÇÃO – A justiça, nesses casos, não é apenas um mecanismo punitivo: é também pedagógica, no sentido de reafirmar que certos limites não podem ser transpostos sem consequências. O julgamento, nesse sentido, assume também a função de reeducar a esfera pública, lembrando a todos que o pacto democrático exige vigilância e punição proporcional a quem dele se afasta.
Por fim, o impacto desse julgamento se estende às gerações futuras. O registro histórico que se forma agora será, inevitavelmente, consultado por estudiosos, magistrados, políticos e cidadãos que buscarem compreender como o Brasil lidou com um de seus momentos mais desafiadores desde a redemocratização. A frase de Moraes, já cristalizada como marca retórica de sua atuação, ecoará não apenas nos autos do processo, mas também na memória coletiva.
O Supremo, ao se debruçar sobre a responsabilidade de um ex-presidente e de seus aliados, não apenas julga indivíduos, mas redefine o próprio significado de governabilidade e de respeito às instituições. É esse peso histórico que torna cada palavra e cada decisão desse julgamento muito mais do que atos processuais: são afirmações de princípios que sustentarão — ou fragilizarão — a democracia brasileira nas próximas décadas.