Jorge Béja
O edito que o ministro Dias Tóffoli baixou, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando a instauração de inquérito para responsabilizar quem ofende o STF e seus ministros, tem dado o que falar. E a falação é sempre contra. E quem se destaca nos comentários e análises é o jurista Ayres Brito, ministro aposentado e que já presidiu o STF. Vamos aqui abordar o assunto da maneira mais didática possível, para facilitar a compreensão dos leigos na matéria.
Que o STF e alguns de seus ministros têm sido atacados em sua honra, isso tem. Isso é verdade. Se lê, se ouve e se vê, na mídia em geral, tratamentos e acusações pesadíssimos e que fariam Dercy Gonçalves corar de vergonha, se viva fosse. São palavrões escabrosos e medonhos, lançados contra a Corte e certos ministros. Numa dimensão de tal ordem que ultrapassa o direito à crítica, à informação e à livre manifestação do pensamento, constitucionalmente a todos assegurados.
HÁ UMA DIFERENÇA – Mas só cabe ao presidente Dias Tóffoli tomar providências em defesa da honra da instituição, o Supremo. Contra seus ministros, não. É destes – e não da presidência do STF – o direito de agir contra os ofensores. É um direito personalíssimo, individual, pessoal e intransmissível que toca apenas ao(s) ministro(s) ofendido(s). Direito que não pode ser exercitado pela presidência da Corte.
Aí está o primeiro erro no edito que Toffoli baixou, determinando a instauração de inquérito para investigar tudo: ofensas ao STF e a seus ministros. O segundo erro foi designar um outro ministro, no caso Alexandre de Moraes, para “presidir” o inquérito. O tal inquérito que Tóffoli mandou abrir só pode ser inquérito policial. Administrativo é que não é. E inquérito policial só pode ser presidido por autoridade judiciária: delegado de polícia, portanto. Magistrado não preside inquérito policial. Magistrado preside e julga a ação penal.
MAIS UM ERRO – O terceiro erro que marca o edito do ministro Tóffoli reside no fato dele se valer do artigo 43 do Regimento Interno (RI) do STF. Este artigo, que se encontra no título “Da Polícia do Tribunal”, refere-se a infração penal cometida “na sede ou dependência do Tribunal” e os fatos que para Tóffoli justificam a abertura de “inquérito” não foram cometidos dentro do prédio da Corte, mas fora.
O correto seria o presidente do STF oficiar à chefia da Polícia Federal (PF) ou do Ministério Público Federal (MPF), narrar o(s) fato(s) e, se possível, desde logo comprovando-o(s), para que a PF ou o MPF instaurasse inquérito policial para instruir futuro oferecimento de denúncia contra o(s) indiciado(s).
Importante observar que tanto o inquérito quanto a denúncia, obrigatoriamente, só poderiam ter como foro competente a Justiça do lugar, do domicílio do(s) indiciado(s). Exemplo: se a ofensa partiu de um site, ou blog ou publicação gerado na cidade pernambucana de Exu, só o Juiz Criminal de Exu teria competência territorial para julgar a ação penal que vitimou o STF.
NULIDADES – E tal como posto no edito de Toffoli, é Alexandre de Moraes quem preside o inquérito e será ele – e seus pares – quem julgará o indiciado. Mas como julgar sem que o MPF ofereça denúncia? Daí se conclui que tudo o que está sendo feito é nulo de pleno direito. São nulidades insanáveis, uma atrás da outra, por isso a chefia da Procuradoria-Geral da República já pediu o arquivamento do “inquérito policial” presidido por Alexandre de Moraes, que indeferiu o pedido.
Já no tocante ao direito de reagir de um ministro ofendido, peço licença a Ayres Brito para dele discordar quando disse, reiteradas vezes, à GloboNews que, se o MPF não oferecer denúncia, o destino do inquérito é o arquivamento.
Não, ministro Ayres Brito. Se ministro do STF, que foi ofendido por publicação originária, da comarca de Exu – aqui mencionada meramente como exemplo –, representa ao MPF e este queda inerte, nada faz, ou no final da investigação não oferece denúncia, aí o ministro ofendido passa a ter o direito, dele próprio, junto ao juiz criminal de Exu, apresentar petição solicitando seja iniciada a chamada Ação Penal Pública Subsidiária. Isto porque o Ministério Público, acionado pelo ministro, nada fez. Ou fez e ao final não ofereceu denúncia contra o ofensor.
OUTRO CAMINHO – Além desse caminho jurídico (Ação Penal Pública Subsidiária) o ministro também tem ao seu alcance outro caminho legítimo e legal para responsabilizar e punir seu ofensor. É a queixa-crime. Ele próprio, o ministro, peticiona ao juiz criminal de Exu e apresenta queixa-crime. O próprio ministro pode assinar a petição. Nem precisa de advogado.
Quem diz isso não é este articulista, mas o Direito Sumular e o Código de Processo Penal. A conferir:
“Súmula 714 do STF – É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.
“Artigo 100, parágrafo 3º do Código Penal – A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal”.
DAS TRÊS, UMA – Para finalizar: das três, uma: ou Dias Tóffoli revoga o edito que baixou. Ou Alexandre de Moraes arquiva o inquérito, que sem poder e legitimidade, ele próprio preside. Ou Moraes envia os autos à Polícia Federal ou ao Ministério Público Federal.
E no caso de já haver identificado e localizado quem cometeu tamanhas ofensas contra o Supremo Tribunal Federal, que os autos sejam encaminhados à promotoria pública da localidade onde a matéria ofensiva foi gerada, ou publicada, visto que somente o juiz criminal da localidade detém a competência territorial para julgar eventual ação penal, ainda que a parte ofendida seja o STF como instituição (art. 70 do CPP).