Previdência: o desafio está no equilíbrio, não apenas na despesa

O Globo, 100 Anos de História e o papel insubstituível da Imprensa no Brasil

O Globo celebrou 100 anos com resgate de sua história

Pedro do Coutto

No domingo em que completou um século de existência, o jornal O Globo foi celebrado em uma edição especial que não apenas enalteceu sua trajetória, mas também reforçou a importância histórica e contemporânea da imprensa para a vida democrática do país. Em um tempo de transformações vertiginosas no modo de produzir e consumir informação, alcançar 100 anos de circulação ininterrupta é, por si só, um feito monumental. Mais que isso: é a prova de que o jornalismo, mesmo desafiado pelas novas tecnologias, continua sendo um pilar da cidadania e da memória nacional.

Fundado em julho de 1925 por Irineu Marinho — e conduzido desde então por seus sucessores na família Marinho — O Globo esteve presente nos grandes episódios que marcaram o Brasil no século XX e neste início do XXI. Desde o Estado Novo de Getúlio Vargas até o regime militar de 1964, passando pela redemocratização, os planos econômicos, as manifestações populares e as recentes disputas eleitorais polarizadas, o jornal exerceu, com maior ou menor intensidade crítica, a função de espelho e ator da história brasileira.

OLHA CRÍTICO – É impossível, no entanto, celebrar o centenário sem olhar criticamente para o papel que o jornal desempenhou em momentos controversos. Em 2013, por exemplo, O Globo publicou um editorial histórico reconhecendo que o apoio editorial dado ao golpe de 1964 foi um erro. “Em 1964, O Globo apoiou o movimento que derrubou o presidente João Goulart. Em retrospecto, esse apoio foi um equívoco”, escreveu o jornal, em um gesto raro de autocrítica na grande imprensa brasileira. A admissão não apaga os erros, mas sinaliza a capacidade de revisão e amadurecimento — algo essencial no jornalismo que se pretende ético e comprometido com os fatos.

Ao longo de sua história, O Globo também foi espaço para vozes plurais. De colunistas consagrados a repórteres investigativos, o jornal contribuiu para colocar sob análise os fatos da vida pública e dar visibilidade a questões fundamentais para a sociedade. Temas como desigualdade social, crise climática, violência urbana, direitos humanos e corrupção ganharam destaque em suas páginas, influenciando a formação da opinião pública e pressionando instituições.

ATAQUES – Não por acaso, a imprensa profissional — da qual O Globo é um dos protagonistas — continua sendo alvo de ataques de setores que se incomodam com a crítica, a checagem de fatos e a fiscalização do poder. Em tempos de desinformação viralizada por redes sociais e algoritmos, o jornalismo sério, com apuração rigorosa e compromisso público, torna-se ainda mais essencial.

O jornal da família Marinho, com todas as contradições que sua história carrega, representa também a resistência em defesa da liberdade de expressão, da consciência crítica e da diversidade de ideias.

Assim, ao completar 100 anos, O Globo não celebra apenas a si mesmo, mas reafirma a relevância da imprensa como guardiã da memória e ferramenta de transformação social. É um marco que merece não apenas parabéns, mas também reflexão sobre o futuro do jornalismo no Brasil.

Moraes media conflito sobre o IOF e evita crise entre os Poderes

Moraes determinou a realização de uma audiência de conciliação

Pedro do Coutto

O gesto do ministro Alexandre de Moraes ao determinar uma audiência de conciliação entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional sobre o decreto presidencial que elevaria o IOF foi mais do que uma decisão jurídica — foi um movimento político habilidoso. Recorrendo a uma figura típica da legislação trabalhista, Moraes encontrou uma forma de conter o desgaste entre os Poderes e sinalizar maturidade institucional.

Marcada para o próximo dia 15, essa audiência cria espaço para que Executivo e Legislativo construam uma solução intermediária, capaz de atender aos interesses do presidente Lula da Silva e do deputado Hugo Motta, que liderou a reação parlamentar contra o decreto presidencial.

ARRECADAÇÃO – A crise teve início quando o governo Lula editou um decreto elevando as alíquotas do IOF sobre operações de crédito, como parte de uma tentativa de reforçar a arrecadação. A reação na Câmara foi imediata. Considerando o decreto como inadequado e injustificado, o deputado Hugo Motta articulou a aprovação de uma resolução que suspendeu os efeitos do ato presidencial.

A decisão do Congresso foi recebida pelo Planalto como uma afronta à autonomia do Executivo, deflagrando um embate institucional que rapidamente chegou ao Supremo Tribunal Federal. O pano de fundo dessa disputa é a delicada fronteira entre os poderes de legislar e de regulamentar, tema que há anos suscita divergências entre juristas e políticos.

Ao optar por uma audiência de conciliação, Moraes evitou um enfrentamento direto e demonstrou sensibilidade política. Embora o instrumento seja mais comum em ações trabalhistas, sua adoção no campo constitucional serviu como ferramenta de apaziguamento. O gesto agradou aos dois lados: Lula ganhou tempo e espaço para reorganizar sua estratégia, e Motta viu consolidada, ao menos por ora, a validade da reação do Parlamento.

AJUSTE – A expectativa é de que o encontro do dia 15 resulte em uma síntese: um novo decreto ajustado por parte do Executivo e uma sinalização de respeito às prerrogativas do Legislativo. Apesar do tom conciliador, é difícil ignorar que o Legislativo saiu na frente. A anulação do decreto presidencial permanece em vigor e, na prática, o Congresso impôs um recuo ao governo.

Motta, inclusive, se antecipou ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre, que ainda não havia tomado posição definitiva. Com isso, consolidou protagonismo e ampliou a influência do Parlamento em temas sensíveis da agenda econômica. A articulação bem-sucedida de Motta mostra que o Congresso está disposto a ocupar espaços de poder que antes eram deixados à margem do debate, sobretudo em matéria tributária.

MODERADOR – O episódio também revela um STF cada vez mais confortável no papel de moderador político. Essa função, embora não descrita formalmente na Constituição, tem sido assumida pela Corte em diversos momentos da vida nacional, especialmente quando os conflitos entre os Poderes ameaçam paralisar o funcionamento do Estado. Moraes, nesse contexto, não apenas interpretou a lei, mas interferiu para preservar o equilíbrio institucional e evitar uma crise maior.

A decisão de buscar a conciliação é, portanto, um gesto que aponta para a importância do diálogo em tempos de tensão. Em um país que vive constantes sobressaltos políticos, mudanças abruptas no sistema tributário, como a elevação do IOF, não podem ocorrer sem o respaldo de um amplo consenso.

O dia 15 deverá marcar não apenas o desfecho de um impasse técnico, mas também um teste de maturidade institucional. Que desse encontro saia mais do que um acordo sobre alíquotas: que se fortaleça a prática democrática de resolver conflitos com conversa, e não com imposições.

Crédito imobiliário para classe média: promessa eleitoral ou armadilha econômica?

Crise entre os Poderes: O caso IOF e os limites da governabilidade

Lula diz que houve o erro foi p descumprimento de um acordo

Pedro do Coutto

Por um fio tênue, balança a relação entre Executivo e Legislativo no Brasil. A recente ofensiva governista contra o deputado Hugo Motta, personagem central na derrubada do decreto presidencial sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), escancara o quanto a articulação política do governo Lula tem patinado, deixando rastros de instabilidade institucional e incompreensão do papel dos Poderes.

O centro do embate gira em torno da anulação do decreto presidencial relacionado ao IOF. O Palácio do Planalto, em reação, decidiu acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), numa tentativa de reverter a medida por meio da judicialização. Mas aqui reside o nó fundamental: o Supremo não é — nem deve ser — um espaço de negociação política, como o próprio ministro Gilmar Mendes lembrou ao qualificar o episódio como “a ponta de um iceberg”.

ERRO ESTRATÉGICO – Há, portanto, um erro estratégico que vai além do gesto jurídico. Tentar reposicionar o STF como árbitro de uma contenda eminentemente política expõe o governo a críticas sobre sua capacidade de articulação, além de provocar desconforto no próprio Judiciário, que se vê pressionado a arbitrar questões legislativas. A Constituição é clara quanto à separação entre os Poderes. Judicializar uma disputa que deveria ser resolvida politicamente fragiliza essa fronteira institucional.

Mesmo dentro do governo, não há consenso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi claro ao defender a retomada do diálogo: segundo ele, foi o Legislativo que se afastou da mesa de negociação. Jorge Messias, advogado-geral da União, também não disfarça a natureza política da decisão de recorrer ao Supremo. E nesse cenário, Lula se vê diante de um dilema: manter a confiança em sua base congressual, mesmo que instável, ou recorrer à força judicial para garantir medidas que, em última análise, deveriam ser fruto de negociação parlamentar.

O presidente culpou abertamente Hugo Motta pela derrubada da medida, lembrando que o tema havia sido discutido previamente em reunião entre Executivo e Legislativo. Mas esse tipo de acusação pública não ajuda a recompor pontes — ao contrário, tende a dinamitar os poucos pilares de articulação ainda de pé. A narrativa do Planalto revela, mais uma vez, as dificuldades de um governo que, embora experiente, tem enfrentado resistências internas e externas ao tentar aplicar sua agenda econômica e fiscal.

RACHADURAS – Além disso, a imagem do governo começa a sofrer rachaduras também junto à opinião pública. A tentativa de judicializar a crise do IOF é percebida por muitos como uma fuga da negociação legítima, uma demonstração de fraqueza política diante de um Congresso que se mostrou disposto a exercer seu protagonismo. O STF pode até ser provocado formalmente, mas não aceitará de bom grado o papel de árbitro de impasses institucionais que o Executivo não consegue resolver no campo político.

O episódio, como bem sugeriu Gilmar Mendes, revela uma crise maior: a dificuldade do governo em estabelecer um pacto funcional entre os Três Poderes. Um iceberg, cujas pontas já começaram a emergir, ameaça afundar a governabilidade se não for contido a tempo. O presidente Lula, alertado por conselheiros próximos sobre os riscos de judicializar excessivamente questões políticas, ainda tem tempo para recalibrar sua estratégia. Mas isso exige um reconhecimento claro: governar, mais do que decretar, é negociar.

E negociar, no Brasil de 2025, não é mais tarefa simples. É preciso habilidade, escuta e, sobretudo, respeito pelas instituições. O IOF pode ser apenas um símbolo — mas um símbolo poderoso do que está em jogo: a própria capacidade de um governo democraticamente eleito conduzir sua agenda dentro das regras do jogo.

Governo Lula escolhe o enfrentamento, mas pode perder nesmo vencendo

IOF virou disputa entre o Ministério da Fazenda e o Congresso

Pedro do Coutto

O governo federal escolheu o pior campo de batalha para lidar com uma crise que exigia mais tato do que teimosia: recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do Congresso Nacional que anulou o decreto presidencial sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A escolha revela não apenas uma avaliação jurídica questionável, mas sobretudo um erro político crasso.

O STF é, por natureza, o guardião da Constituição e não um árbitro de disputas políticas mal conduzidas. A expectativa de que o tribunal invalide uma decisão amplamente respaldada pelo Parlamento coloca o Supremo numa situação delicada. Não é razoável esperar que a Corte confronte diretamente o Legislativo em uma questão que, embora tenha implicações técnicas, foi decidida com evidente respaldo político. Na prática, seria uma derrota simbólica do próprio Congresso – algo que, por equilíbrio institucional e leitura do cenário, o STF tenderá a evitar.

PODER DE COMPRA – Ainda que, em um cenário improvável, o governo saia vitorioso juridicamente, o prejuízo político será inevitável. O aumento do IOF recai diretamente sobre as operações de crédito, afetando consumidores e empresas, encarecendo a vida de quem já enfrenta juros altos e perda do poder de compra. O governo, portanto, venceria nos autos, mas perderia nas ruas — e na percepção pública.

A base da política é a negociação, e não a insistência em medidas impopulares sem o respaldo adequado do Congresso. Ao escolher a confrontação, o Planalto passa a imagem de isolamento e inflexibilidade. Para além do direito, há a sensibilidade política, uma qualidade que tem faltado nas recentes tomadas de decisão do Executivo.

É compreensível que a equipe econômica, pressionada por metas fiscais, busque novas fontes de arrecadação. Mas a forma como isso se dá importa — e muito. A ausência de diálogo e a tentativa de impor uma medida impopular por decreto indicam um erro de cálculo, uma leitura equivocada da correlação de forças no Legislativo e no próprio ambiente institucional do país.

REFLEXOS – A derrota no Congresso foi clara. Voltar-se ao STF agora é como tentar apagar o incêndio com gasolina: mesmo que a Corte aceite julgar o mérito, dificilmente o fará sem considerar as consequências políticas e o impacto sobre a harmonia entre os Poderes. Ao provocar um novo embate, o Executivo corre o risco de sair ainda mais fragilizado, com a credibilidade arranhada diante de um Congresso que já demonstrou disposição para se impor.

O momento exigia recuo estratégico, busca de consenso, e talvez uma reformulação mais ampla da política fiscal. O que se vê, no entanto, é uma insistência que beira a obstinação, com alto custo institucional e político. O país precisa de estabilidade e previsibilidade, mas a escolha do governo leva exatamente na direção oposta.

Em política, há vitórias que saem caro demais — e derrotas que ensinam mais que triunfos. Lula e sua equipe precisam, urgentemente, redescobrir o valor do diálogo e da prudência. Porque, no fim, a insistência no erro pode transformar um tropeço em tragédia.

Lula, o IOF e o risco de insistir no erro: entre o recuo e o desgaste inevitávelsvl

Charge do Benett (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

Por um triz, o governo Lula se vê novamente diante de uma encruzilhada política delicada — e, mais uma vez, corre o risco de errar o caminho. Após a decisão do Congresso Nacional de derrubar o decreto presidencial que modificava as regras de cobrança do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o Palácio do Planalto ainda avalia se leva a disputa ao Supremo Tribunal Federal.

A hesitação em si já diz muito: revela um governo que, além de acuado, ainda busca coesão interna para decidir sobre um impasse que não deveria existir. Segundo reportagem precisa de Rafaela Gama, em O Globo, há um dado alarmante: nem mesmo o governo parece estar convencido da solidez do argumento que pretende levar ao STF.

DESCONFORTO – O próprio decreto, antes da derrota legislativa, já havia provocado desconforto na base aliada, e foi derrubado com uma margem expressiva — 383 votos a favor da anulação contra apenas 98 pela manutenção. Uma derrota acachapante, politicamente ruidosa, e que deveria, por si só, provocar uma reavaliação estratégica.

O presidente Lula da Silva tem nas mãos uma decisão que transcende o campo jurídico. Mais do que uma disputa constitucional sobre a validade de um decreto, o recurso ao STF é um gesto político — e, se insistido, poderá soar como tentativa de contornar a vontade soberana do Parlamento. A insistência nesse caminho, além de juridicamente frágil, é politicamente desaconselhável. Um eventual revés na Corte Suprema não apenas reafirmaria a derrota como ampliaria a percepção de fraqueza e isolamento do Executivo.

O Supremo dificilmente encontrará espaço jurídico para sustentar a tese da Advocacia-Geral da União. Ainda que se reconheça ao Executivo o poder de regulamentar certos tributos, a amplitude e os efeitos do decreto sobre o IOF tornaram inevitável sua leitura como uma manobra arrecadatória disfarçada de ajuste técnico.

RISCO –  O Congresso reagiu, com contundência, e anulou o texto presidencial. Recorrer agora ao STF seria transferir uma crise política para o Judiciário — um gesto arriscado, com potencial explosivo para a estabilidade entre os Poderes. A hesitação do governo, por sua vez, revela um dilema que se repete com frequência no terceiro mandato de Lula: agir com base na convicção política ou recuar diante da realidade institucional.

A demora em decidir já alimenta críticas sobre falta de comando e coordenação interna. Não se trata apenas de perder uma queda de braço com o Congresso; trata-se de reconhecer os limites da governabilidade em um cenário de equilíbrio instável entre Executivo e Legislativo.

A popularidade do presidente, que já enfrenta sinais de erosão, pode sofrer mais um baque caso o governo insista em um caminho que leve a uma nova derrota. O eleitorado, especialmente o mais pragmático, exige soluções e firmeza — não flutuações estratégicas que resvalam para o improviso. O desgaste de imagem pode se agravar se a narrativa pública passar a ser de um presidente que não apenas erra, mas insiste no erro.

DIÁLOGO –  Neste momento, o mais prudente talvez seja aceitar a derrota legislativa como um fato consumado e seguir adiante, apresentando ao Congresso um novo projeto de lei que contemple os mesmos objetivos, mas dentro dos ritos institucionais esperados. Um texto construído com diálogo, em vez de decreto imposto de cima para baixo, teria mais chances de êxito e poderia até reposicionar o governo como aberto à negociação e ao bom senso.

Lula, político experiente, sabe que há derrotas que podem ser pedagógicas — e até regeneradoras. Tentar transformar um impasse em confronto pode render aplausos momentâneos de setores mais ideológicos, mas o preço a médio prazo será alto. O país precisa de maturidade política.

Lula, o caso do IOF e o risco de governar contra o vento

Charge do Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

O presidente Lula, em mais um gesto de firmeza – ou teimosia, a depender da leitura –, decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a decisão do Congresso que derrubou o decreto presidencial sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

A medida, redigida e enviada pela Advocacia-Geral da União, foi feita mesmo diante da orientação contrária de parte do governo e do ambiente político hostil à iniciativa. Trata-se de uma aposta arriscada, com potencial de desgaste institucional e de enfraquecimento político.

PLACAR – A derrota imposta ao governo no Legislativo foi expressiva: 383 votos pela derrubada do decreto, contra apenas 98 em sua defesa. Um placar eloqüente, que não apenas revela a falta de articulação do Palácio do Planalto com sua base parlamentar, como escancara o isolamento político de Lula em temas sensíveis da política fiscal. Diante de tamanha rejeição, recorrer ao Supremo soa mais como um grito de resistência do que uma estratégia de reconstrução.

Fontes como O Globo e Valor Econômico já apontavam que a própria equipe econômica demonstrava reservas quanto à edição do decreto e, posteriormente, à insistência em mantê-lo como bandeira. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda que alinhado à linha econômica do governo, tem optado por cautela ao comentar a judicialização da pauta. Segundo reportagem do O Globo, Haddad admitiu que a única alternativa remanescente ao Executivo seria mesmo o Supremo, após o Congresso enterrar o decreto.

Contudo, o caminho jurídico parece mais uma avenida para desgaste do que uma ponte para solução. O Supremo raramente interfere em decisões majoritárias do Congresso, sobretudo quando a matéria tem ampla repercussão política e foi amplamente discutida. A anulação de um decreto derrubado por maioria absoluta do Legislativo colocaria o Judiciário em rota de colisão com a opinião pública e com os fundamentos democráticos da separação entre Poderes.

NOVA DERROTA – Caso o STF decida, como é esperado, manter a validade da decisão do Congresso, o presidente amargará uma nova derrota – não apenas jurídica, mas simbólica. Em política, perder no Supremo depois de perder no Congresso é perder duas vezes. E, pior, é confirmar um enfraquecimento de liderança que começa a se tornar perceptível inclusive entre aliados.

Ao insistir no recurso, Lula transmite uma mensagem dúbia: de um lado, demonstra apego a medidas fiscais que considera essenciais para manter o equilíbrio das contas públicas; de outro, revela dificuldade em recompor sua base política e aceitar os limites impostos pelas instituições republicanas. É o dilema de quem, ao tentar governar por decreto, colhe resistência de um Parlamento que exige ser ouvido – e de uma Corte que dificilmente atropelará uma decisão política tão robusta.

MAIS DIÁLOGO – Governar exige pragmatismo, e o momento impõe ao presidente mais escuta e menos confrontos. O risco agora é o de caminhar para um impasse de difícil reversão, em que cada derrota acumula sequelas e mina a autoridade de quem precisa manter a governabilidade em meio a uma base fragmentada.

O recurso ao STF pode ser, no máximo, uma manobra de contenção de danos. Mas dificilmente trará de volta o controle político que escapou pelas mãos. Talvez seja hora de Lula lembrar uma de suas máximas preferidas: “Quando a gente erra, a gente tem que ter humildade para voltar atrás”. Afinal, o Brasil de 2025 é outro – e o governo não pode perder tempo colecionando derrotas por teimosia.

Sinal de alarme no convés da administração pública federal

Charge do JCézar (Arquivo Google)

Pedro do Coutto

A máquina pública federal brasileira está diante de um grave sinal de alerta. Reportagem do jornal O Globo aponta que, se nada for feito de forma urgente, faltará dinheiro já em 2027 para sustentar o funcionamento básico do Estado. E esse quadro não decorre apenas de excesso de gastos, como muitos tentam reduzir a narrativa: a verdade incômoda é que o Brasil sofre de uma falência crônica na arrecadação eficiente e justa, particularmente sobre os setores mais privilegiados da economia.

Os dados são eloquentes. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 já reconhece que o espaço para despesas discricionárias (ou seja, aquelas que o governo pode de fato decidir como aplicar) deve cair drasticamente nos próximos dois anos. Em 2026, serão R$ 208 bilhões; em 2027, esse valor despencará para R$ 122 bilhões — e desse montante, boa parte já estará comprometida com emendas parlamentares e o pagamento de precatórios.

CORTES – A margem real de manobra do governo será mínima. O Ministério da Fazenda reconhece que o cenário é crítico, mas ainda insiste em soluções tradicionais: cortes de gastos pontuais, contingenciamentos setoriais e promessas de disciplina fiscal, enquanto mantém intocados os pilares de renúncia que drenam as finanças públicas.

Há uma contradição gritante nessa equação. Fala-se constantemente em despesas obrigatórias — salários, aposentadorias, universidades, Forças Armadas — como se fossem os vilões do orçamento. Mas silencia-se sobre a ausência de receitas obrigatórias com igual peso. Os benefícios fiscais concedidos indiscriminadamente e as isenções tributárias a setores que deveriam contribuir com mais vigor são raramente discutidos com a seriedade que merecem.

Dados do Tesouro Nacional revelam que o Brasil abre mão de mais de R$ 500 bilhões por ano em renúncias fiscais — o equivalente a 4,5% do PIB. É dinheiro que deixa de entrar nos cofres públicos sem qualquer avaliação rigorosa sobre sua efetividade econômica ou social.

INADIMPLÊNCIA – No caso do INSS, o buraco também não é provocado pelos chamados “supersalários”, como muitos insistem em repetir. A estrutura de financiamento da Previdência Social é clara: ela é composta majoritariamente pela contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento, além da média de 9% paga pelos empregados. Se há rombo, ele está sobretudo na inadimplência das empresas — muitas delas devedoras contumazes — que simplesmente não recolhem o que devem. E, ainda assim, posam de grandes pagadoras de aposentadorias, alimentando um discurso falacioso sobre o peso da Previdência para o país.

A verdade é que há uma erosão silenciosa da capacidade arrecadatória do Estado, fruto de um sistema tributário desigual, altamente regressivo e repleto de brechas. Enquanto os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos, os setores de alta renda encontram mecanismos legais e ilegais para reduzir sua contribuição. O resultado é um orçamento que não fecha, não por excesso de direitos sociais, mas por ausência de justiça fiscal.

Em paralelo, há gastos com baixa transparência e retorno questionável. Apenas em 2024, mais de R$ 7 bilhões foram pagos a integrantes do Judiciário acima do teto constitucional, com base em penduricalhos legais. As emendas parlamentares, por sua vez, consumiram quase R$ 50 bilhões — muitas vezes alocadas sem critérios técnicos claros. É nesse contexto que o governo tenta convencer a sociedade da necessidade de ajustes, mas sem tocar nos verdadeiros pontos de desequilíbrio.

“APAGÃO” – Economistas alertam que, se nenhuma mudança estrutural for feita, o país enfrentará um “apagão institucional”: não por falta de vontade política, mas por inviabilidade financeira. Serviços públicos básicos serão comprometidos, investimentos paralisados e programas sociais esvaziados.

As soluções exigem coragem política: enfrentar os grandes sonegadores, revisar os benefícios fiscais, simplificar o sistema tributário e redistribuir o peso da arrecadação de forma mais justa. Também será inevitável discutir a vinculação automática de despesas ao salário mínimo, já que mais de 70% dos benefícios previdenciários são atrelados a ele, o que pressiona o orçamento em cascata.

O Brasil não tem um problema de tamanho de Estado, mas de eficácia e equidade na sua sustentação. Não é aceitável que, em um orçamento de R$ 5,8 trilhões, falte dinheiro para manter a máquina pública funcionando. A falência não é financeira — é política. A escolha entre apagar as luzes do sistema ou reestruturar suas bases fiscais está sobre a mesa. E, como sempre, o tempo corre contra quem insiste em manter o silêncio sobre o que realmente importa.

Judicialização da política: e o risco de subverter a separação de poderes no caso do IOF

 

STF não é saída, é sintoma: a crise do IOF expõe fragilidade política do governo

Charge do Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

A recente derrota do governo Lula no Congresso, com a derrubada do decreto que aumentava o IOF sobre transações cambiais, escancarou não apenas uma falha de articulação política, mas também uma tendência preocupante de judicialização da política. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reagiu indicando que o caminho para reverter a decisão poderia ser o Supremo Tribunal Federal.

Ao afirmar que “a saída para o IOF é ir ao STF”, Haddad não apenas expôs a fragilidade da base aliada, como também acendeu um alerta sobre os limites institucionais entre os Poderes da República. Recorrer ao STF contra uma decisão soberana do Congresso é uma distorção perigosa. A votação que rejeitou o decreto foi expressiva: 383 votos contra, 98 a favor. Ou seja, não se trata de um impasse técnico ou de interpretação jurídica — é uma sinalização política robusta.

DEBATE – Buscar no Judiciário a reversão desse resultado é, na prática, deslocar o debate da arena democrática para um ambiente que não foi feito para arbitrar embates políticos dessa natureza. Trata-se de um gesto que compromete a autonomia do Legislativo e, ao mesmo tempo, sobrecarrega o Supremo com demandas que não lhe competem.

É compreensível o desconforto de Haddad. A equipe econômica enfrentava dificuldades para cumprir metas fiscais, e o aumento do IOF era uma das alternativas encontradas para reforçar a arrecadação. Mas o erro não foi apenas técnico: foi político. Faltou articulação prévia, diálogo com o Congresso, construção de base. Em vez de preparar o terreno, o governo apostou na canetada — e colheu uma derrota acachapante.

A situação é ainda mais grave quando se observa o cenário interno. A gestão Lula vive um momento de desarticulação não apenas externa, com o Congresso, mas também dentro do próprio Executivo. Haddad está isolado. Diverge da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e enfrenta resistências veladas do chefe da Casa Civil, Rui Costa. Essa fragmentação compromete a coerência das decisões econômicas e enfraquece a capacidade de resposta do governo diante de derrotas como essa.

FRAGILIDADE – A tentativa de judicializar a derrota é, portanto, sintoma de uma fragilidade mais profunda. O Supremo Tribunal Federal não pode ser utilizado como um recurso automático para reverter fracassos políticos. Essa prática cria um perigoso desequilíbrio entre os Poderes, colocando o Judiciário em posição de árbitro de decisões que deveriam ser resolvidas no campo da política. Não há democracia saudável quando o Executivo recorre ao Judiciário para corrigir o que não conseguiu negociar com o Legislativo.

Haddad chegou a sinalizar que, se não houver reversão, o governo pode apresentar um novo pacote de medidas, com taxação de apostas esportivas, revisão de benefícios fiscais e até mudanças em isenções de imposto de renda sobre investimentos. Essa é, de fato, a trilha mais sensata: reavaliar os caminhos, calibrar os ajustes fiscais e, principalmente, dialogar com o Congresso para construir soluções sustentáveis. É no espaço político — e não no contencioso judicial — que se encontra a legitimidade para reformas duradouras.

SEM BASE SÓLIDA – O episódio do IOF é uma lição. Não se trata apenas de um embate sobre impostos, mas de uma demonstração de que, sem base parlamentar sólida e sem respeito aos limites entre os Poderes, qualquer governo está condenado à instabilidade. Haddad, com sua reconhecida capacidade técnica, precisa agora mostrar maturidade política. Transformar a derrota em aprendizado exige, antes de tudo, abandonar a tentação do atalho judicial e voltar à trilha do diálogo.

O STF não é uma extensão do Planalto. Nem deve ser convocado a cada vez que um projeto do Executivo naufraga no Congresso. Essa prática corrói o pacto democrático e alimenta uma cultura autoritária disfarçada de legalismo. O que está em jogo não é apenas a arrecadação de alguns bilhões — é a saúde institucional do país. A democracia exige resiliência, e o primeiro passo é aceitar que, às vezes, perder faz parte do processo. Desde que se saiba perder com inteligência.

O recado do Congresso e o desgaste do Planalto: a queda do decreto do IOF

Juros altos até 2026: o desgaste prolongado da política econômica

Charge do Cicero (Aqruivo

Charge do Cicero (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

O adiamento da expectativa de corte da taxa Selic para apenas janeiro de 2026, conforme projeções recentes do mercado financeiro, representa um duro golpe para as ambições do governo federal em reaquecer a economia ainda em 2025. Embora a decisão final ainda dependa das próximas reuniões do Copom, a sinalização de que o Banco Central manterá os juros em 15 % até o fim do ano reforça a percepção de que o cenário macroeconômico segue fragilizado — e que o Planalto perdeu capacidade de induzir uma reversão de expectativas no curto prazo.

O governo Lula iniciou seu terceiro mandato com promessas de reconstrução do Estado e de retomada do crescimento com inclusão social. Contudo, a persistência da taxa básica de juros em patamares elevados compromete esse projeto e impõe limites ao alcance de políticas públicas voltadas ao consumo, ao crédito e ao investimento. A leitura do mercado é clara: sem reformas estruturais e sem um ajuste fiscal crível, não há espaço para uma política monetária mais branda.

RESULTADOS – O grande desafio do Planalto, portanto, não está apenas em pressionar o Banco Central, mas em mostrar resultados concretos na área fiscal. A frustração com a arrecadação, o ritmo lento da reforma tributária e a dificuldade em cortar gastos colocam o Ministério da Fazenda numa posição delicada. A sinalização de que os juros não vão cair antes de 2026 reforça a tese de que o BC considera os fundamentos econômicos frágeis — uma crítica implícita à condução da política fiscal atual.

No plano político, essa previsão representa uma crescente fonte de desgaste para o governo. O eleitorado que confiou no discurso de retomada da economia começa a sentir os efeitos prolongados do juro alto: crédito mais caro, consumo estagnado e dificuldades para pequenos e médios empresários. A base aliada, especialmente no Congresso, também começa a demonstrar impaciência, cobrando resultados mais rápidos em um ambiente de pressão eleitoral antecipada.

A permanência dos juros elevados afeta ainda a própria autoridade do presidente sobre a narrativa econômica do país. Lula, desde o início de sua gestão, criticou abertamente a política monetária do Banco Central, especialmente sob a presidência de Roberto Campos Neto. Agora, com a transição de comando se aproximando, o mercado sinaliza que a mudança de nomes não será suficiente para alterar a orientação do Copom sem um ambiente fiscal mais seguro. Isso dilui o impacto político que o governo esperava colher com a troca de comando.

PROGRAMAS SOCIAIS –  Outro reflexo imediato é a dificuldade em impulsionar programas sociais e de infraestrutura. Mesmo com o novo PAC e iniciativas voltadas à habitação popular e transição energética, o financiamento se torna mais difícil e mais caro. O setor produtivo, especialmente a indústria e a construção civil, sente o impacto direto da política monetária e começa a rever planos de expansão. Isso reduz o potencial multiplicador da política fiscal e trava a geração de empregos — um dado sensível para a popularidade presidencial.

Internamente, a equipe econômica enfrenta crescente pressão. A figura do ministro Fernando Haddad, que até agora tem sido o fiador da moderação fiscal, começa a ser colocada em xeque, tanto por alas mais à esquerda, que defendem estímulos ao crescimento, quanto por setores do mercado que duvidam da efetividade de suas medidas. A expectativa de juros altos até 2026 impõe um novo teste à sua permanência e à coesão política dentro do governo.

EQUILÍBRIO – Externamente, o Brasil ainda mantém relativa atratividade para o capital estrangeiro, justamente por causa dos juros altos. Mas esse movimento é ambivalente: ao mesmo tempo que garante fluxo cambial positivo, também indica um país com dificuldades em equilibrar crescimento e estabilidade. Essa leitura de “país travado” compromete a imagem de modernização e de protagonismo internacional que o governo busca reconstruir.

A narrativa de que o Banco Central atua de maneira excessivamente conservadora perde força diante da leitura generalizada do mercado: os riscos fiscais, a desorganização orçamentária e a ausência de reformas relevantes são hoje os principais obstáculos à queda da Selic. O governo se vê diante da necessidade de mudar o foco do embate com o BC para um esforço real de coordenação entre Executivo e Legislativo em torno de uma agenda econômica sólida e sustentável.

Em síntese, a projeção de que os juros só começarão a cair em 2026 impõe ao governo um novo ciclo de frustração política. A promessa de alívio econômico no curto prazo já não convence nem o mercado nem a população. Resta agora ao Executivo o desafio de resgatar a confiança com medidas concretas, capazes de reorganizar as contas públicas e construir as bases para uma retomada sustentável — ainda que essa reconstrução custe capital político e revele fissuras internas. O tempo, mais do que nunca, passou a jogar contra.

O avanço unilateral dos EUA e o silêncio da ordem mundial

Trump aproveita o vácuo de autoridade internacional

Pedro do Coutto

A mais recente ofensiva americana contra bases iranianas marca um novo e perigoso capítulo na já conturbada geopolítica do Oriente Médio. Utilizando bombas de penetração capazes de atingir até 90 metros no subsolo, os Estados Unidos demonstram não apenas seu poderio militar, mas sua disposição em liderar uma reconfiguração unilateral da ordem global.

O ataque, realizado sob a justificativa de dissuadir avanços iranianos e em apoio tácito a Israel, provocou resposta imediata de Teerã, que lançou mísseis contra bases americanas no Catar.  A movimentação ocorre em meio a um vácuo de autoridade internacional.

SEM VOZ ATIVA – As Nações Unidas, fragilizadas por anos de ineficácia e politização, assistem sem voz ativa. O embaixador brasileiro Celso Amorim, em recente entrevista, reconheceu esse descompasso institucional, apontando que a ordem mundial vigente está sendo gradualmente superada por ações unilaterais, à revelia de qualquer consenso multilateral. O Conselho de Segurança permanece paralisado, refém dos interesses dos membros permanentes.

Donald Trump, em um movimento político calculado, anunciou que Israel e Irã teriam aceitado um cessar-fogo. A declaração teve impacto imediato nos mercados: o preço do petróleo caiu e os índices de Wall Street subiram. Trump tenta se posicionar como figura central na diplomacia internacional, mesmo que por meio da força. Ao se apresentar como árbitro supremo de um conflito complexo, ele redefine a lógica da mediação: não mais pela construção de pontes, mas pela imposição de limites.

A resposta iraniana, embora ruidosa, foi cuidadosamente calibrada. Teerã optou por uma retaliação simbólica, preservando o equilíbrio entre firmeza e prudência. O regime dos aiatolás sabe que, apesar do discurso inflamado, um confronto direto com os Estados Unidos seria desastroso. A ameaça do Parlamento iraniano de fechar o Estreito de Hormuz – rota por onde passa 20% do petróleo mundial – é reveladora: trata-se de uma carta geopolítica de alto risco, mas cujo simples anúncio já serve como instrumento de pressão internacional.

DISTÂNCIA – Enquanto isso, a China permanece distante. O governo de Pequim, embora preocupado com a estabilidade regional – especialmente por suas relações comerciais com o Irã e o Golfo –, evitou se envolver diretamente. A prioridade da liderança chinesa continua sendo a estabilidade interna e a contenção dos conflitos periféricos.

A Rússia, por sua vez, enfraquecida por uma guerra prolongada e inconclusiva na Ucrânia, não dispõe de recursos militares ou diplomáticos para interferir de forma eficaz no Oriente Médio. O desequilíbrio é evidente: a hegemonia norte-americana avança sem antagonistas à altura.

Essa configuração global aproxima o mundo de uma arquitetura baseada no poder e não no diálogo. A centralização das decisões em torno de Washington reaviva um modelo unipolar que parecia superado após o fim da Guerra Fria. Ao contrário do multilateralismo proposto por diversas nações – inclusive o Brasil –, a atual dinâmica privilegia ações rápidas, pouco transparentes e marcadas por interesses nacionais imediatos. O risco maior reside na normalização do uso da força como ferramenta primária de resolução de conflitos.

COMPROMISSO – O presidente Lula da Silva, ao condenar a ofensiva norte-americana, reafirma o compromisso do Brasil com a paz e o direito internacional. Sua postura dialoga com uma tradição diplomática brasileira que privilegia o respeito à soberania dos povos e a busca por soluções negociadas. No entanto, diante da atual correlação de forças, a influência de vozes moderadas é limitada. A diplomacia precisa ser acompanhada de reformas institucionais, que fortaleçam organismos multilaterais e inibam ações unilaterais de potências armadas.

A população civil, como sempre, paga o preço mais alto. A cada explosão, cresce o número de deslocados, mutilados e mortos. A guerra, com sua estética de poder e domínio, esconde o drama humanitário que se alastra por Gaza, Teerã, Beirute e outras cidades vulneráveis da região. A ideia de que se pode impor a paz por meio da violência continua sendo uma falácia perigosa, que apenas posterga as soluções reais e perpetua o sofrimento coletivo. A consciência internacional deve se reerguer diante desse ciclo de brutalidade.

OPINIÃO PÚBLICA – O papel da opinião pública global, embora fragmentado, ainda pode ser determinante. Organizações civis, movimentos pela paz e setores acadêmicos têm o dever de iluminar os bastidores da geopolítica e exigir responsabilidade dos líderes mundiais. A paz não é um ideal utópico, mas uma necessidade urgente num mundo interconectado e ambientalmente frágil. Cada conflito regional tem potencial para se tornar um incêndio planetário. A contenção deve ser priorizada, e não a revanche.

O que está em jogo é a própria capacidade da humanidade de superar sua lógica de destruição. A ofensiva americana e a reação iraniana são apenas expressões de um sistema internacional desequilibrado, onde a força predomina sobre a razão. Enquanto isso, a guerra segue como ameaça constante, travestida de solução. Resta à diplomacia – ainda que enfraquecida – lembrar que o mundo não precisa de reis ou impérios, mas de líderes que respeitem a dignidade humana e o direito à vida em paz.

O ataque dos EUA ao Irã e grande o risco de uma escalada global

Corrupção no INSS vai do silêncio à crise, com a formação da CPMI

Charge do Fred Ozanan (paraibaonline.com.br)

Pedro do Coutto

O Brasil acompanha com perplexidade o desenrolar de uma das maiores crises já registradas no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com um rombo estimado em R$ 6 bilhões, fruto de esquemas de corrupção e fraudes previdenciárias em larga escala, o episódio já se desenha como um novo marco negativo da administração pública.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada para investigar os desvios promete trazer à luz o que os bastidores do poder vinham tentando silenciar: a continuidade de práticas ilícitas que, embora tenham raízes profundas no governo Bolsonaro, se mantiveram e floresceram durante a atual gestão de Lula da Silva.

ESTRUTURA – É verdade que boa parte do esquema parece ter se estruturado a partir de 2019, em plena vigência do discurso moralizante da antiga administração. Mas seria ingenuidade — ou má-fé — acreditar que a atual gestão possa lavar as mãos diante do escândalo.

O governo Lula, que assumiu com a promessa de restaurar as instituições e proteger os mais vulneráveis, falhou gravemente ao não conter a sangria no INSS. A demissão do presidente do órgão e do ministro da Previdência, Carlos Lupi, é uma tentativa tardia de resposta política, que mais evidencia a dimensão da omissão do que representa, de fato, uma ação corretiva eficaz.

O mais alarmante nesse episódio é que o desvio de recursos não atingiu apenas os cofres públicos em abstrato. Ele impactou diretamente aposentados e pensionistas — justamente o grupo mais vulnerável e que mais confia na rede de proteção do Estado. A promessa do governo de ressarcir as perdas é importante, mas está longe de acalmar os ânimos. Afinal, em um país historicamente marcado pela lentidão dos processos administrativos e judiciais, quem garante que a reparação será rápida, justa e completa?

BANALIZAÇÃO – Há, ainda, um aspecto simbólico perigoso nesse escândalo: o da banalização do crime institucionalizado. O fato de que uma rede criminosa tenha conseguido, ao longo de anos e sob diferentes gestões, operar livremente dentro de uma das maiores autarquias do país, evidencia um colapso dos mecanismos de controle interno. Onde estavam os órgãos de auditoria? Por que os alertas não foram levados a sério antes que os prejuízos alcançassem cifras bilionárias?

O Palácio do Planalto tenta agora adotar a estratégia do “culpado anterior”, concentrando fogo no governo Bolsonaro, cujas políticas de enfraquecimento institucional de fato favoreceram o terreno para práticas ilícitas. No entanto, a narrativa de herança maldita só se sustenta até o ponto em que o novo gestor tem a chance de intervir. E Lula já passou da metade do segundo ano de mandato. Tempo mais que suficiente para identificar irregularidades estruturais e agir com firmeza.

O caso do INSS expõe, mais uma vez, que o Brasil ainda carece de um modelo eficiente de governança pública. A cultura de aparelhamento político das autarquias e a ausência de critérios técnicos na ocupação de cargos estratégicos são terreno fértil para o desvio de conduta. O que deveria ser política pública se transforma, com frequência preocupante, em oportunidade de enriquecimento ilícito para grupos bem posicionados.

RESPONSABILIZAÇÃO – Enquanto isso, o contribuinte, o aposentado e o trabalhador seguem à mercê de um sistema que promete amparo, mas entrega frustração. A CPI pode — e deve — avançar em direção à responsabilização dos agentes públicos envolvidos, sejam eles do passado ou do presente. Mas mais do que isso: é preciso que o escândalo leve à reformulação estrutural do INSS, com mecanismos de controle efetivos, transparência ativa e participação da sociedade civil na fiscalização.

O desafio que se impõe, portanto, não é apenas de punir culpados — embora isso seja urgente. É também de reconstruir a confiança social em uma das instituições mais importantes do pacto civilizatório brasileiro. E, nesse processo, não cabem tergiversações nem desculpas palacianas. O combate à corrupção exige coragem, clareza e, sobretudo, compromisso com o interesse público. Qualquer coisa diferente disso será apenas mais um capítulo da longa novela da impunidade no Brasil.

Trump, o Oriente Médio e os riscos de um novo abismo geopolítico

Trump decidirá “em até duas semanas” se osEUA ingressarão na guerra

Pedro do Coutto

Num cenário global cada vez mais instável e complexo, a recente declaração do presidente norte-americano Donald Trump de que decidirá, “em até duas semanas”, se os Estados Unidos ingressarão na guerra entre Israel e Irã, é mais do que uma provocação: é um alerta.

Um aviso de que o tabuleiro geopolítico do século XXI segue sendo manuseado com a mesma ousadia — ou imprudência — que caracterizou os momentos mais tensos da Guerra Fria. O mundo assiste, atônito, enquanto o líder da maior potência militar do planeta transforma a diplomacia em espetáculo e o equilíbrio internacional em aposta.

CONFRONTO – Não é a primeira vez que Trump — em seu segundo mandato, cada vez mais moldado por impulsos e retórica nacionalista — flerta com decisões de alto risco em política externa. Mas nunca, desde a crise dos mísseis de 1962, a possibilidade de um confronto direto envolvendo múltiplas potências nucleares pareceu tão presente.

O conflito entre Israel e Irã, com raízes profundas e implicações regionais de larga escala, já tem sido motivo de preocupação da ONU e de líderes europeus. A entrada dos EUA no campo de batalha, ainda que sob justificativas de “apoio a um aliado estratégico”, representaria uma escalada imprevisível.

A interrogação que paira sobre analistas e chanceleres ao redor do mundo, no entanto, não se limita à decisão americana. A reação de Rússia e China será determinante para o desfecho desse impasse. Ambas as potências têm interesses concretos na estabilidade — ou instabilidade — do Oriente Médio.

INFLUÊNCIA AMERICANA – Moscou mantém laços militares e diplomáticos com Teerã, além de ver em qualquer enfraquecimento da influência americana na região uma oportunidade geopolítica. Pequim, por sua vez, aposta em parcerias comerciais e na segurança energética que passa, inevitavelmente, pela estabilidade do Golfo Pérsico.

Ao insinuar uma decisão tão drástica em prazo tão curto, Trump parece apostar novamente na imprevisibilidade como arma estratégica. É seu estilo. Um estilo que já balançou alianças históricas, rompeu com acordos multilaterais e impôs sanções econômicas à revelia de instituições globais. Mas o palco atual é diferente. O risco não é apenas diplomático: é humanitário, é militar, é civilizacional.

Em uma era em que redes sociais transformam discursos em faíscas e algoritmos amplificam tensões, a ausência de mediação ponderada entre líderes mundiais torna-se ainda mais perigosa. A política internacional não é mais conduzida apenas por tratados e embaixadores, mas por declarações intempestivas e vídeos virais. Nesse ambiente, uma frase mal colocada ou um míssil mal interpretado podem ser o estopim de um desastre.

O pano de fundo dessa ameaça também revela o quanto o mundo mudou — e o quanto permanece o mesmo. As rivalidades entre potências, os conflitos por influência regional e o uso da guerra como instrumento político continuam ativos, mesmo sob novas roupagens. A diferença é que, agora, tudo se dá em tempo real, com bilhões de olhos atentos e pouca margem para correções.

DIPLOMACIA  – A pergunta essencial, portanto, não é apenas se os EUA vão entrar em guerra. Mas se ainda existe espaço, no atual sistema internacional, para que a diplomacia, a racionalidade e o senso de responsabilidade global prevaleçam sobre o ego dos líderes. O destino de milhões pode depender disso.

Enquanto o presidente Trump ensaia mais um ato de sua diplomacia performática, o mundo gira — mas não gira em paz. Gira em torno do medo, da incerteza e da urgência de que a política volte a ser um instrumento de equilíbrio, não de provocação. Porque se as potências decidirem trocar palavras por bombas, não haverá vencedor. Apenas sobreviventes. E, talvez, nem isso.

Selic a 15%: o preço do dinheiro e as contradições da política monetária

A escalada de Trump e o xadrez global da tensão

Charge do Amarildo (amarildocharge.wordpress.com)

Pedro do Coutto

Por mais improvável que pareça aos olhos da razão diplomática, o mundo volta a flertar com o abismo. Donald Trump tem elevado o tom em relação ao Irã. Com declarações que soam mais como um ultimato imperial do que como uma estratégia ponderada, Trump sugeriu uma “rendição incondicional” do regime iraniano em meio à escalada de tensões com Israel. Seu discurso, no plural majestático, carrega ecos de uma ambição geopolítica que ultrapassa as fronteiras da razoabilidade e se aproxima perigosamente do delírio de poder.

O pano de fundo é conhecido, mas não menos explosivo. Israel e Irã travam uma guerra de sombras há anos — ora por meio de ataques cibernéticos, ora por bombardeios indiretos por grupos aliados. A diferença agora é a possível reentrada dos Estados Unidos, sob uma liderança que flerta com uma retórica bélica agressiva. Ao acenar com a possibilidade de destruir o sistema nuclear iraniano, Trump acende alertas que vão de Teerã a Moscou, passando por Bruxelas e Pequim.

SUPERFICIALIDADE – A fala  de Trump sobre “matar Kamenev” — numa provável referência equivocada a Ali Khamenei, o líder supremo do Irã — revela a superficialidade com que temas de altíssima complexidade são tratados, numa lógica que mistura personalismo com demonstração de força bruta.

Mas o mundo do século XXI não se curva tão facilmente a imposições unilaterais. O presidente russo, Vladimir Putin, vê no Irã não apenas um parceiro estratégico, mas uma peça-chave no equilíbrio de forças do Oriente Médio. Com a guerra na Ucrânia ainda em curso e a Rússia sob sanções severas do Ocidente, Teerã tornou-se uma válvula de escape econômica e política para Moscou. Uma ofensiva americana contra o Irã seria, portanto, percebida por Putin como um ataque indireto à sua própria influência na região.

CAUTELA – Por sua vez, a China adota uma postura cautelosa, mas não inofensiva. Pequim tem interesses comerciais profundos no Irã e, embora evite o confronto direto, não tolerará um colapso regional que prejudique suas rotas energéticas e projetos de expansão. A posição chinesa, moderada na superfície, é respaldada por uma presença diplomática cada vez mais ativa no Oriente Médio — um contraponto silencioso, porém firme, à agressividade ocidental.

É neste cenário de múltiplas tensões que a pergunta crucial se impõe: o que acontecerá se os Estados Unidos realmente bombardearem o Irã? As consequências seriam imprevisíveis, mas certamente catastróficas. Além das baixas humanas, que seriam incontáveis, o mundo testemunharia uma reação em cadeia que poderia afetar desde os preços do petróleo até a estabilidade de regimes aliados em toda a região.

A aposta de Trump em uma política de força total pode agradar setores militaristas e conservadores, mas ignora os aprendizados históricos das guerras do século XX e início do XXI. O unilateralismo tem limites e, numa era atômica, o risco de erros de cálculo é alto demais. As palavras de Trump são fagulhas reais num barril de pólvora em combustão.

“REI DO MUNDO” – Há, também, um ponto de inflexão simbólico importante: ao agir como se fosse o “rei do mundo”, Trump testa não apenas os limites do poder americano, mas da própria ordem internacional pós-Segunda Guerra. Organismos multilaterais, como a ONU, são sistematicamente desrespeitados ou ignorados. O direito internacional torna-se refém da conveniência das potências. Nesse ambiente, a paz torna-se um ideal frágil e cada vez mais distante.

A comunidade internacional, portanto, precisa reagir não com mais violência, mas com mais diplomacia. Este é o momento de ativar os canais de diálogo — entre potências, entre povos, entre instituições. A escalada de tensões só poderá ser contida se houver responsabilidade de Estado, visão estratégica e coragem política para resistir aos impulsos autoritários travestidos de patriotismo.

Se o século XXI tem alguma lição a oferecer, é que o poder não reside apenas na força, mas na capacidade de evitar a guerra quando ela parece inevitável. Nesse xadrez geopolítico global, as peças já se movem — mas o xeque-mate, desta vez, pode ser contra toda a humanidade.

Derrota anunciada, com o Congresso desafiando o Ministério da Fazenda