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Charge do Orlando (Arquivo do Google)
Pedro do Coutto
A elevação da taxa Selic de 14,75% para 15%, anunciada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, representa mais do que um simples movimento técnico no controle da inflação. Ela simboliza uma escolha estratégica de alto custo para o país: cada 0,25 ponto percentual a mais na taxa básica de juros significa, na prática, um acréscimo bilionário no serviço da dívida pública — estimado em cerca de R$ 250 bilhões, considerando-se os R$ 9,2 trilhões que compõem o estoque atual da dívida, conforme dados divulgados recentemente pelo próprio Bacen.
Essa decisão — unânime, segundo reportagens da imprensa especializada — acende um alerta importante sobre os rumos da política monetária brasileira. Em teoria, aumentar juros é uma forma de frear a inflação, desestimulando o consumo e controlando o crédito. No entanto, essa lógica se mostra cada vez mais desconectada da realidade de uma economia que apresenta sinais de desaquecimento em diversos setores e que convive com um elevado desemprego estrutural e estagnação da renda.
JUSTIFICATIVA – O Banco Central argumenta que a alta é uma medida preventiva, diante de riscos inflacionários no horizonte. Mas a justificativa soa forçada, especialmente quando os próprios índices de inflação têm se mostrado relativamente comportados, ainda que em níveis superiores à meta. A decisão parece mirar mais a sinalização ao mercado financeiro do que a real necessidade de contenção de preços — e, nesse contexto, o custo social e fiscal dessa sinalização se torna cada vez mais difícil de justificar.
Nos bastidores, o aumento da Selic se traduz em mais uma transferência massiva de recursos públicos para o setor financeiro. A elevação dos juros beneficia diretamente quem detém títulos da dívida pública — em sua maioria, instituições financeiras e grandes investidores — e penaliza o conjunto da sociedade, que vê recursos que poderiam ser destinados à saúde, educação e infraestrutura drenados para o pagamento de juros. Não se trata, portanto, de uma medida neutra: ela possui claros vencedores e perdedores.
Esse cenário ganha contornos ainda mais paradoxais quando se observa o perfil político do atual governo, de centro-esquerda, que prometeu colocar os mais pobres no centro do orçamento. É difícil explicar à população que, em nome do combate à inflação, o Estado está ampliando sua dívida e remunerando generosamente quem já tem capital acumulado — enquanto o salário mínimo e os rendimentos do trabalho continuam estagnados, sem reposição real frente à carestia.
SINTONIA – A política monetária, em tese, deveria caminhar em sintonia com a política fiscal, com o objetivo comum de estabilizar e desenvolver a economia. No entanto, o que se vê é uma dissociação: enquanto o governo tenta estimular o crescimento com programas de investimento e transferência de renda, o Banco Central pisa no freio, priorizando a rentabilidade dos ativos financeiros. O resultado é uma espécie de trava ao desenvolvimento, em que as engrenagens do Estado operam em direções opostas.
O contraste com os Estados Unidos é instrutivo. Lá, o Federal Reserve optou por manter os juros estáveis, mesmo sob a pressão de inflação persistente. A decisão, ainda que criticada por setores mais radicais como o do presidente Donald Trump — que, aliás, insinuou assumir o controle do banco central americano, num gesto autoritário e economicamente desastroso — reflete um entendimento mais amplo do papel da autoridade monetária: estabilidade, sim, mas com sensibilidade social e coordenação com os demais instrumentos da política econômica.
No Brasil, a persistente elevação da Selic fortalece a percepção de um Banco Central excessivamente autônomo e desconectado das prioridades nacionais. Desde a sua formal independência, aprovada no governo anterior, a instituição ganhou musculatura técnica, mas perdeu capacidade de escuta social. É preciso debater com seriedade qual é o mandato da autoridade monetária e qual deve ser o seu compromisso com o desenvolvimento sustentável do país.
EFEITOS – A atual política de juros altos não tem produzido os efeitos esperados em termos de controle inflacionário, mas tem causado efeitos colaterais concretos: desincentiva o consumo, encarece o crédito, freia os investimentos produtivos e amplia a desigualdade. Num país ainda marcado por carências estruturais, adotar uma política monetária que atua como âncora fiscal, à custa de desenvolvimento social, é um caminho míope.
É hora de repensar a estratégia. Combater a inflação é necessário, mas não pode ser uma justificativa automática para penalizar o crescimento e aprofundar injustiças. A economia não é apenas uma equação técnica — é, antes de tudo, um instrumento de mediação entre interesses, conflitos e escolhas coletivas. E essas escolhas precisam estar alinhadas com o projeto de país que se deseja construir.
Num momento do País como esse, a lucidez do texto dessa jornalista – inclusive para a história – impressiona:
‘SNI’ de Bolsonaro foi ensaio para o golpe
Caso da Abin paralela mostra como capitão entendia Presidência como um feudo, em que instituições são postas a serviço do ocupante do cargo
A Abin paralela, um arremedo de SNI imaginado e colocado em prática por Jair Bolsonaro, foi um dos primeiros sinais de como o capitão entendia a Presidência da República: algo particular, em que instituições estão a serviço do ocupante do cargo e “inimigos”, em sua maioria imaginários, devem ser perseguidos e tirados do caminho. Tudo menos uma visão democrática do exercício do poder.
Era 2 de março de 2020, ainda antes da decretação da pandemia de Covid-19, quando o ex-coordenador da campanha de Bolsonaro e já então seu ex-ministro Gustavo Bebianno chamou, no programa “Roda viva”, a estrutura que era montada por Carlos Bolsonaro pelo nome depois consignado no inquérito da Polícia Federal.
Já se sabia da existência de um gabinete do ódio instalado na Secretaria de Comunicação da Presidência, também sob as ordens de Carlos, mas foi o ex-homem forte de Bolsonaro quem primeiro revelou a montagem de um esquema ilegal de arapongagem de adversários — e, viu-se depois, também de aliados, como é típico das ditaduras, acabadas ou em formação.
A extensão dos pedidos de monitoramento — tanto físico quanto de movimentações financeiras e de outra natureza dos alvos, que iam de jornalistas a pastores, passando por servidores públicos e políticos — mostra que não havia nada de trivial na movimentação da Abin no governo de alguém para quem o modelo a seguir sempre foi a ditadura militar.
Vale lembrar que a Abin foi criada justamente para ser uma estrutura de inteligência democrática, no lugar do nefando SNI da ditadura (…). E nunca se viu algo como o que está descrito nas mais de mil páginas reunidas pela PF sobre o esquema da Abin paralela da família Bolsonaro.
A mesma máquina que espionava alvos escolhidos a dedo pelo presidente e seus aliados era a acionada para deflagrar campanhas de destruição de reputações contra essas pessoas. É preciso ainda que a PF e o Ministério Público esclareçam em que grau outros órgãos, como Coaf e Receita Federal, foram usados no esquema de arapongagem ilegal para obter informações sobre movimentações financeiras dos apontados como incômodos pelo capitão.
O que impediu que o golpe bolsonarista — já desenhado desde a chegada ao Planalto, com estruturas como gabinete do ódio e Abin paralela, depois levado adiante com os ataques às urnas eletrônicas e ao Judiciário, a sabotagem à ciência e às políticas públicas na pandemia e as explícitas tentativas de subverter o resultado das urnas e não transmitir o poder depois da derrota — foram a atuação firme do Judiciário quando outras instituições se omitiram e, também, o extremo amadorismo de Bolsonaro e dos seus.
Em todas as etapas de seu golpismo tosco, o presidente fez questão de deixar mais rastros do que as migalhas que espalhava displicentemente na mesa de café da manhã dos tempos dos vídeos de campanha, metáfora acabada do que viria a ser seu governo caótico. Basta lembrar a horripilante reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando, em plena crise com seu então ministro da Justiça, Sergio Moro, um Bolsonaro colérico reclamava de não poder controlar a Polícia Federal e se queixava da inoperância da inteligência, para dizer que a sua, particular, funcionava. Uma confissão da existência da Abin paralela.
Os dois inquéritos, esse e o da trama golpista, integram um só conjunto de provas de quão perto o Brasil esteve de perder uma democracia que levou mais de duas décadas para recuperar. E de como propostas como indulto ou anistia são um ultraje à sociedade de um país que já empurrou por vezes demais suas mazelas para debaixo do tapete.
O Globo, Opinião, 20/06/2025 02h00 Por Vera Magalhães
“O Brasil é uma espécie de caso especial.
Raramente vi um país onde elementos da elite têm tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador.
É enraizado”.
Noam Chomsky
Haddad sumiu! E passou o manche para Gleisi e Costa
O piloto da economia brasileira sumiu! Não importa os motivos, o fato é que Fernando Haddad tirou férias e empurrou o manche para Gleisi Hoffmann e Rui Costa. Apertem os cintos!
Enquanto isso, Lula continua voando, no mundo da lua, fazendo demonstrações de juventude em Paris, gracinhas no G-7 do Canadá e agindo como se nada estivesse acontecendo.
Haddad errou no anúncio das mudanças do Pix e teve de recuar, errou ao taxar o IOF sem debate e negociação prévia e teve de recuar e errou ao assumir uma alternativa técnica antes de ter garantias da cúpula da Câmara e do Senado. Vai ter de recuar?
Como a racionalidade não funciona, Haddad jogou o pepino para Gleisi, que foi sua grande adversária na presidência do PT, e Rui Costa, que continua seu maior adversário no Planalto.
Hugo Motta se transformou numa síntese ambulante do que ocorre no Congresso: o Centrão está se desgarrando do governo, descambando para a oposição e se tornou o grande responsável pelas derrotas de Lula.
Fiel da balança, e não é de hoje, o Centrão manteve um pé no governo (e em vários ministérios) e outro no bolsonarismo. Ao sentir que os ventos sopram contra Lula e a favor de um bolsonarismo ainda difuso, não teve o menor pudor – como nunca teve – de pular de barco.
Em sequência, a Câmara aprovou urgência para derrubar o pacote do IOF, o Senado derrubou doze vetos presidenciais e, em seguida, Alcolumbre leu o pedido de instalação da CPI mista das duas casas que, oficialmente, é para investigar a roubalheira de aposentadorias e pensões do INSS (…) que, na prática, é para azucrinar Lula e o governo.
Resumo da ópera: o Congresso se coloca como o grande defensor do equilíbrio fiscal, mas derruba todas as propostas para aumentar a arrecadação e ainda por cima aumentar o gasto — de preferência, os próprios gastos ou os que interessam aos lobbies mais azeitados.
Se o piloto da economia sumiu, Lula continua voando, no mundo da lua, fazendo demonstrações de juventude em Paris, gracinhas no G-7 do Canadá e agindo como se nada estivesse acontecendo. “Se eu for candidato, é para ganhar”, disse no feriado. (…) Sei não…
Fonte: O Estado de S. Paulo, Política, 19/06/2025 | 20h00 Por Eliane Cantanhêde