Anistia em xeque: STF considera projeto inconstitucional e cenário político se intensifica

O juízo da História, com Bolsonaro no banco dos réus

Moraes deixou claro que o STF não cederá a intimidações externas

Pedro do Coutto

O julgamento de Jair Bolsonaro e de mais sete apoiadores no Supremo Tribunal Federal iniciou-se como um dos momentos mais decisivos da democracia brasileira. A acusação é grave: uma trama golpista que, segundo documentos e delações, previa impedir a posse de Lula em 2023 e até atentar contra autoridades como o próprio presidente, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.

Como era esperado, a defesa optou pela tese da negação absoluta, alegando que nada do que se narra de fato ocorreu. Porém, essa estratégia esbarra na dureza dos fatos. Minutas de golpe, depoimentos como o de Mauro Cid e provas documentais tornam insustentável a versão de que tudo não passou de imaginação. Quando a realidade se impõe, a negação vira contradição.

RECADO – Moraes, ao abrir os trabalhos, deixou claro que o STF não cederá a intimidações externas, enviando um recado direto a Eduardo Bolsonaro, que buscou apoio em Donald Trump e até aventou sanções contra o ministro.

O movimento foi visto como um desastre político, uma demonstração de desespero que beirou o absurdo. Afinal, o que se pretendia? Uma intervenção armada americana em solo brasileiro? A resposta é óbvia: não havia nem condições materiais nem legitimidade internacional para tamanho disparate. A tentativa de instrumentalizar pressões externas apenas reforçou a postura firme da Corte em defesa da soberania nacional.

Enquanto isso, no Congresso, ganha fôlego a discussão sobre uma anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Bolsonaro defende a medida como atribuição do Legislativo. Porém, o máximo que se pode esperar é algum abrandamento de pena em casos específicos, como o do tenente-coronel Mauro Cid, que fez acordo de delação premiada. No mais, as chances de absolvição são mínimas.

ESTADO DE DIREITO – Esse julgamento também lança luz sobre o papel das instituições brasileiras na contenção de aventuras autoritárias. O STF, ainda que alvo de críticas e pressões, mostra-se como um pilar na defesa do Estado de Direito, sustentando a ordem constitucional diante de tentativas de ruptura.

Ao mesmo tempo, a sociedade civil acompanha atenta, dividida entre aqueles que exigem punição exemplar e os que, por convicção ou conveniência política, insistem em relativizar a gravidade dos acontecimentos. A forma como o tribunal conduzirá esse processo será lembrada como uma prova de maturidade democrática ou como um risco de fragilização institucional.

O mundo observa como o Brasil lida com uma tentativa de golpe que, se tivesse prosperado, mergulharia o país em uma crise sem precedentes. A resposta firme das instituições serve como sinal de que a democracia brasileira, embora constantemente testada, mantém resiliência. Essa percepção externa é vital não apenas para a imagem do país, mas também para a confiança em sua estabilidade política e econômica. Assim, mais do que um julgamento de pessoas, trata-se de um julgamento de valores: democracia contra autoritarismo, verdade contra negação, soberania contra submissão.

“Impunidade não é opção” no julgamento de Bolsonaro pelo Supremo

Moraes afirmou que a Justiça não pode se curvar 

Pedro do Coutto

“Impunidade não é opção para pacificação” — assim ecoou, com declarado peso institucional, a leitura da denúncia que o ministro Alexandre de Moraes realizou contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete outros integrantes do denominado “núcleo crucial” da trama golpista. Não se tratou apenas de uma abertura formal de julgamento, mas de um ato simbólico que marcou a disposição do Supremo Tribunal Federal de responder de forma inequívoca à afronta contra a ordem democrática.

A sessão, iniciada em clima de tensão e expectativa, não apenas inaugurou o processo judicial, mas projetou um momento histórico: pela primeira vez, a mais alta Corte do país se debruça sobre uma acusação explícita de tentativa de golpe contra um governo eleito, exigindo da magistratura firmeza e serenidade em igual medida.

DIVISOR DE ÁGUAS – Esse gesto, na prática, funciona como um divisor de águas. Até aqui, a narrativa de que a democracia brasileira seria resiliente se apoiava sobretudo na resistência das instituições diante das pressões políticas e militares que se acumularam ao longo do último governo. Agora, o que está em pauta não é mais apenas resistir, mas punir.

A abertura do julgamento traduz a transição de uma fase de contenção para outra de responsabilização, deixando claro que a democracia não pode viver de improvisos permanentes: precisa mostrar que possui anticorpos jurídicos capazes de neutralizar tentativas de ruptura. Moraes, ao ecoar a frase que já circula como síntese de sua posição, sinalizou que o Supremo não se furtará a exercer esse papel.

Há, ainda, uma dimensão simbólica que vai além dos tribunais. Quando a sociedade escuta de um ministro da Suprema Corte que a impunidade não é compatível com a pacificação nacional, o que se transmite é uma mensagem de estabilidade e previsibilidade — valores indispensáveis num país que enfrenta uma sucessão de crises políticas e sociais.

REEDUCAÇÃO – A justiça, nesses casos, não é apenas um mecanismo punitivo: é também pedagógica, no sentido de reafirmar que certos limites não podem ser transpostos sem consequências. O julgamento, nesse sentido, assume também a função de reeducar a esfera pública, lembrando a todos que o pacto democrático exige vigilância e punição proporcional a quem dele se afasta.

Por fim, o impacto desse julgamento se estende às gerações futuras. O registro histórico que se forma agora será, inevitavelmente, consultado por estudiosos, magistrados, políticos e cidadãos que buscarem compreender como o Brasil lidou com um de seus momentos mais desafiadores desde a redemocratização. A frase de Moraes, já cristalizada como marca retórica de sua atuação, ecoará não apenas nos autos do processo, mas também na memória coletiva.

O Supremo, ao se debruçar sobre a responsabilidade de um ex-presidente e de seus aliados, não apenas julga indivíduos, mas redefine o próprio significado de governabilidade e de respeito às instituições. É esse peso histórico que torna cada palavra e cada decisão desse julgamento muito mais do que atos processuais: são afirmações de princípios que sustentarão — ou fragilizarão — a democracia brasileira nas próximas décadas.

Indulto antecipado pode representar um risco à democracia

Tarcísio: primeiro ato, se for presidente, será indulto a Bolsonaro

Pedro do Coutto

 
A recente declaração do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em entrevista ao Diário do Grande ABC, reacendeu o debate sobre os rumos da política brasileira às vésperas da eleição de 2026. Ao afirmar que, caso fosse eleito presidente da República, seu primeiro ato seria conceder indulto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Tarcísio não apenas antecipou um gesto de perdão a um aliado político ainda sem condenação definitiva, como também sinalizou um movimento estratégico: disputar a herança do bolsonarismo e se consolidar como nome viável da direita no cenário nacional.
 
A fala, embora revestida de aparente naturalidade, expõe uma contradição que não pode passar despercebida: de um lado, o governador afirma não ser candidato; de outro, projeta uma medida presidencial que o coloca inevitavelmente como protagonista no xadrez sucessório.
EFEITOS – Essa antecipação tem efeitos graves. Ao pressupor a condenação de Bolsonaro, Tarcísio transmite à sociedade uma mensagem clara de desconfiança no sistema de Justiça, sugerindo que o Supremo Tribunal Federal já teria sua decisão tomada. Mais do que uma manifestação de solidariedade pessoal, a fala revela uma estratégia política: captar e fidelizar o eleitorado órfão de Bolsonaro antes mesmo do início oficial da corrida eleitoral.
 
A promessa de indulto, portanto, não é apenas um gesto de lealdade, mas também um instrumento eleitoral de alto impacto, que reposiciona o governador no tabuleiro nacional. Ao se alinhar de forma tão explícita contra a lógica das instituições, Tarcísio assume um papel de antagonista da ordem constitucional, o que abre espaço para questionamentos sobre sua real compreensão do papel do Estado de Direito.

O episódio, no entanto, não se limita a uma bravata de palanque. Ele lança luz sobre um fenômeno recorrente na política brasileira: a instrumentalização do instituto do indulto como ferramenta de barganha política e sinalização ideológica. No caso de Tarcísio, o gesto é duplamente problemático, pois antecipa uma medida de exceção para um aliado ainda em julgamento e reforça a polarização, ao colocar o Supremo e as instituições democráticas como adversários indiretos de seu projeto.

 
CREDIBILIDADE –  Se por um lado essa estratégia pode galvanizar a base bolsonarista, por outro compromete sua imagem de gestor técnico, moderado e pragmático, construída desde o início de seu governo em São Paulo. Essa mudança de postura pode custar caro: ao tentar agradar a ala mais radical, Tarcísio corre o risco de perder a credibilidade junto ao eleitorado mais amplo, que busca estabilidade institucional e governabilidade.

Em última instância, a declaração evidencia que o governador, mesmo negando publicamente sua candidatura, já age como presidenciável. O cálculo é claro: assumir a dianteira no campo da direita, projetando-se como sucessor natural de Bolsonaro, mesmo à custa de tensionar as relações com o Judiciário. O problema é que, ao lançar mão de uma promessa de perdão a um aliado político, Tarcísio reforça a percepção de que o jogo político brasileiro ainda é conduzido não pelo compromisso com as instituições, mas pela conveniência de proteger aliados e instrumentalizar a máquina pública.

 
O episódio é, portanto, um alerta: quando a política se orienta mais pela lealdade a figuras do que pelo respeito às regras do jogo democrático, o país inteiro se torna refém de projetos pessoais travestidos de pacificação nacional.

O julgamento que coloca o Brasil diante de si mesmo

A perigosa aliança entre o crime organizado e o mundo financeiro

Charge do Laerte (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

O avanço do crime organizado sobre o sistema financeiro formal é um fenômeno que merece atenção imediata, não apenas das autoridades, mas de toda a sociedade. O caso mais recente envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC), revelado em entrevista do promotor Lincoln Gakiya ao jornal O Globo, evidencia como o narcotráfico tem se sofisticado a ponto de se infiltrar em segmentos do mercado financeiro, aproveitando-se da fragilidade regulatória de certas áreas, como as fintechs, para lavar dinheiro e ampliar sua influência.

Essa conexão representa uma ameaça de grandes proporções: de um lado, a brutalidade do crime; do outro, a sofisticação do universo financeiro. Quando esses dois mundos se encontram, o resultado é devastador para a economia e para a democracia.

ENGRENAGEM – A recente operação que prendeu pessoas ligadas ao mercado financeiro por suspeita de colaborar com o PCC é um exemplo concreto de como essa engrenagem criminosa opera. Não se trata apenas de transações ocultas, mas da criação de estruturas capazes de dar aparência de legalidade a recursos ilícitos, minando a confiança em instituições reguladas e afastando investimentos legítimos.

Como destacou o promotor Gakiya, é mais fácil dizer em qual setor o PCC ainda não atua do que mapear sua presença. Essa capilaridade reforça o caráter camaleônico da facção, que se adapta e se expande onde encontra brechas.

O perigo não está restrito ao desvio de recursos. Ele se manifesta também na erosão das regras regulatórias, na concorrência desleal com empresas que atuam dentro da legalidade e no enfraquecimento do próprio Estado, que perde espaço de controle. Ao se infiltrar em instituições financeiras e até em estruturas do Estado, o crime organizado cria uma rede de proteção que dificulta investigações e amplia a sensação de impunidade.

RELEVÂNCIA – É nesse ponto que o trabalho de promotores como Lincoln Gakiya ganha ainda mais relevância. Vivendo sob escolta há anos, ele simboliza a linha de frente contra uma ameaça que já ultrapassa os limites do sistema prisional e do tráfico de drogas. É preciso reconhecer também que essa aliança entre crime e finanças não ocorre de forma isolada: ela dialoga com a fragilidade das instituições políticas e com a dificuldade de o país estruturar políticas públicas duradouras para prevenção e repressão qualificada.

Em um cenário em que o Estado é constantemente pressionado por crises orçamentárias e instabilidades políticas, o crime organizado se aproveita do vácuo para expandir seu poder. Não é apenas uma disputa por dinheiro, mas uma batalha pela própria governança, já que, ao se infiltrar em setores formais da economia, o PCC e outras facções passam a disputar espaço de poder com o próprio Estado, corrompendo servidores, comprando decisões e interferindo em políticas estratégicas.

ESTRATÉGIAS – Se o crime encontra no mercado financeiro a sofisticação que não produz por si mesmo, cabe ao Estado responder com estratégias igualmente complexas e articuladas. Reforçar a regulação sobre fintechs, ampliar a cooperação entre polícias, Ministério Público e órgãos financeiros, além de proteger investigadores que enfrentam essa rede, são passos fundamentais.

É igualmente urgente investir em inteligência financeira, rastreamento internacional de ativos e cooperação com organismos multilaterais, pois o crime organizado, cada vez mais globalizado, não respeita fronteiras. A operação recente mostra que é possível desarticular parte da engrenagem, mas também deixa claro que o enfrentamento precisa ser contínuo. Afinal, a aliança entre narcotráfico e mundo financeiro não é apenas um risco: é um projeto em curso que ameaça corroer os pilares da democracia e a confiança na economia formal.

A nova fronteira da lavagem de dinheiro e a resposta do Estado brasileiro

Crise do emprego e o avanço da informalidade em ano pré-eleitoral

Charge do Ivan Galvãi (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

A queda de 32% no número de empregos formais entre julho de 2024 e julho de 2025, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, acende um sinal de alerta sobre a vitalidade do mercado laboral brasileiro. Embora o saldo acumulado do ano ainda seja positivo, o recuo registrado em julho — o pior desde 2020 — revela o esgotamento de um ciclo de expansão e a dificuldade do país em sustentar a formalização em um cenário de desaceleração econômica.

O desaquecimento atingiu todos os setores, com destaque para a construção civil, que sofreu retração próxima a 50% no saldo de vagas, e reforça a percepção de que o dinamismo que marcou a recuperação pós-pandemia está perdendo força. Se por um lado os dados oficiais ainda mostram geração líquida de mais de 1,3 milhão de postos no acumulado do ano, por outro, a realidade da informalidade desponta como uma chaga estrutural.

SEM PROTEÇÃO – Estima-se que mais de 40% da população ocupada esteja em atividades sem proteção trabalhista, previdenciária ou sindical, número que, de acordo com algumas projeções, já supera em proporção a própria força de trabalho formalizada. A consequência é imediata: ausência de contribuição previdenciária, renda instável e trabalhadores à margem da rede de proteção social.

No médio e longo prazo, esse processo pode se converter em uma bomba-relógio previdenciária, pois milhões de brasileiros chegarão à velhice sem condições de acessar aposentadoria digna, transferindo ao Estado e à sociedade um passivo social de enormes proporções.

Essa realidade, contudo, não se distribui de forma homogênea. Dados do Ipea mostram que mulheres negras enfrentam taxas de subutilização acima de 30%, enquanto homens brancos registram índices próximos a 19%. A interseccionalidade de raça e gênero agrava desigualdades históricas, impondo barreiras adicionais ao acesso ao trabalho decente.

“UBERIZAÇÃO” – Além disso, a expansão do trabalho em plataformas digitais e a chamada “uberização” intensificam o fenômeno da pejotização e da perda de direitos, criando um ambiente no qual a lógica de flexibilidade empresarial se sobrepõe à proteção do trabalhador.

Diante desse quadro, especialistas apontam três caminhos urgentes. O primeiro é a adoção de políticas de incentivo à formalização, como simplificação tributária e fortalecimento do regime de microempreendedores individuais, capazes de oferecer uma porta de entrada para milhões de informais. O segundo é o redesenho da proteção social, incorporando trabalhadores por conta própria e de plataformas a um sistema contributivo mais flexível e adaptado às novas realidades do trabalho.

Por fim, o investimento em educação e qualificação profissional continua a ser o instrumento mais eficaz de longo prazo para romper o ciclo de precariedade e ampliar as oportunidades de mobilidade social.

PROBLEMA ESTRUTURAL – O Brasil vive, portanto, um momento de encruzilhada. A queda recente nos empregos formais não pode ser interpretada como um fenômeno conjuntural isolado, mas como parte de um problema estrutural que vem se arrastando há décadas: a incapacidade de consolidar um mercado de trabalho robusto, inclusivo e capaz de garantir renda estável à maioria da população.

Se não houver ação coordenada do Estado, das empresas e da sociedade civil, o país corre o risco de perpetuar uma contradição perversa — crescimento econômico acompanhado de precariedade laboral, desigualdade e desproteção social. O desafio está posto, e dele dependerá não apenas a solidez da economia, mas também a coesão social das próximas gerações.

Lula e Tarcísio: o prenúncio de uma disputa central em 2026

Lula está disposto a enfrentar Tarcísio e disputar um quarto mandato

Pedro do Coutto

O cenário eleitoral de 2026 começa a ganhar contornos cada vez mais nítidos com a sinalização de que o presidente Lula da Silva está disposto a disputar um quarto mandato e já prepara terreno para enfrentar aquele que desponta como seu principal adversário: o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Ao assumir publicamente a disposição de entrar novamente no jogo, Lula não apenas projeta sua imagem de liderança política consolidada, mas também antecipa uma polarização que, segundo analistas e pesquisas recentes, tende a marcar o próximo pleito. Outros governadores antes cogitados, como Ronaldo Caiado, Romeu Zema e Eduardo Leite, parecem perder espaço nesse tabuleiro, deixando o embate concentrado em duas figuras centrais.

VANTAGEM – Esse duelo, no entanto, carrega características que podem definir os rumos da campanha. Enquanto Lula tem a vantagem institucional de permanecer no cargo durante a disputa, beneficiando-se do alcance da máquina federal, Tarcísio precisa deixar o governo paulista seis meses antes do pleito, renunciando ao cargo em abril de 2026.

Essa descompatibilização cria um ponto de inflexão: de um lado, o governador terá de provar que mantém força política sem o peso da caneta do Palácio dos Bandeirantes; de outro, Lula poderá articular-se em Brasília, usando a simbologia do “boné azul” como sinal de campanha antecipada e de reorganização de apoios no Congresso.

As pesquisas divulgadas ao longo deste ano reforçam o caráter competitivo dessa disputa. Levantamentos da Quaest e da AtlasIntel mostram um cenário de equilíbrio no segundo turno, com Lula e Tarcísio aparecendo em empate técnico em diversas simulações, embora o presidente tenha conseguido ampliar a vantagem em sondagens mais recentes.

OSCILAÇÕES –  Em contrapartida, dados de institutos como o Futura Inteligência chegaram a indicar um leve favoritismo de Tarcísio, revelando que a disputa será marcada por oscilações e dependerá de fatores ainda em aberto, como a economia, a articulação partidária e a capacidade de cada candidato em atrair o eleitorado de centro.

Mais do que uma eleição, o embate entre Lula e Tarcísio sintetiza duas visões de país. O atual presidente se apresenta como defensor da continuidade do projeto iniciado em 2003 e reeditado em 2022, sustentado por uma frente ampla de alianças. Já o governador paulista encarna a aposta da direita em um nome mais técnico, menos marcado pela polarização tradicional e com capacidade de dialogar com setores empresariais.

Em meio a essa construção, o Brasil se prepara para mais um capítulo de sua história política recente, onde a disputa pelo poder se traduz também em um confronto de estilos, estratégias e, sobretudo, de futuro.

BASE ESTÁVEL – Um elemento a ser observado é como o Congresso e o chamado Centrão se posicionarão diante desse novo cenário. Lula, mesmo com sua experiência, enfrentará dificuldades para manter uma base estável, sobretudo em um ambiente político cada vez mais fragmentado e pragmático. Já Tarcísio, caso consiga costurar apoios fora do eixo tradicional da direita bolsonarista, poderá se apresentar como alternativa viável a setores que hoje se mostram céticos com a polarização, ampliando sua rede de alianças e fortalecendo seu discurso de gestão eficiente.

Por fim, o pano de fundo dessa disputa será a situação econômica do país. Se Lula chegar a 2026 com inflação controlada, crescimento sustentável e programas sociais fortalecidos, terá uma narrativa sólida para defender sua continuidade. Mas se o cenário for de estagnação, desemprego elevado e desgaste fiscal, Tarcísio poderá explorar a promessa de mudança e modernização, apresentando-se como símbolo de uma nova etapa política.

Assim, a eleição de 2026 não será apenas uma escolha entre dois candidatos, mas um teste de confiança da sociedade brasileira sobre os rumos que deseja para a próxima década.

A fragilidade política do governo Lula diante do Centrão

Tarcísio, Bolsonaro e as contradições da política brasileira

Tarcísio levou boneco de Bolsonaro e defendeu seu aliado

Pedro do Coutto

Na Festa do Peão de Barretos, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, dividiu o palanque com Ronaldo Caiado e Romeu Zema para defender o ex-presidente Jair Bolsonaro, gesto que reforça a polarização com o presidente Lula e aquece especulações sobre o futuro político do governador.

A cena não foi apenas uma demonstração de lealdade ao bolsonarismo, mas também um recado calculado: Tarcísio deseja ocupar espaço como herdeiro político de um campo que, embora fragilizado por denúncias e investigações, ainda conserva uma base eleitoral robusta. Nesse movimento, o governador mostra que compreende o jogo simbólico da política nacional, em que cada gesto é lido como sinal de posicionamento estratégico.

DILEMA – A dúvida que paira é se Tarcísio buscará a reeleição em São Paulo ou se arriscará uma candidatura presidencial em 2026. O dilema não é apenas estratégico, mas também jurídico: se decidir concorrer ao Planalto, terá de deixar o cargo em abril do próximo ano, seis meses antes da eleição, em razão da regra de desincompatibilização. Mas, se optar pela reeleição, poderá permanecer no governo até o último dia do mandato, privilégio esculpido pela emenda constitucional aprovada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, que institucionalizou a reeleição sem obrigar o afastamento do titular.

Trata-se de uma contradição que beneficia ocupantes de cargos executivos e impõe barreiras apenas quando se busca outro posto, distorcendo a lógica da igualdade eleitoral e criando um regime de exceção para presidentes, governadores e prefeitos. Enquanto essa disputa de poder se desenha, o país convive com dramas mais profundos e cotidianos, que expõem a distância entre a elite política e a realidade da população.

EXCLUSÃO – Enquanto as elites discutem cargos, privilégios e estratégias eleitorais, a população paga o preço da precariedade, da exclusão e da falta de humanidade na condução do Estado. Tarcísio encarna a ambição de uma nova direita que se equilibra entre a imagem técnica e o respaldo bolsonarista, mas seu futuro dependerá não apenas da escolha pessoal entre reeleição ou Presidência, e sim da capacidade de dialogar com um Brasil cansado de contradições e desigualdades.

Se quiser se apresentar como alternativa real ao Planalto, terá de provar que é mais do que um apêndice de Bolsonaro e que é capaz de propor soluções concretas para os problemas estruturais que corroem o país. Caso contrário, corre o risco de repetir um padrão que já se tornou demasiado conhecido: políticos que falam em nome da mudança, mas que, ao se beneficiarem de regras distorcidas e privilégios eleitorais, apenas perpetuam um sistema excludente e desigual.

Eduardo Bolsonaro e o jogo contra a democracia

Eduardo tenta o mesmo sistema democrático que o legitimou

Pedro do Coutto

Eduardo Bolsonaro tem ampliado seus movimentos fora do país, numa ofensiva que já o levou aos Estados Unidos e agora aponta para a Europa. Seu objetivo, segundo aliados e interlocutores, é buscar apoio junto a partidos e governos da extrema-direita europeia, como Hungria, Itália e Espanha, para pressionar o Supremo Tribunal Federal e desgastar o governo Lula.

A viagem, prevista para setembro, revela um alinhamento com figuras como Viktor Orbán e Matteo Salvini, num tabuleiro político que transcende fronteiras e tenta internacionalizar a narrativa de “perseguição” contra a família Bolsonaro. O paradoxo é evidente: eleito no Brasil dentro das regras democráticas, Eduardo recorre ao exterior para minar o mesmo sistema que o legitimou.

ESCUDO RETÓRICO – A democracia, nesse caso, torna-se um escudo retórico, útil para acusar o Judiciário de autoritarismo, mas dispensável quando os interesses familiares e políticos estão em jogo. Ao deslocar sua atuação para palcos internacionais, o deputado cria uma espécie de diplomacia paralela, voltada não à defesa do país, mas à tentativa de reverter investigações e enfraquecer instituições. O gesto, mais do que uma viagem, simboliza o caminho perigoso de quem vê no poder um fim em si mesmo, ainda que à custa do próprio pacto democrático.

Não é a primeira vez que líderes políticos tentam se apoiar em redes internacionais para fortalecer causas domésticas, mas o movimento de Eduardo Bolsonaro chama atenção pela clareza do seu propósito: confrontar ministros do STF, em especial Alexandre de Moraes, e construir no exterior uma base de legitimidade para o discurso de que o Brasil estaria sob ameaça de um “tribunal autoritário”.

O risco, porém, é que essa retórica não encontra eco real em governos estrangeiros, servindo mais como combustível para o público interno e como instrumento de pressão sobre as instituições brasileiras. O que se observa é uma espécie de encenação política transnacional, em que o deputado se apresenta como vítima de perseguição, enquanto estreita laços com forças políticas conhecidas por tensionar valores democráticos em seus próprios países.

CONVENIÊNCIA – Essa escolha não é acidental: orbitar ao lado de Orbán, Salvini ou Vox, na Espanha, significa compartilhar não apenas uma estética política, mas também uma visão de mundo que reduz a democracia a uma ferramenta de conveniência. Para além da retórica, a questão central é até onde essa narrativa pode corroer a confiança da sociedade brasileira em suas próprias instituições.

Cabe, por fim, refletir sobre o impacto de tais movimentos no futuro político do país. Ao buscar respaldo externo, Eduardo Bolsonaro parece apostar em um cenário de permanente instabilidade, no qual o confronto com o Judiciário se sobrepõe a qualquer agenda construtiva.

Essa estratégia pode mobilizar setores mais radicalizados, mas também expõe o Brasil a um constrangimento internacional: que democracia é essa em que um parlamentar eleito prefere atuar como embaixador da discórdia, em vez de representar os interesses nacionais. A resposta a essa pergunta definirá muito mais do que o destino de uma família política — pode marcar a solidez, ou a fragilidade, do nosso próprio pacto democrático.

Bolsonaro entre a negação e o contra-ataque: a nova ofensiva no STF

Diálogos e suspeitas financeiras agravam a situação de Bolsonaro no STF

Charge do Cláudio de Oliveira (Folha)

Pedro do Coutto

Nesta semana, veio à tona diálogos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e o pastor Silas Malafaia, o que agravou de forma significativa a situação do ex-mandatário no inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

As conversas, obtidas pela Polícia Federal a partir do acesso a arquivos armazenados em nuvem, revelam uma rede de articulações que vai desde o campo político até movimentações financeiras de alto valor. Diante da repercussão, Moraes determinou que Bolsonaro apresentasse explicações em prazo curto, uma medida que reforça a pressão jurídica e política sobre ele.

DEPÓSITO – Entre os pontos mais delicados está a descoberta de um depósito de cerca de R$ 30 milhões na conta de Bolsonaro, realizados em parcelas cuja origem ainda não foi esclarecida. A Polícia Federal vê nessa operação um indício de movimentação financeira atípica, potencialmente ligada a lavagem de dinheiro. A defesa do ex-presidente terá de explicar não apenas o destino da quantia, mas principalmente a fonte dos recursos, o que coloca Bolsonaro em posição defensiva.

Ao mesmo tempo, veio à tona um rascunho de pedido de asilo político na Argentina, endereçado ao presidente Javier Milei, elaborado em 2024, o que demonstra que Bolsonaro cogitou seriamente deixar o país diante do avanço das investigações. Embora o documento não tenha sido formalizado, sua simples existência adiciona um componente de fragilidade à narrativa de que se vê perseguido politicamente, pois indica que o ex-presidente vislumbrava a fuga como saída.

Outro ponto que chamou atenção foi a inclusão do pastor Silas Malafaia no inquérito conduzido por Alexandre de Moraes. Malafaia teria participado de movimentos para pressionar a Justiça brasileira e influenciar a opinião pública em favor de Bolsonaro, inclusive articulando campanhas internacionais contra ministros do Supremo.

MOBILIZAÇÃO – Além disso, diálogos revelam que Eduardo Bolsonaro, deputado federal que reside nos Estados Unidos, tentou mobilizar autoridades norte-americanas para adotar medidas contra integrantes da cúpula do Judiciário brasileiro, como a suspensão de vistos e o bloqueio de bens. Essa tentativa de internacionalizar o conflito e obter apoio externo para desgastar o Supremo vem sendo interpretada como obstrução de justiça e ameaça à soberania nacional.

O impacto dessas revelações não se restringe ao campo jurídico. Elas acentuam a crise interna no núcleo bolsonarista, expondo divergências e fragilidades na própria família. Combinadas, essas circunstâncias tornam mais difícil a tarefa do ex-presidente de oferecer uma explicação clara e convincente para a sociedade. Bolsonaro se vê, assim, diante de um dilema: ou se pronuncia de forma transparente, assumindo riscos jurídicos ainda maiores, ou opta pelo silêncio, que pode lhe custar ainda mais caro na opinião pública.

De um modo ou de outro, a pressão cresce, e os fatos parecem se consolidar contra ele, num cenário em que a cada revelação as saídas políticas e legais se estreitam.

Trump e o “tarifaço”: o preço global de uma política econômica unilateral

CPMI do INSS: oposição assume protagonismo e amplia desgaste do governo

A crise comercial Brasil-EUA em 2025: respostas, tensões e perspectivas

Governo apresentou argumentos para rebater acusações

Pedro do Coutto

O governo brasileiro entregou nesta semana uma resposta robusta ao órgão regulador de importações e exportações dos Estados Unidos, rebatendo a tese de que o Brasil seria um “parceiro muito ruim” e questionando a legitimidade da investigação aberta por Washington com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974.

A ofensiva americana, acompanhada da imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de agosto, nasceu em meio à retórica do presidente Donald Trump, que insiste em associar o contencioso a uma suposta perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em reação, o Brasil montou uma defesa articulada por 11 ministérios e pelo Banco Central, apresentando um documento de 91 páginas que será levado também à audiência pública marcada para 3 de setembro, quando empresas americanas irão expor suas posições sobre a relação bilateral.

ARGUMENTOS – No texto, o Brasil argumenta que os pontos levantados pelos Estados Unidos — que incluem desde questões relacionadas ao Pix até acusações de práticas desleais em etanol, comércio digital e meio ambiente — não se sustentam juridicamente, devendo ser debatidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

Ao mesmo tempo, o governo acionou formalmente a OMC para questionar as tarifas impostas por Trump, reforçando que a via multilateral é o espaço legítimo para esse tipo de disputa. Internamente, a posição brasileira ganhou respaldo de empresas nacionais e também de multinacionais com operação no país, como Amazon, Coca-Cola e Caterpillar, que já declararam oposição ao “tarifaço” e defenderam a manutenção de um ambiente de negócios estável.

Do lado empresarial, pesquisa da Amcham Brasil mostrou que 88% das companhias entrevistadas defendem a negociação diplomática em vez de retaliações imediatas, e 86% consideram que medidas duras apenas prejudicariam o diálogo. Essa pressão pragmática soma-se ao discurso político do presidente Lula, que afirmou que o Brasil não aceita ser tutelado e responderá às ações americanas à luz da recém-aprovada Lei da Reciprocidade Econômica.

DUPLO MOVIMENTO – A crise, portanto, revela um duplo movimento: de um lado, a tentativa de Trump de politizar o comércio exterior em sintonia com sua base interna; de outro, a aposta brasileira em uma defesa técnica, amparada no direito internacional e apoiada por setores empresariais.

O mês de setembro será crucial. Se as argumentações brasileiras forem reconhecidas como consistentes e se as empresas americanas reforçarem a necessidade de cooperação, há espaço para uma recomposição parcial do diálogo. Caso contrário, a crise poderá se aprofundar, com prejuízos significativos para o comércio bilateral.

O que já está claro é que o Brasil decidiu enfrentar a pressão com serenidade e firmeza institucional, buscando mostrar ao mundo que, diante de ataques unilaterais, a melhor resposta ainda é o caminho da diplomacia e da legalidade internacional.

A direita entre ratos e rupturas: o dilema da herança bolsonarista

O poder do silêncio: a lição de Vargas lembrada por Elio Gaspari

Presidente cultivava seus silêncios estratégicos

Pedro do Coutto

No artigo publicado ontem em O Globo e na Folha de S.Paulo, Elio Gaspari lembra que Getúlio Vargas demonstrou, em plena Segunda Guerra Mundial, que o silêncio pode ser mais estratégico do que qualquer discurso. Em 1942, Franklin Roosevelt pressionava intensamente o Brasil a ceder bases militares em Natal e Recife, pontos considerados vitais para a logística americana rumo à África contra o nazismo.

O Pentágono já tinha, como lembra Gaspari, o “Plan Rubber” pronto — um esboço de invasão do Nordeste caso a negociação diplomática fracassasse. Vargas, diante de um cenário que poderia ter transformado o Brasil em mero satélite de Washington, preferiu o caminho da paciência e da ambiguidade. “Ganhou a guerra calado”, escreve Gaspari, sintetizando a habilidade de um líder que soube usar a ausência de resposta como uma forma de poder.

ESTRATÉGIA – O silêncio de Vargas não foi um gesto de submissão, mas uma estratégia calculada. Ao não ceder de imediato, manteve margem de manobra e, quando autorizou a instalação das bases, fez isso em condições que reforçaram a soberania brasileira e asseguraram ganhos políticos e militares. Gaspari lembra que, com essa manobra, o país não apenas evitou a ocupação, como ainda saiu fortalecido na cena internacional, ingressando na guerra como aliado de peso.

O paralelo que Gaspari traça com o presente é revelador. As pressões externas não desapareceram; apenas mudaram de forma e intensidade. Se no passado a diplomacia americana se valia de notas, telegramas e ameaças veladas, hoje ela pode surgir em declarações públicas, tweets presidenciais ou sanções anunciadas em rede internacional.

A diferença está no estilo: enquanto Roosevelt combinava diplomacia firme com cautela estratégica, Donald Trump apostou em humilhações públicas e barganhas de balcão, numa lógica em que a comunicação é mais importante que a construção de confiança.

SILÊNCIO – Há, contudo, um ponto crítico a ser observado. O silêncio de Vargas no plano externo contrasta com o silêncio imposto no plano interno. A mesma habilidade de calar frente a Roosevelt vinha acompanhada, dentro do Brasil, de censura, repressão e autoritarismo. Ou seja, a tática que se mostrou virtuosa no campo diplomático tinha um reverso sombrio quando aplicada à política doméstica.

O ensinamento que Gaspari nos ajuda a revisitar, portanto, não é o de exaltar Vargas em bloco, mas o de compreender que a prudência e o cálculo podem ser mais eficazes que a retórica vazia quando se trata de defender os interesses nacionais.

Num mundo saturado de ruído, declarações impulsivas e confrontos verbais, a lição que emerge desse episódio histórico é clara: saber quando falar é importante, mas saber quando se calar pode ser decisivo. E como conclui Gaspari, talvez o maior legado de Vargas tenha sido mostrar que, diante das grandes potências, o Brasil não precisa se ajoelhar nem gritar — basta ter inteligência para escolher o silêncio certo, no momento certo.

Lula escolhe a diplomacia em vez da retaliação contra os Estados Unidos

Lula aposta na cooperação e no multilateralismo

Pedro do Coutto

A decisão do presidente Lula da Silva de não retaliar cidadãos americanos e nem adotar medidas imediatas de reciprocidade às tarifas impostas pelos Estados Unidos representa mais do que um gesto de prudência: é uma escolha estratégica que reafirma a soberania brasileira sem cair na armadilha do confronto direto.

Quando Donald Trump anunciou tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, num gesto interpretado como retaliação política e ingerência externa, muitos esperavam que o Brasil respondesse na mesma moeda, aplicando restrições semelhantes.

DIÁLOGO – Lula, no entanto, optou por outro caminho: descartou a retaliação automática e concentrou esforços em fortalecer a economia interna, proteger exportadores e manter aberto o diálogo em instâncias multilaterais.

Essa postura revela uma compreensão madura das relações internacionais. Ao afirmar que “não iria se humilhar” buscando Trump em condições desfavoráveis, Lula sinalizou que o Brasil não se submete a pressões externas, mas também não se deixa guiar por impulsos que poderiam agravar a crise. Em vez de fechar portas, o governo lançou um pacote de medidas de apoio de mais de R$ 30 bilhões para os setores afetados, ao mesmo tempo em que reforçou a articulação diplomática junto a parceiros como os BRICS e a Organização Mundial do Comércio.

A decisão evita um desgaste imediato e coloca o país numa posição de força moral, preservando sua imagem de defensor da soberania e do multilateralismo. Lula demonstrou que governar em tempos de tensão exige equilíbrio: firmeza para defender os interesses nacionais, mas inteligência para não transformar diferenças em rupturas irreversíveis.

VÍNCULOS – Há também um simbolismo importante nessa escolha: ao recusar-se a retaliar indiscriminadamente cidadãos americanos no Brasil, Lula diferenciou o campo político do campo humano. Seria fácil explorar o ressentimento popular e restringir vistos ou criar barreiras a estrangeiros como forma de revanche. Contudo, ao não fazê-lo, o presidente preservou milhares de vínculos culturais, acadêmicos e familiares que unem os dois países, demonstrando que a política externa brasileira não deve ser guiada pelo improviso nem pelo populismo punitivo.

Essa distinção entre governo e povo é um traço que fortalece a credibilidade internacional do Brasil. Além disso, a opção por não reagir de forma imediata pode abrir espaço para uma recomposição futura das relações comerciais em condições mais favoráveis ao Brasil. A retaliação automática, ainda que popular internamente, teria efeito limitado diante do peso da economia americana e poderia fechar portas de negociação no médio prazo.

Com a estratégia de resistência paciente, Lula cria margem para costurar alianças com outras potências emergentes, pressionar os EUA por meio de organismos multilaterais e, sobretudo, transformar o episódio em exemplo de maturidade política. A história mostra que grandes líderes são aqueles que sabem distinguir o momento de lutar do momento de recuar para vencer em outro terreno.