
Charge do Jorge Braga (Arquivo do Google)
Pedro do Coutto
A decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, de colocar em votação o projeto que anula o aumento do IOF decretado pela equipe econômica do governo, é emblemática. Representa não apenas um movimento técnico do Legislativo, mas um claro recado político ao Planalto, em especial ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O projeto, que visava ampliar a arrecadação para equilibrar as contas públicas, nasceu no seio do Ministério da Fazenda. No entanto, sua condução revelou falhas na articulação política e expôs a vulnerabilidade do ministro no tabuleiro do Congresso.
INSATISFAÇÃO – Desde o anúncio do aumento do IOF, a insatisfação entre parlamentares – inclusive de partidos da base – já era visível. Alegavam que não haviam sido consultados previamente e que o governo vinha atropelando etapas em nome de um ajuste fiscal tecnocrático. O cenário se agravou quando a oposição, com apoio surpreendente de setores do Centrão, conseguiu aprovar com ampla margem o regime de urgência para a votação do PDL que derruba a medida. Foram 346 votos favoráveis, um número que não apenas superou a exigência regimental, mas expôs o isolamento político do governo na Câmara.
O próprio presidente Lula, percebendo o desgaste, recuou. Em vez de manter o embate, aceitou discutir com os líderes partidários uma nova proposta para o IOF. Esse movimento, embora necessário para evitar uma derrota ainda maior, acabou fragilizando ainda mais Haddad, que viu o controle da pauta econômica escapar por entre os dedos. Sua autoridade como condutor da política fiscal foi abalada e, com isso, a credibilidade do governo perante o mercado e o Congresso sofreu novo arranhão.
Haddad não ficou inerte. Buscou conter os danos propondo uma “reformulação” do aumento, sinalizando a possibilidade de substituí-lo por outras medidas arrecadatórias – como a taxação de apostas esportivas, LCI/LCA e parte das receitas das fintechs. No entanto, essas alternativas ainda carecem de construção política sólida e, no curto prazo, não resolvem o impasse das contas públicas. A resposta do Congresso foi clara: não há mais espaço para medidas unilaterais.
SEM DIÁLOGO – A crítica recorrente entre os parlamentares é que o governo tem se fechado em torno de decisões econômicas pouco dialogadas. Líderes de partidos como União Brasil, PP e até PSD acusaram o Planalto de ignorar o papel do Congresso na definição das diretrizes fiscais. Em tempos de emendas orçamentárias robustas e uma base heterogênea, desconsiderar os interlocutores políticos é um erro caro. E Haddad, embora respeitado tecnicamente, não conseguiu construir os canais de confiança necessários para conduzir reformas e medidas impopulares.
O que se viu, portanto, foi mais do que uma derrota pontual. Trata-se de um episódio que simboliza a dificuldade do governo Lula em governar com um Congresso autônomo e pragmático. A política econômica deixou de ser um domínio exclusivo do Executivo. É hoje um campo compartilhado – e, muitas vezes, dominado – pelo Legislativo. Fernando Haddad, ao não antecipar esse novo arranjo de forças, acabou colhendo resistência onde esperava diálogo.
A votação massiva pelo regime de urgência é reveladora. Ela demonstra que, mesmo em pautas de interesse nacional, o governo não tem conseguido unificar sua base. E isso tem implicações diretas para o futuro do arcabouço fiscal, das metas de déficit e do cumprimento de promessas como a valorização do salário mínimo e o aumento de investimentos sociais. A falta de previsibilidade fiscal também começa a preocupar investidores e agências de risco, que observam com cautela os recuos sucessivos da equipe econômica.
NOVO PACOTE – No meio desse turbilhão, Haddad tenta se manter firme. Reuniu-se com Lula para discutir um novo pacote de medidas, com promessas de diálogo e mais articulação com o Congresso. Mas os danos estão postos. Sua imagem como o fiador da responsabilidade fiscal do governo foi arranhada, e agora resta saber se terá força política para recuperar protagonismo. O episódio do IOF não é isolado – soma-se à dificuldade de aprovar a reforma tributária ampla, à resistência ao corte de despesas e às tensões internas na Esplanada.
Do ponto de vista simbólico, o recuo no IOF representa a quebra de um tabu: o de que um ministro da Fazenda poderia conduzir uma política de ajuste sem concessões políticas. A realidade mostrou o contrário. O Congresso, fortalecido por anos de protagonismo orçamentário, exige mais que argumentos técnicos. Exige presença, diálogo e, sobretudo, reciprocidade. Sem isso, mesmo as melhores intenções podem ruir.
Em resumo, o que se assiste é o descompasso entre o timing da política e o ritmo da economia. Haddad ainda é uma peça central no xadrez de Lula, mas começa a parecer um jogador pressionado, que precisa agir com mais agilidade para não ser encurralado. O episódio do IOF, embora aparentemente técnico, revela com clareza o dilema do governo: como equilibrar responsabilidade fiscal com governabilidade política? A resposta passa não apenas por decretos, mas por uma reformulação profunda da relação entre Executivo e Congresso.
Muito otimismo pensar que o Hadad pode resolver alguma coisa e que mudando ele, alguma coisa possa mudar. O desgoverno Lula está podre sem ter começado, e no final do mandato vai estar putrefato.
O legislativo desaprova coisas que desfavoreçam os de cima. Se fossem propostos cortes de benefícios dos mais necessitados, a aprovação seria fácil.
O problema não está em como a Fazenda apresenta suas propostas, mas o que ela propõe.
Quanto ao presidente, bem… esse cada vez mais se parece ao personagem de “Bem-Vindo Mr. Chance”.
https://youtu.be/PA6CqvuBoK0?si=4DK3bhwLvxOo6m_P