Trump intensifica ofensiva contra o Brasil e provoca reação firme do governo Lula

Lula rebate Trump sobre Brasil ser um mau parceiro comercial

Pedro do Coutto

A escalada de tensão diplomática entre os Estados Unidos e o Brasil, impulsionada por ações recentes do presidente Donald Trump, reflete uma estratégia audaciosa de pressão sobre o governo de Lula da Silva. Trump acusou o Brasil de ser um “parceiro comercial horrível”, em retaliação ao andamento do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro — aliado do republicano — classificado por ele como injusto, o que acabou desembocando na imposição de tarifas de 50 % sobre os produtos brasileiros.

Em resposta, o presidente Lula não hesitou: repudiou o que definiu como interferência na soberania nacional, anunciou o programa “Brasil Soberano”, com R$ 30 bilhões (aproximadamente US$ 5,5 bilhões) em linhas de crédito, estímulos fiscais e seguros para preservar exportadores afetados, enquanto busca novos mercados, sobretudo na Europa.

ARTICULAÇÃO – Simultaneamente, em Washington, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro tornou-se protagonista dessa ofensiva diplomática coordenada. Desde março de 2025, ele reside nos EUA para articular sanções contra autoridades brasileiras, em especial o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal .

Recentemente, reivindicou que sanções sejam estendidas aos presidentes da Câmara e do Senado — Hugo Motta e Davi Alcolumbre — caso não pautem, na Câmara, a proposta de anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, e, no Senado, o pedido de impeachment contra Moraes.

As pressões motivaram reações duras no Brasil. Organizações políticas e institucionais denunciaram as ameaças como um “crime intolerável” contra a democracia e a soberania nacional, qualificando-as como chantagem com patrocínio estrangeiro.

SUPERÁVIT – Do lado econômico e estratégico, analistas destacam que, ao contrário do que a retórica de Trump possa insinuar, o país mantém um superávit comercial em relação aos EUA — além disso, o Brasil possui uma economia exportadora diversificada, com forte dependência de mercados como China e União Europeia, o que reduz sua vulnerabilidade à retaliação americana.

A guerra diplomática desencadeada representa, assim, mais do que divergências comerciais: trata-se de um confronto envolvendo poder geopolítico, institucionalidade e o caráter das relações internacionais. Trump adota medidas unilaterais — desde tarifas punitivas a sanções via Magnitsky contra juízes e autoridades brasileiras — que, embora visem pressionar o Judiciário do país, têm gerado retaliações vigilantes do governo Lula e solidariedade diplomática entre os Brics.

VOLATILIDADE – O uso político de instrumentos econômicos como forma de contenção, somado a tentativas de influenciar decisões legislativas no Brasil, sinalizam um momento de alta volatilidade nas relações bilaterais e de risco para a independência das instituições democráticas brasileiras.

O embate entre Donald Trump e o governo Lula transcende a esfera comercial e se consolida como um teste de resistência para a democracia e a soberania brasileiras. As tarifas e sanções impostas pelos Estados Unidos, somadas à atuação de atores políticos brasileiros em território estrangeiro contra o próprio país, revelam um cenário em que interesses pessoais e ideológicos se sobrepõem ao diálogo diplomático.

Lula e a estratégia prudente diante do “tarifaço” americano

Diante da crise, Lula reforça a sua liderança política

Pedro do Coutto

O presidente Lula da Silva adotou uma postura prudente e estratégica diante do tarifaço imposto por Donald Trump a produtos brasileiros, optando por não retaliar de imediato com restrições comerciais aos Estados Unidos. Longe de ser um gesto de passividade, a decisão representa um cálculo político e econômico preciso: evitar dar pretexto para novas medidas punitivas por parte da Casa Branca e preservar o canal de diálogo entre os dois países.

Ao não taxar produtos americanos, o governo brasileiro impediu que se criasse uma narrativa de contradição e manteve o fluxo de insumos e bens estrangeiros — inclusive dos EUA — como parte integrante do processo produtivo nacional. Essa escolha também protege empresas americanas que operam no Brasil, evitando danos colaterais que poderiam agravar o clima diplomático.

BLINDAGEM – Paralelamente, Lula agiu de forma prática para blindar o setor produtivo nacional. Autorizou um pacote emergencial de R$ 30 bilhões em crédito, complementado por R$ 4,5 bilhões em benefícios fiscais, destinados a exportadores afetados. O objetivo é compensar, ao menos parcialmente, o impacto das tarifas sobre setores-chave como agronegócio, siderurgia e indústria de transformação.

A mensagem é clara: embora as transações de governo para governo requeiram cautela e diplomacia, as relações comerciais entre empresas devem seguir seu curso, preservando empregos e competitividade. Essa postura integra um plano de reação em quatro frentes: atuação jurídica na Organização Mundial do Comércio para questionar a legalidade do tarifaço; articulação diplomática com parceiros estratégicos, especialmente no âmbito dos BRICS; implementação de medidas econômicas imediatas para sustentar os exportadores; e defesa firme da soberania nacional diante de pressões externas.

EQUILÍBRIO –  A recém-aprovada Lei da Reciprocidade foi mantida como instrumento de reserva, a ser acionado apenas se o diálogo fracassar, sinalizando equilíbrio e maturidade política. Em suas declarações, Lula também reafirmou que questões internas, como julgamentos de ex-presidentes, são atribuição exclusiva do Judiciário brasileiro, rechaçando qualquer tentativa de ingerência estrangeira.

Ao evitar uma guerra tarifária imediata, o presidente ganhou tempo para proteger a economia, reduzir o impacto sobre produtores e projetar, no cenário internacional, a imagem de um Brasil firme, mas aberto ao diálogo. A estratégia mostra que, em política externa, a serenidade pode ser mais eficaz que a retaliação impulsiva.

Em vez de escalar o conflito, Lula transformou a crise em oportunidade para reforçar sua liderança e provar que é possível enfrentar desafios externos com inteligência, coesão interna e respeito às regras do jogo internacional.

Influência bolsonarista em Washington e o desafio à soberania brasileira

Tarifaço e silêncio diplomático: o Brasil na encruzilhada com os EUA

Parlamentares, futebol e a política das emendas: o “gol” além do gramado

Charge do Baggi (instagram.com/falabobaggi)

Pedro do Coutto

 
A reportagem publicada ontem no O Globo expôs com nitidez um problema que há muito se insinua nos bastidores da política brasileira: a não aplicação correta e lógica dos recursos oriundos das emendas parlamentares. Criadas para atender demandas legítimas da população, essas verbas acabam, em muitos casos, direcionadas para finalidades de interesse pessoal ou político, em vez de se revestirem de interesses coletivos.
 
O resultado é que se perde a força e o propósito original de um instrumento que, bem utilizado, poderia transformar realidades locais. As emendas parlamentares são instrumentos legítimos previstos na Constituição Federal, com regras claras: um teto de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL), sendo metade obrigatoriamente destinada à saúde.
 
DESPESAS INUSITADAS – No entanto, quando essas verbas são canalizadas de maneira desproporcional para clubes de futebol ou para despesas inusitadas — como a compra de traves, pagamento de técnicos ou patrocínio de campeonatos —, abre-se um debate inevitável: até que ponto isso é gestão responsável e até que ponto é uso político?

O caso de São Paulo em 2024 é ilustrativo: R$ 81 milhões foram destinados a eventos esportivos, quatro vezes mais do que à Saúde e muito acima do que se investiu em Educação. O futebol, com seu apelo emocional e sua capacidade de reunir multidões, se torna um palanque natural para parlamentares em ano eleitoral. A presença em eventos, a entrega de uniformes e até o simples ato de “aparecer” ao lado da comunidade esportiva geram dividendos eleitorais difíceis de mensurar, mas politicamente valiosos.

Por outro lado, há iniciativas positivas, como em Aracaju, onde mais de R$ 4,6 milhões foram destinados a escolinhas de futebol na periferia, com foco em inclusão social e cidadania. Nesses casos, o esporte serve como ponte para oportunidades, disciplina e engajamento comunitário. O problema é que, ao lado dessas boas práticas, proliferam casos em que a justificativa social é apenas retórica.

DILEMA – Essa tensão revela um dilema estrutural: o mesmo instrumento que pode ser motor de transformação pode também se tornar ferramenta de marketing político. Quando o interesse eleitoral se sobrepõe ao coletivo, o potencial de impacto real se perde. A consequência é um ciclo vicioso onde a população deixa de confiar na destinação dessas verbas e o mecanismo se enfraquece.

O desafio não é apenas fiscalizar, mas estabelecer critérios e métricas que garantam que cada real destinado cumpra uma função social concreta e mensurável. O esporte, especialmente o futebol, não pode ser apenas uma vitrine eleitoral; precisa ser um caminho consistente para inclusão e desenvolvimento. Caso contrário, as emendas parlamentares continuarão marcando gols, mas apenas no placar político de quem as destina.

Lobby e soberania: o caso Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo

Eduardo Bolsonaro e aliado citaram sanções cinco vezes por dia

Pedro do Coutto

A reportagem de Dimitrius Dantas, publicada neste domingo em O Globo, expõe de forma minuciosa e inédita um fenômeno que extrapola as fronteiras da disputa política doméstica brasileira: a construção deliberada de um lobby nos Estados Unidos, capitaneado pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro e pelo influenciador Paulo Figueiredo, com o objetivo central de pressionar o governo norte-americano a impor sanções contra o ministro Alexandre de Moraes e, por extensão, a outras autoridades do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio governo brasileiro.

Segundo a análise apresentada, a atuação da dupla deixou de ser episódica para se tornar sistemática. Entre março e o início de agosto, Eduardo e Figueiredo falaram de sanções o equivalente a cinco vezes por dia em seus canais no YouTube, totalizando mais de 700 menções diretas ao tema. O nome “Alexandre” apareceu mais de duas mil vezes — mais do que o dobro das citações ao presidente Lula.

ARTICULAÇÃO – Trata-se, portanto, de uma campanha coordenada, persistente e com alvos bem definidos, articulada junto a parlamentares republicanos e figuras ligadas diretamente ao presidente Donald Trump. O que inicialmente parecia bravata política passou a ganhar relevância geopolítica quando, em 9 de julho, Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e citou a atuação do STF contra Jair Bolsonaro como justificativa.

Ainda que os próprios articuladores do lobby afirmem que não recomendaram essa medida específica, o episódio reforça a ligação direta entre a pressão exercida nos bastidores e as decisões da Casa Branca. Mais grave: Eduardo e Figueiredo passaram a ventilar, recentemente, a possibilidade de medidas ainda mais severas, como a exclusão do Brasil do sistema Swift, essencial para transações financeiras internacionais.

É uma escalada que, se concretizada, teria repercussões econômicas profundas e imprevisíveis, atingindo desde o comércio exterior até a vida cotidiana da população. Não é a primeira vez que atores políticos brasileiros buscam respaldo ou intervenção estrangeira para sustentar agendas internas. No entanto, como destaca o professor Felipe Loureiro, da USP, a imposição de medidas econômicas unilaterais pelos EUA contra o Brasil com base em “ameaça à segurança nacional” é sem precedentes na relação bilateral.

VULNERABILIDADE – Essa novidade coloca o país em uma posição vulnerável, pois sinaliza que disputas políticas internas podem ser instrumentalizadas como justificativa para ações externas de grande impacto.

As conexões de Paulo Figueiredo com o universo trumpista — incluindo sua relação empresarial com o ex-presidente americano — e o trânsito de Eduardo Bolsonaro junto a congressistas e ex-assessores de Trump compõem um cenário de alinhamento ideológico e estratégico. Ao mesmo tempo, levantam questionamentos legítimos sobre a legalidade e legitimidade dessas articulações, sobretudo à luz do inquérito aberto pelo STF para investigar a atuação do deputado nos EUA.

DILEMA – O caso vai além do embate entre governo e oposição. Trata-se de um teste à resiliência da soberania brasileira e à maturidade de suas instituições. Quando um parlamentar eleito e um influenciador político se dedicam, de forma sistemática, a convencer uma potência estrangeira a sancionar autoridades e, potencialmente, prejudicar economicamente o próprio país, estamos diante de um dilema grave: onde termina a liberdade de expressão e onde começa a sabotagem institucional?

Ao que tudo indica, a disputa que se desenrola não é apenas jurídica ou diplomática, mas também simbólica. O lobby de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo é um capítulo de uma narrativa maior: a internacionalização das batalhas políticas brasileiras, que agora se travam não apenas no Congresso e nas redes sociais, mas também nos corredores de Washington. Se a história recente nos ensina algo, é que esse tipo de intervenção externa, quando normalizada, raramente termina bem para a nação que a permite.

EUA metem o pênalti dentro do campo democrático

Ameaça diplomática: EUA ultrapassam o limite ao atacar ministro do STF

Embaixada dos EUA usa redes para endossar ameaças ao STF

Pedro do Coutto

Num episódio sem precedentes na história recente das relações Brasil–Estados Unidos, a Embaixada norte-americana em Brasília publicou uma declaração oficial reproduzindo falas do governo Donald Trump contra o ministro Alexandre de Moraes. No texto, Moraes foi chamado de “arquiteto da censura e perseguição” e, em tom de ameaça, o comunicado alertou que aliados do ministro no Supremo Tribunal Federal também poderiam ser alvo de sanções.

A mensagem, feita de forma pública e direta, foi interpretada no Brasil como uma ingerência indevida no Judiciário de um país soberano, rompendo protocolos tradicionais da diplomacia e colocando em xeque a relação histórica entre as duas nações.

ESCLARECIMENTOS – A reação do governo brasileiro foi imediata: o Itamaraty convocou o encarregado de negócios dos EUA para prestar esclarecimentos e classificou a atitude como “inaceitável” e “intromissão grave” em um poder constitucionalmente independente. Esse gesto se soma a uma escalada de tensões iniciada semanas antes, quando Washington impôs sanções a Moraes e a seus familiares com base na Lei Magnitsky, além de suspender vistos e anunciar tarifas de até 50% sobre exportações brasileiras.

A justificativa americana foi de que tais medidas seriam uma resposta a decisões judiciais que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro — um argumento que, na avaliação de juristas e diplomatas brasileiros, representa clara tentativa de pressionar e constranger uma autoridade judicial.

Essas ações não apenas abalaram o diálogo bilateral como também prejudicaram a imagem dos EUA no cenário internacional, alimentando a percepção de que o governo Trump mistura interesses ideológicos com política externa. O tom confrontacional adotado por Washington reforçou no Brasil o discurso de defesa institucional e de preservação da independência dos poderes, ao mesmo tempo em que ampliou o sentimento de resistência a pressões externas.

PREDECENTE – Para muitos analistas, trata-se de um marco preocupante, pois rompe com a tradição de cooperação construtiva entre os dois países e cria um precedente perigoso para o futuro das relações diplomáticas.

O episódio, além de expor os limites da influência americana, serve como alerta para os riscos de se permitir que disputas políticas internas se transformem em ferramentas de intervenção estrangeira. Mais do que um incidente pontual, o caso revela um embate de narrativas sobre democracia, soberania e legitimidade institucional, com potencial de gerar desdobramentos duradouros na política externa brasileira e na postura do país diante de potências globais.

Ações coordenadas, pressão internacional e o risco da normalização do absurdo

Bolsonaristas tentaram fazer um cerco à democracia

Pedro do Coutto

A recente tentativa de bolsonaristas de ocupar o plenário da Câmara dos Deputados não é um episódio isolado ou casual. Trata-se de mais uma peça de um enredo articulado e cuidadosamente montado para desestabilizar o governo Lula, enfraquecer instituições democráticas e criar um ambiente de pressão contra o ministro Alexandre de Moraes, símbolo da resistência judicial à escalada autoritária do bolsonarismo.

A entrevista de Eduardo Bolsonaro ao jornal O Globo, na qual o deputado licenciado admite atuar diretamente junto ao governo dos Estados Unidos contra decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), expõe de forma cristalina a extensão dessa cruzada antidemocrática. Não se trata apenas de retórica política – há, sim, uma ação coordenada no tabuleiro institucional e internacional.

OBSTRUÇÃO – A articulação vista no Congresso reflete uma tentativa de obstrução total do funcionamento da Câmara dos Deputados, liderada por um grupo que não reconhece os limites da legalidade e que opera pela chantagem política. A ocupação do plenário, que se estendeu pela madrugada, ultrapassou os limites da oposição parlamentar legítima.

Diferente da obstrução regimental – ferramenta democrática do jogo legislativo –, o objetivo claro era travar qualquer votação, inclusive a de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que poderia anistiar Jair Bolsonaro e restituir-lhe a elegibilidade. A ironia perversa é que os mesmos que insuflam o caos institucional são os que se beneficiariam diretamente de um projeto que ignora a gravidade dos ataques à democracia de 8 de janeiro.

Esse tipo de conduta abre um precedente perigoso: a transformação do Parlamento em campo de batalha para interesses pessoais e antirrepublicanos. O Congresso deixa de ser o espaço do diálogo para se tornar um refém de agendas radicais.

EXTREMA-DIREITA –  Não se pode ignorar o pano de fundo internacional. Eduardo Bolsonaro, com seu histórico de aproximação com a extrema-direita global, tenta novamente instrumentalizar atores externos – no caso, a gestão Donald Trump – para legitimar sua narrativa interna de perseguição. O recente “tarifaço” decretado por Trump confere ainda mais instabilidade ao cenário, embaralhando o xadrez geopolítico e alimentando a retórica conspiratória da direita brasileira.

O que se viu na Câmara não foi um ato espontâneo de indignação política. Foi uma investida calculada, sem a devida lógica jurídica ou institucional. E é justamente essa ausência de lógica, esse desprezo pelas regras do jogo, que torna tudo ainda mais perigoso. Uma democracia não se sustenta apenas pelo rito formal das eleições, mas pelo respeito contínuo às instituições, aos princípios constitucionais e à ordem pública.

É hora de reconhecer os sinais. A tentativa de ocupação do Congresso, o lobby internacional contra o STF e a sabotagem legislativa não são eventos desconexos. São parte de uma estratégia de erosão institucional que precisa ser enfrentada com firmeza, sob pena de nos acostumarmos com o absurdo. A democracia, para continuar sendo mais do que uma formalidade, exige vigilância constante. E coragem.

Os planos de Eduardo Bolsonaro e o risco à democracia brasileira

O tabuleiro político de Bolsonaro e os limites da soberania nacional

Charge do Claudio (Folha de São Paulo)

Pedro do Coutto

A decretação de prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo ministro Alexandre de Moraes marca um novo e delicado capítulo na história recente do Brasil. Não se trata apenas de um desdobramento jurídico de alta relevância, mas de um evento com forte impacto político interno e, sobretudo, com ressonância internacional.

O caso escancara os dilemas de um país que ainda lida com as cicatrizes de um governo controverso, agora envolto em questões legais, e evidencia as tensões que se agravam quando interesses estrangeiros parecem interferir em decisões soberanas. De acordo com reportagens de veículos como The New York Times, El País e Le Monde, o caso tem sido acompanhado de perto por observadores internacionais.

DESRESPEITO – A prisão domiciliar, decretada sob a justificativa do descumprimento de medidas coercitivas, é interpretada por aliados do ex-presidente como mais um sinal de perseguição política. No entanto, como destaca a decisão do STF, Bolsonaro desrespeitou medidas impostas pela Justiça brasileira, o que reforça a gravidade institucional da sua postura enquanto ex-chefe de Estado.

Paralelamente, ganha força nos bastidores a atuação de Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do ex-presidente, atualmente nos Estados Unidos, em articulações junto a setores do governo Trump. A presença de Eduardo no exterior e sua interlocução com lideranças republicanas norte-americanas acende um sinal de alerta.

Cresce entre bolsonaristas a expectativa — ainda que fantasiosa — de que uma eventual pressão da Casa Branca possa resultar em algum tipo de “liberação” judicial que permita Bolsonaro disputar novamente as eleições no Brasil. É nesse contexto que se insere o movimento pró-anistia, impulsionado por setores da direita, mas que inevitavelmente se choca com os princípios fundamentais da soberania nacional e da separação entre os Poderes.

SOBERANIA – A tentativa de condicionar uma decisão judicial brasileira a interesses ou pressões internacionais fere não apenas o bom senso, mas também o próprio Estado Democrático de Direito. Nenhum país soberano pode aceitar que suas instituições judiciais sejam instrumentalizadas por forças externas, muito menos quando se trata de julgar um ex-presidente acusado de violar regras impostas pelo seu próprio sistema legal.

O pano de fundo dessa crise é ainda mais tenso diante do agravamento das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, especialmente após a imposição de tarifas sobre produtos brasileiros por parte do governo Trump. O chamado “tarifaço” tem sido visto por analistas como um gesto político, mais do que econômico, e pode estar inserido no contexto das aproximações ideológicas entre os bolsonaristas e o núcleo duro da direita norte-americana.

Em outras palavras, o uso da política comercial como instrumento de pressão reforça a percepção de que há, sim, tentativas externas de influenciar o ambiente interno brasileiro. Diante desse cenário, a atuação dos advogados de Bolsonaro precisa ser vista com cautela.

ESTRATÉGIA RETÓRICA – O argumento da perseguição política, embora usual em casos de líderes populistas confrontados pela Justiça, perde força diante de fatos concretos, como o descumprimento reiterado de decisões judiciais. A estratégia retórica pode ter apelo junto à base bolsonarista e mesmo ressonância em certos setores da opinião pública internacional, mas não resiste à luz do devido processo legal.

A cobertura da imprensa estrangeira tem sido clara ao enfatizar o equilíbrio necessário entre a liberdade política e a responsabilidade legal. Nenhuma democracia madura pode tolerar que seus líderes passem impunes por violações institucionais — muito menos quando há evidências de desrespeito à autoridade do Judiciário. O caso Bolsonaro, assim, deixa de ser apenas uma questão doméstica e se transforma em um teste crucial para a robustez das instituições brasileiras.

EVIDÊNCIAS – O futuro político do ex-presidente está, portanto, condicionado não a pressões internacionais ou mobilizações populares, mas ao funcionamento regular do Estado de Direito. O Brasil precisa afirmar, com clareza, que suas decisões judiciais são tomadas com base em evidências, não em simpatias ideológicas nem em interesses de potências estrangeiras. A independência da Justiça, o respeito à Constituição e o compromisso com a verdade devem ser os únicos norteadores de um país que se pretende democrático.

Neste momento crítico, cabe à sociedade brasileira — e às suas lideranças — rejeitar qualquer tentativa de chantagem política, interna ou externa, em nome de uma falsa conciliação. A anistia, se vier a ser debatida, precisa nascer do diálogo nacional e do reconhecimento de erros, e jamais de pactos velados com potências estrangeiras que desprezam a autodeterminação dos povos. O Brasil, para seguir adiante, deve reafirmar que sua Justiça não está à venda.

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Trump, Lula e o tarifaço: um telefonema entre a farsa e a diplomacia

Trump: ‘Lula pode falar comigo quando quiser’

Pedro do Coutto

A diplomacia é feita tanto de gestos quanto de silêncios. E, no momento, o silêncio do presidente Lula da Silva diante do convite informal de Donald Trump para um telefonema tem mais força do que palavras. Em entrevista recente nos jardins da Casa Branca, Trump afirmou que está pronto para conversar e que Lula pode ligar “quando quiser”.

Mas esse gesto aparentemente amigável soa, no mínimo, contraditório. Afinal, o mesmo presidente impôs, sem qualquer aviso prévio, tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros como aço, alumínio, carne, café e etanol. Como confiar em um interlocutor que age unilateralmente, punindo um parceiro comercial de forma tão agressiva, e depois diz estar “aberto ao diálogo”?

GESTO POLÍTICO – Esse é o cerne da hesitação de Lula. O presidente brasileiro sabe que não se trata apenas de uma ligação telefônica. Trata-se de um gesto político com implicações amplas. Um telefonema, nesse contexto, poderia ser interpretado como submissão, como uma tentativa desesperada de reverter uma punição que nunca deveria ter existido.

Trump tem se caracterizado por um estilo errático e performático, onde decisões extremas são tomadas de forma impulsiva e revertidas com igual velocidade, dependendo do cálculo político do momento. Um dia impõe tarifas draconianas, no outro, insinua que pode recuar — sem explicar quanto, quando ou como.

A dúvida central é: até onde Trump estaria disposto a recuar? O tarifaço foi amplo e agressivo. Um recuo parcial não resolveria o problema. Mas Trump não é conhecido por oferecer concessões completas. Lula, por sua vez, mede com cuidado os prós e contras de aceitar o contato.

SOBERANIA – Não se trata apenas de economia — é também uma questão de soberania e dignidade nacional. Falar por falar pode alimentar a narrativa de que o Brasil aceitou calado uma punição e agora se submete a um jogo de cena.

Nos bastidores, cresce também a suspeita de que figuras ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, como seu filho Eduardo Bolsonaro, estejam articulando pressões junto ao governo Trump para dificultar a vida do atual governo brasileiro. Seria uma espécie de sabotagem diplomática, feita em silêncio, mas com repercussões concretas.

RUÍDOS – Não é coincidência que, ao mesmo tempo em que as tarifas são impostas, surgem ruídos na relação entre os dois países e se multiplicam ataques velados à condução da política externa brasileira.

A situação coloca Lula diante de uma escolha delicada: manter-se firme e esperar que os Estados Unidos ofereçam um gesto concreto de recuo — o que reforçaria sua posição interna e internacional — ou aceitar o diálogo em condições desfavoráveis, correndo o risco de ser usado como figurante em mais um episódio do espetáculo trumpista. Não é uma decisão simples. A balança entre a diplomacia estratégica e a defesa da soberania nacional é sempre sensível.

Por ora, o telefone permanece no gancho. E talvez esse silêncio diga mais do que qualquer conversa apressada. Se Trump quer, de fato, negociar, precisa demonstrar isso com medidas reais, não com frases de efeito. O Brasil não pode ser tratado como um parceiro de segunda categoria, sujeito a humores e cálculos eleitorais. A confiança, nesse caso, é uma via de mão dupla — e quem quebrou esse vínculo primeiro não foi Lula.

O tarifaço de Trump e a reação brasileira: Entre improviso e o desafio da soberania

Charge do J.Bosco (O Liberal)

Pedro do Coutto

A imposição de tarifas comerciais elevadas contra produtos brasileiros pelo presidente norte-americano Donald Trump acendeu uma luz vermelha no governo brasileiro. Com forte impacto sobre setores estratégicos da economia — como o agronegócio, a siderurgia e a indústria de base —, o tarifaço não é apenas um gesto isolado de política econômica dos Estados Unidos. Ele representa uma inflexão no relacionamento comercial entre os dois países e evidencia, sobretudo, o grau de vulnerabilidade da política externa e comercial do Brasil frente a ações unilaterais vindas de Washington.

O governo Lula, ao que tudo indica, está ciente da gravidade da situação. No entanto, a resposta brasileira tem sido marcada por improvisações, com foco em medidas emergenciais, em vez de uma estratégia de longo prazo. Entre as alternativas em discussão, está o uso de recursos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para sustentar o capital de giro de empresas exportadoras que serão diretamente afetadas pela perda de competitividade. Em outras palavras, a ideia é compensar, com dinheiro público, a queda das receitas causadas pelas tarifas americanas.

LONGO PRAZO – A proposta, embora bem-intencionada no curto prazo, levanta sérias questões. Primeiro, porque substitui receitas privadas — fruto de exportações — por gastos públicos. Segundo, porque se trata de uma medida episódica, insustentável ao longo do tempo.

O tarifaço é permanente. O aporte do BNDES, por sua vez, é um movimento único, pontual. Não se pode esperar que o banco estatal injete capital nas empresas brasileiras a cada novo gesto de protecionismo internacional. Isso comprometeria os fundamentos fiscais do país, além de gerar uma distorção perigosa: o Brasil assumiria os prejuízos impostos por decisões políticas de outra nação.

Por trás dessa reação apressada, está uma contradição estrutural: o Brasil ainda é demasiadamente dependente de poucos parceiros comerciais, e os Estados Unidos ocupam lugar central nesse cenário. A falta de uma estratégia eficaz de diversificação de mercados deixa o país exposto a riscos externos que poderiam ser mitigados.

FRAGILIDADE – Com mais alternativas de exportação, os impactos de medidas protecionistas vindas de Washington seriam diluídos. Mas o que se vê, infelizmente, é uma insistente fragilidade no comércio exterior brasileiro, que segue refém de velhas rotas e de relações assimétricas.

O comportamento errático de Donald Trump, por sua vez, já é conhecido no cenário global. Desde seu primeiro mandato, o magnata republicano vem utilizando o protecionismo como instrumento político, não apenas econômico. Tarifas, barreiras, boicotes e sanções são aplicados com o objetivo de fortalecer sua imagem de líder nacionalista e intransigente.

No caso brasileiro, não é diferente. Ao anunciar tarifas contra produtos brasileiros, Trump não busca apenas equilibrar a balança comercial — ele busca palco. Quer provocar reações, gerar controvérsia e aparecer nos noticiários como o presidente que “não abaixa a cabeça para ninguém”.

AUMENTO DE PREÇOS  – Mas enquanto Trump faz política para sua base eleitoral, o Brasil colhe prejuízos. A elevação de tarifas significa aumento de preços para os consumidores americanos, sim, mas principalmente significa redução do volume exportado pelos produtores brasileiros. Com isso, perdem as empresas, perdem os trabalhadores, perde o Estado — que vê sua arrecadação encolher. E perde o país, que se vê acuado diante de uma medida que poderia ser enfrentada com mais vigor diplomático e mais preparo técnico.

O episódio evidencia um ponto sensível: o Brasil carece de uma política comercial robusta, ativa, propositiva e menos dependente de improvisos. É urgente que o país invista na ampliação de seus acordos bilaterais e multilaterais, estreite relações com mercados da Ásia, África e América Latina e diversifique sua pauta exportadora. Além disso, é preciso modernizar as estruturas de defesa comercial, capacitar empresas para atuar em mercados internacionais mais sofisticados e aumentar a presença do país em fóruns globais de negociação, como a OMC.

POSTURA SOBERANA – Do ponto de vista diplomático, o governo brasileiro precisa atuar com mais firmeza e clareza. A política externa não pode ser apenas reativa. É necessário recuperar uma postura soberana, assertiva e estratégica. O Itamaraty, que por décadas foi referência em atuação técnica e respeitada no mundo, precisa reassumir protagonismo no debate internacional, em vez de correr atrás dos danos causados por gestos impulsivos de outras lideranças.

O tarifaço imposto por Trump não é apenas um entrave econômico — é um alerta geopolítico. Mostra que o mundo está cada vez mais volátil e que a dependência excessiva de um único parceiro pode custar caro. A resposta brasileira precisa ir além do paliativo. É hora de planejar o futuro com menos dependência, mais estratégia e mais coragem. Porque soberania não se sustenta com empréstimos emergenciais. Sustenta-se com visão, preparo e liderança.

Trump, tarifas e sanções: o vai e vem de uma diplomacia imprevisível

Tarifaço e interesses comerciais: o xadrez das negociações entre Brasil e EUA

EUA estuda tarifa zero para alimentos não produzidos no país

Pedro do Coutto

A poucas horas da entrada em vigor das novas tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos, o cenário internacional se vê imerso em um jogo geopolítico de interesses comerciais explícitos. Em meio à perplexidade causada pela taxação de 50% sobre produtos brasileiros, surge uma proposta inesperada do secretário de Comércio norte-americano, Howard Lutnick: a adoção de tarifa zero para produtos não fabricados nos EUA, como o café e o cacau.

A sugestão, apresentada em reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin, destaca a complexidade e a volatilidade das decisões comerciais da administração Trump. A proposta de Lutnick, revelada nesta semana, inclui uma exceção estratégica que beneficiaria diretamente o Brasil.

SINALIZAÇÃO – O país é responsável por cerca de um terço da produção mundial de café e tem no produto uma de suas principais fontes de exportação. A adoção de tarifa zero nesse contexto representaria não apenas um alívio econômico para os produtores brasileiros, mas também uma sinalização de que, mesmo diante de um tarifaço generalizado, os Estados Unidos ainda distinguem suas prioridades com base em critérios de interesse nacional.

O problema é o contraste gritante entre a proposta de taxação de 50% e a isenção total em itens específicos. Essa disparidade cria um ambiente de incerteza para exportadores brasileiros, que ainda não sabem exatamente quais produtos serão atingidos e quais escapariam da nova política. Além disso, a falta de transparência nas negociações causa desconfiança e desorganiza o planejamento do comércio exterior.

Lutnick sugeriu que “produtos que não são cultivados ou produzidos em território americano poderiam ser isentos das tarifas”, abrindo uma brecha para acordos bilaterais por produto, e não por setor ou por país. Essa abordagem fragmentada reforça a ideia de que os EUA estão conduzindo sua política comercial não com base em princípios consistentes, mas sim em táticas pontuais para preservar cadeias de abastecimento internas e responder a pressões do mercado doméstico.

SAÍDA DIPLOMÁTICA – Por sua vez, o vice-presidente Geraldo Alckmin, que se encontra em missão oficial nos Estados Unidos, tenta articular uma saída diplomática que reduza os impactos do tarifaço para o Brasil. No entanto, até o momento, as conversas não renderam frutos concretos. A ausência de anúncios oficiais ou vazamentos positivos na imprensa é um indicativo de que as negociações estão estagnadas ou enfrentando forte resistência.

A situação também traz à tona um debate ainda mais amplo: o papel do Brasil na nova ordem comercial global. Enquanto os Estados Unidos endurecem seu protecionismo, o Brasil se vê obrigado a reposicionar sua estratégia externa. Uma das respostas em estudo, segundo fontes do governo, seria a intensificação do debate sobre a taxação das big techs — empresas como Google, Amazon e Meta, que operam amplamente no Brasil com baixa contribuição tributária.

A eventual taxação dessas empresas poderia servir tanto como contrapeso nas negociações com os EUA quanto como instrumento de justiça fiscal no ambiente digital. No entanto, essa discussão ainda é incipiente e dependerá de articulação política interna, além de resistência previsível das gigantes tecnológicas e de Washington.

UNILATERALISMO – O pano de fundo de toda essa movimentação é o avanço de uma política comercial norte-americana marcada por unilateralismo, sob o comando do presidente Donald Trump. A lógica do “America First” continua a guiar decisões, mesmo que em detrimento de parceiros históricos como o Brasil. E o mais grave: ao mesmo tempo em que pressiona com tarifas elevadas, o governo norte-americano oferece brechas seletivas, como a proposta de isenção para o café, que podem dividir setores e enfraquecer a coesão da frente comercial brasileira.

Enquanto isso, o agronegócio — setor vital da economia nacional — segue apreensivo. As decisões que forem tomadas nos próximos dias terão impacto direto sobre preços, empregos e previsibilidade do setor exportador. O café é apenas um exemplo entre muitos produtos cuja competitividade depende de margens já apertadas e de relações comerciais estáveis.

O momento exige mais do que habilidade técnica: requer diplomacia firme, leitura estratégica e articulação global. O Brasil precisa afirmar seus interesses sem ceder à lógica de exceções que só favorecem os mais fortes. Caso contrário, continuará refém de um jogo em que as regras mudam a cada rodada — e quase sempre em desfavor dos países do Sul global.

O tarifaço de Trump e a tempestade no comércio internacional

Charge do Amarildo (amarildocharge.wordpress.com)

Pedro do Coutto

Na véspera da entrada em vigor das novas tarifas impostas pelo presidente Donald Trump, o mundo observa com apreensão um redesenho abrupto das regras do comércio internacional. A política tarifária agressiva adotada pelo governo norte-americano não apenas inaugura uma nova fase de protecionismo, mas também desencadeia uma série de reações em cadeia que prometem confundir preços, desorganizar cadeias produtivas e intensificar tensões geopolíticas.

A iniciativa de Trump parte da lógica de fortalecer a indústria e a economia dos Estados Unidos, protegendo empresas e empregos nacionais. No entanto, a aplicação diferenciada das tarifas — com percentuais variando de país para país — transforma o cenário internacional em um verdadeiro labirinto. Para o Brasil, a tarifa imposta chega a 50%, uma taxa considerada exorbitante e com potencial devastador para setores exportadores, sobretudo os de alimentos, minérios e manufaturados.

ARBITRAGEM TARIFÁRIA – Essa diferença de tratamento entre países parceiros cria um fenômeno conhecido no comércio exterior como “arbitragem tarifária”: empresas buscam formas alternativas de exportar seus produtos indiretamente via países menos tarifados, gerando relações triangulares e complexas. O resultado será um mercado com distorções severas, onde o preço final de um produto pode variar drasticamente dependendo da rota comercial adotada.

No caso brasileiro, as consequências são especialmente preocupantes. Exportadores nacionais, já fragilizados por variações cambiais e altos custos internos, enfrentam agora uma barreira quase intransponível. A tarifa de 50% inviabiliza a competitividade de diversos produtos nos Estados Unidos, principal mercado de destino de várias cadeias produtivas nacionais. O impacto será sentido não apenas no faturamento das empresas, mas também na geração de empregos e no saldo da balança comercial.

Paradoxalmente, o próprio mercado americano pode sofrer com a medida. Como alertam economistas do Peterson Institute for International Economics, tarifas elevadas tendem a aumentar os preços para o consumidor final, reduzir a oferta de determinados produtos e provocar reações retaliatórias de países afetados. Ou seja, em vez de proteção, os EUA podem estar plantando uma colheita amarga de inflação, desabastecimento e isolamento comercial.

ACORDOS  – A predominância do dólar como moeda de referência global ainda confere aos Estados Unidos uma posição privilegiada, mas não inabalável. Ao provocar um terremoto tarifário, Washington pode estar incentivando outras nações a fortalecerem acordos bilaterais e multilaterais que reduzam a dependência da economia americana. Nesse contexto, surgem novos blocos e alianças comerciais que tendem a enfraquecer a centralidade dos EUA no comércio mundial.

O cenário que se anuncia é o de uma “tempestade perfeita”: confusão de preços, reconfiguração de rotas comerciais, embates diplomáticos e um rearranjo global impulsionado por interesses nacionais conflitantes. Para especialistas da Organização Mundial do Comércio (OMC), trata-se de um momento crítico. Em pronunciamento recente, o diretor-geral da OMC afirmou que “ações unilaterais desestabilizam o sistema multilateral que sustentou décadas de crescimento”.

Frente a essa conjuntura, crescem as pressões sobre o governo Trump para que reveja, ou ao menos adie, a imposição dessas tarifas. Diversas associações empresariais, tanto americanas quanto estrangeiras, alertam que o efeito colateral será uma retração da atividade econômica e uma maior incerteza para os investimentos globais. No Brasil, entidades como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) já articulam medidas diplomáticas e técnicas para tentar mitigar os efeitos.

DESEQUILÍBRIO – O comércio internacional, por sua própria natureza, exige previsibilidade, confiança e regras claras. Tarifas que mudam abruptamente esse equilíbrio criam uma atmosfera de insegurança, na qual os países, empresas e consumidores saem perdendo. O realinhamento será inevitável, mas poderá ser doloroso.

O tarifaço promovido por Trump inaugura um capítulo controverso nas relações comerciais globais. Resta saber se os danos colaterais serão suficientes para frear essa ofensiva protecionista ou se o mundo precisará, mais uma vez, se adaptar aos caprichos de um gigante que parece ignorar as lições da interdependência econômica.

Lula busca retomar popularidade com pacote social em meio ao tarifaço

Pacote de programas sociais deve ser lançado no 2º semestre

Pedro do Coutto

O presidente Lula da Silva prepara um amplo pacote de investimentos sociais para o segundo semestre, numa tentativa de reconquistar índices de popularidade que sofreram queda desde o início do ano. O projeto, que deve incluir habitação, transporte, educação e combate à fome, surge como resposta tanto às demandas internas quanto ao cenário de tensão internacional.

Lula aposta que um plano robusto de inclusão social pode consolidar apoio político e reafirmar sua liderança num momento em que pressões externas começam a influenciar a agenda doméstica. Essas pressões ganharam corpo após Donald Trump anunciar tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, condicionando a redução das taxas à concessão de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

IMPASSE – A iniciativa foi interpretada como uma tentativa direta de ingerência na política interna brasileira, criando um impasse diplomático sem precedentes. Para Lula, essa postura não apenas fere a soberania nacional, como também fortalece uma narrativa de resistência diante de uma ameaça estrangeira.

Em meio à crise, a estratégia norte-americana parece ter produzido o efeito inverso. Em vez de enfraquecer o governo, a pressão externa começou a gerar uma onda de solidariedade interna, inclusive entre setores conservadores que até então orbitavam a base bolsonarista. A opinião pública, sensível ao discurso de defesa nacional, passou a enxergar em Lula um contraponto firme à tentativa de condicionamento político por parte da Casa Branca.

Lula reagiu com um tom assertivo, deixando claro que a independência do Judiciário não será colocada em xeque para satisfazer exigências externas. Em pronunciamentos recentes, o presidente destacou que o Brasil não aceitará nenhuma forma de tutela internacional e sinalizou que poderá aplicar medidas retaliatórias caso as tarifas sejam efetivamente implementadas.

IMPACTOS – A Lei de Reciprocidade Comercial, aprovada pelo Congresso no primeiro semestre, dá ao governo brasileiro instrumentos para responder proporcionalmente a ações consideradas hostis. Os impactos econômicos, no entanto, não podem ser ignorados.

O aumento tarifário ameaça setores estratégicos da economia, como exportadores de café, suco de laranja, aço e autopeças, que têm nos Estados Unidos um de seus principais mercados. Pequenos e médios produtores, especialmente do agronegócio, já expressam preocupação com perdas significativas, caso a crise não encontre solução negociada.

Por outro lado, esse cenário adverso pode ser politicamente útil para o governo. Ao se colocar como defensor da soberania e, ao mesmo tempo, propor medidas de proteção social, Lula constrói uma narrativa que mistura resistência externa e compromisso interno. Essa combinação, se bem administrada, pode inverter a curva negativa da popularidade presidencial, transformando a crise em oportunidade de fortalecimento político.

MOBILIZAÇÃO – A história recente mostra que governos sob pressão internacional costumam utilizar o sentimento nacionalista como combustível para mobilização social. Foi assim no Canadá, no México e na Austrália, diante de sanções comerciais impostas por grandes potências. Lula segue essa trilha, reforçando sua imagem de líder que não se dobra diante de pressões e, ao mesmo tempo, garantindo que o povo brasileiro não será penalizado por disputas políticas externas.

O pacote social, previsto para os próximos meses, é mais do que um conjunto de medidas econômicas: é uma resposta simbólica à tentativa de condicionamento político. Programas como o Minha Casa, Minha Vida, obras de infraestrutura e investimentos em educação básica devem compor o núcleo dessa iniciativa, reforçando a mensagem de que o governo está focado em melhorar a vida da população, mesmo em um ambiente internacional hostil.

AUTONOMIA – Para Lula, esse momento é uma encruzilhada histórica: ou sucumbe às pressões, sacrificando princípios democráticos, ou reafirma a autonomia institucional e retoma o protagonismo social que marcou sua trajetória política. Tudo indica que o presidente optou pelo segundo caminho, ancorando sua estratégia na defesa da soberania e na ampliação dos direitos sociais.

Se bem-sucedido, esse movimento poderá não apenas recuperar a popularidade perdida, mas também consolidar um novo pacto político em torno da ideia de que o Brasil não se curva a imposições externas. Em tempos de crise global e disputas de poder, transformar adversidade em oportunidade é uma habilidade reservada a poucos líderes — e Lula parece disposto a jogar essa partida com todas as cartas na mesa.

O Globo, 100 Anos: Memória, responsabilidade e o desafio do futuro