
Ilustração de Ricardo Cammarotta (Folha)
Luiz Felipe Pondé
Folha
Há um vírus no ar acometendo nossa liderança: o vírus da delinquência. O país vive em estado constante de medição do tamanho do pau por parte de muitos dos mandatários em exercício nos Três Poderes da República. Isso é mau sinal.
A gangue bolsonarista —batedores de carteira— continua atuando de forma a buscar uma perversão institucional do país. Uma tragédia porque transforma qualquer crítica à gangue petista — profissionais do ramo— numa suspeita de cumplicidade com o desprezo pela ordem constitucional do Brasil.
LULA PERDIDO – Sabe-se que o Lula 3 está perdido. Suportar o novo riquismo em casa é uma empreitada que esgota qualquer um. O Executivo Federal se afoga na incapacidade de governar. A geopolítica brasileira tornou-se ridícula. Alunos do centro acadêmico das ciências sociais talvez sejam mais maduros do que quem toca a diplomacia brasileira, brincando de medir o pau com o “big brother”.
O legislativo, casa de arruaceiros. A imagem que se tem deles, ou, pelo menos parte deles —escapando aqui de generalizações grosseiras— é de que sempre o que vem em primeiro lugar são suas “emendas” que garantem seus currais eleitorais.
Mesmo no debate sobre o papel de exercer freios e contrapesos ao STF, o Senado vai da pura arruaça à irresponsabilidade total de deixar um poder tão poderoso quanto o STF sem qualquer checagem dos limites da sua atuação e impacto na sociedade. Enfim, todo mundo tem rabo preso.
CONTAMINADOS – A entrada de elementos do STF no grupo de contaminados pela delinquência é muito grave. E, neste caso específico, se vê como a delinquência generalizada tomou conta do país, ameaçando mesmo a segurança financeira dos cidadãos, quando um juiz do STF destrói a confiança nos bancos para defender um colega.
Bolsonaristas torcem por uma invasão americana. Não estão nem aí para o fato que essa torcida reforça a ideia de que Bolsonaro sempre teve a intenção de furar o bloqueio constitucional do país. Quanto mais forçam a barra, mais entregam o Brasil e seu indefeso povo nas mãos de juízes do STF que marcham com fervor em direção aos excessos no exercício do seu já enorme poder.
O ministro Alexandre de Moraes já manda e desmanda no país. Estamos à mercê dos seus humores. Agora, o ministro Flávio Dino, num espasmo provinciano, entra em campo devastando a segurança das pessoas que buscam garantir sua vida financeira.
IMENSA INDIFERENÇA – Alguém acha que despachos nacionais têm mais força do que o “big brother”? Que tal se os americanos derrubarem toda a rede?
O que isso tudo revela é a imensa indiferença para com o país que emana de Brasília em relação ao país. O STF hoje manda e desmanda no país e não está nem aí para o que pode acontecer com os brasileiros.
Tomam decisões de costas para o país real e voltados para seus magistrais umbigos. Adquiriram os maus hábitos de quem faz política no Brasil. Uma classe, quase na sua totalidade, indiferente aos destinos do país.
TRAIÇÃO INTELECTUAL – Uma tragédia particular é o fato que não podemos contar com os profissionais que supostamente deveriam nos ajudar a refletir sobre essa catástrofe institucional que se abate sobre nós.
Vivemos a nossa experiência histórica particular de traição dos intelectuais, como dizia o filósofo judeu francês Julien Benda (1867-1956).
Benda diagnosticou a traição dos intelectuais na sua obra “A Traição dos Intelectuais” de 1927, como sendo o equívoco daqueles profissionais das letras e do pensamento que se convertiam ao nacionalismo, ao fascismo e ao comunismo de então, abandonando a tentativa de compreender o mundo e a sociedade para além das suas crenças ideológicas.
DIANTE DE NÓS – Essa traição acontece hoje no Brasil diante dos nossos olhos. A classe que trabalha com o pensamento público atua de forma apaixonada por um dos lados da delinquência nacional.
Ou babam de paixão pelo “time bolsonarista” ou pelo “time PT-STF”.
Esta é a forma específica de manifestação da doença nacional —a irresponsabilidade generalizada— que assola aqueles que deveriam assumir a liderança da tentativa de encontrar uma saída para o impasse em que nos encontramos.
CAPACIDADE DE AVALIAÇÃO – Quando o intelecto se submete a crenças, perde sua capacidade de avaliação da realidade.
A sociedade crê que enquanto sua maioria labuta com a matéria no seu dia a dia, uma pequena minoria labuta com o espírito para que não sejamos uma espécie ainda mais cega do que já somos.
As instituições não andam bem. Situações como essas geram crise de representatividade e o homem hobbesiano, sempre à espreita porque ele é nossa mais íntima alma política, ameaça desperta do sono dogmático da fé pública.