
Charge do Ivan Galvãi (Arquivo do Google)
Pedro do Coutto
A queda de 32% no número de empregos formais entre julho de 2024 e julho de 2025, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, acende um sinal de alerta sobre a vitalidade do mercado laboral brasileiro. Embora o saldo acumulado do ano ainda seja positivo, o recuo registrado em julho — o pior desde 2020 — revela o esgotamento de um ciclo de expansão e a dificuldade do país em sustentar a formalização em um cenário de desaceleração econômica.
O desaquecimento atingiu todos os setores, com destaque para a construção civil, que sofreu retração próxima a 50% no saldo de vagas, e reforça a percepção de que o dinamismo que marcou a recuperação pós-pandemia está perdendo força. Se por um lado os dados oficiais ainda mostram geração líquida de mais de 1,3 milhão de postos no acumulado do ano, por outro, a realidade da informalidade desponta como uma chaga estrutural.
SEM PROTEÇÃO – Estima-se que mais de 40% da população ocupada esteja em atividades sem proteção trabalhista, previdenciária ou sindical, número que, de acordo com algumas projeções, já supera em proporção a própria força de trabalho formalizada. A consequência é imediata: ausência de contribuição previdenciária, renda instável e trabalhadores à margem da rede de proteção social.
No médio e longo prazo, esse processo pode se converter em uma bomba-relógio previdenciária, pois milhões de brasileiros chegarão à velhice sem condições de acessar aposentadoria digna, transferindo ao Estado e à sociedade um passivo social de enormes proporções.
Essa realidade, contudo, não se distribui de forma homogênea. Dados do Ipea mostram que mulheres negras enfrentam taxas de subutilização acima de 30%, enquanto homens brancos registram índices próximos a 19%. A interseccionalidade de raça e gênero agrava desigualdades históricas, impondo barreiras adicionais ao acesso ao trabalho decente.
“UBERIZAÇÃO” – Além disso, a expansão do trabalho em plataformas digitais e a chamada “uberização” intensificam o fenômeno da pejotização e da perda de direitos, criando um ambiente no qual a lógica de flexibilidade empresarial se sobrepõe à proteção do trabalhador.
Diante desse quadro, especialistas apontam três caminhos urgentes. O primeiro é a adoção de políticas de incentivo à formalização, como simplificação tributária e fortalecimento do regime de microempreendedores individuais, capazes de oferecer uma porta de entrada para milhões de informais. O segundo é o redesenho da proteção social, incorporando trabalhadores por conta própria e de plataformas a um sistema contributivo mais flexível e adaptado às novas realidades do trabalho.
Por fim, o investimento em educação e qualificação profissional continua a ser o instrumento mais eficaz de longo prazo para romper o ciclo de precariedade e ampliar as oportunidades de mobilidade social.
PROBLEMA ESTRUTURAL – O Brasil vive, portanto, um momento de encruzilhada. A queda recente nos empregos formais não pode ser interpretada como um fenômeno conjuntural isolado, mas como parte de um problema estrutural que vem se arrastando há décadas: a incapacidade de consolidar um mercado de trabalho robusto, inclusivo e capaz de garantir renda estável à maioria da população.
Se não houver ação coordenada do Estado, das empresas e da sociedade civil, o país corre o risco de perpetuar uma contradição perversa — crescimento econômico acompanhado de precariedade laboral, desigualdade e desproteção social. O desafio está posto, e dele dependerá não apenas a solidez da economia, mas também a coesão social das próximas gerações.