Sinal de alarme no convés da administração pública federal

Charge do JCézar (Arquivo Google)

Pedro do Coutto

A máquina pública federal brasileira está diante de um grave sinal de alerta. Reportagem do jornal O Globo aponta que, se nada for feito de forma urgente, faltará dinheiro já em 2027 para sustentar o funcionamento básico do Estado. E esse quadro não decorre apenas de excesso de gastos, como muitos tentam reduzir a narrativa: a verdade incômoda é que o Brasil sofre de uma falência crônica na arrecadação eficiente e justa, particularmente sobre os setores mais privilegiados da economia.

Os dados são eloquentes. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 já reconhece que o espaço para despesas discricionárias (ou seja, aquelas que o governo pode de fato decidir como aplicar) deve cair drasticamente nos próximos dois anos. Em 2026, serão R$ 208 bilhões; em 2027, esse valor despencará para R$ 122 bilhões — e desse montante, boa parte já estará comprometida com emendas parlamentares e o pagamento de precatórios.

CORTES – A margem real de manobra do governo será mínima. O Ministério da Fazenda reconhece que o cenário é crítico, mas ainda insiste em soluções tradicionais: cortes de gastos pontuais, contingenciamentos setoriais e promessas de disciplina fiscal, enquanto mantém intocados os pilares de renúncia que drenam as finanças públicas.

Há uma contradição gritante nessa equação. Fala-se constantemente em despesas obrigatórias — salários, aposentadorias, universidades, Forças Armadas — como se fossem os vilões do orçamento. Mas silencia-se sobre a ausência de receitas obrigatórias com igual peso. Os benefícios fiscais concedidos indiscriminadamente e as isenções tributárias a setores que deveriam contribuir com mais vigor são raramente discutidos com a seriedade que merecem.

Dados do Tesouro Nacional revelam que o Brasil abre mão de mais de R$ 500 bilhões por ano em renúncias fiscais — o equivalente a 4,5% do PIB. É dinheiro que deixa de entrar nos cofres públicos sem qualquer avaliação rigorosa sobre sua efetividade econômica ou social.

INADIMPLÊNCIA – No caso do INSS, o buraco também não é provocado pelos chamados “supersalários”, como muitos insistem em repetir. A estrutura de financiamento da Previdência Social é clara: ela é composta majoritariamente pela contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento, além da média de 9% paga pelos empregados. Se há rombo, ele está sobretudo na inadimplência das empresas — muitas delas devedoras contumazes — que simplesmente não recolhem o que devem. E, ainda assim, posam de grandes pagadoras de aposentadorias, alimentando um discurso falacioso sobre o peso da Previdência para o país.

A verdade é que há uma erosão silenciosa da capacidade arrecadatória do Estado, fruto de um sistema tributário desigual, altamente regressivo e repleto de brechas. Enquanto os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos, os setores de alta renda encontram mecanismos legais e ilegais para reduzir sua contribuição. O resultado é um orçamento que não fecha, não por excesso de direitos sociais, mas por ausência de justiça fiscal.

Em paralelo, há gastos com baixa transparência e retorno questionável. Apenas em 2024, mais de R$ 7 bilhões foram pagos a integrantes do Judiciário acima do teto constitucional, com base em penduricalhos legais. As emendas parlamentares, por sua vez, consumiram quase R$ 50 bilhões — muitas vezes alocadas sem critérios técnicos claros. É nesse contexto que o governo tenta convencer a sociedade da necessidade de ajustes, mas sem tocar nos verdadeiros pontos de desequilíbrio.

“APAGÃO” – Economistas alertam que, se nenhuma mudança estrutural for feita, o país enfrentará um “apagão institucional”: não por falta de vontade política, mas por inviabilidade financeira. Serviços públicos básicos serão comprometidos, investimentos paralisados e programas sociais esvaziados.

As soluções exigem coragem política: enfrentar os grandes sonegadores, revisar os benefícios fiscais, simplificar o sistema tributário e redistribuir o peso da arrecadação de forma mais justa. Também será inevitável discutir a vinculação automática de despesas ao salário mínimo, já que mais de 70% dos benefícios previdenciários são atrelados a ele, o que pressiona o orçamento em cascata.

O Brasil não tem um problema de tamanho de Estado, mas de eficácia e equidade na sua sustentação. Não é aceitável que, em um orçamento de R$ 5,8 trilhões, falte dinheiro para manter a máquina pública funcionando. A falência não é financeira — é política. A escolha entre apagar as luzes do sistema ou reestruturar suas bases fiscais está sobre a mesa. E, como sempre, o tempo corre contra quem insiste em manter o silêncio sobre o que realmente importa.

11 thoughts on “Sinal de alarme no convés da administração pública federal

  1. Se a embarcação não tiver um marinheiro experiente e sem vícios, qualquer desbalanço entre bombordo e boreste é o suficiente para ela perder a sustentação e deixar de flutuar para tombar, ainda que o centro de gravidade esteja abaixo do nível do mar. O marinheiro deve estar temendo um motim da tripulação.

  2. Muito boa análise. Parabéns.

    Focar somente em diminuir despesas de benefícios sociais é o que certos setores privilegiados querem.

    Supersalários, privilégios injustificáveis em isenções fiscais ou em benesses salariais, previdência diferenciada são exemplos.

    O que os liberalóides estão querendo: desvinculação do SM às aposentadorias e BPC, fim do piso obrigatório em aplicações em saúde e educação (não em segurança, porque aí o buraco é mais embaixo). Quem é atingido por essas medidas?

    Por que não começar pelos de cima?
    Por que sempre o sacrifício recai no lombo dos de sempre?

  3. O Brasil é um dos países com os maiores impostos do mundo e com o menor retorno para a população. Saúde, segurança e educação são um verdadeiro caos. E, o missivista vem dizer que o problema não é a máquina pública. Só o Lula, no atual governo, criou mais 20 ministérios inúteis que só fazem torrar dinheiro sem nada produzir. Se o governo federal, o legislativo e o judiciário não forem reduzidos em suas mordomias, vejam os ministros do STF que agora vão ter serviço de segurança eternamente, a pensão eterna para as filhas dos senadores, deputade fazendo plástica com dinheiro público e a lista é interminável. Aí aparece o Pedro do Coutto propondo aumento dos impostos. Só se for para financiar a Secom e vocês sabem o motivo.

  4. Que tal começar pelos vitalícios, sem voto, que se colocam acima da Lei, juízes e promotores multimilionários com dinheiro usurpado do contribuinte-jurisdicionado?

  5. “As soluções exigem coragem política”

    Os eleitores do Cachaça devem estar orguhosos: Lula abre o cofre para os corruptos e corta o dinheiro do miserável que recebe BCP.

  6. Primeiro isto, ou seja, fazer como na Suécia:

    Na Suécia, parlamentares não recebem aposentadoria vitalícia ou benefícios financeiros ao final do mandato. Eles são considerados cidadãos comuns após o término do mandato e não recebem nenhum tipo de pensão ou benefício especial por terem exercido o cargo.
    A Suécia possui um sistema político onde a representação parlamentar é vista como um serviço público, e não como uma carreira com benefícios vitalícios. Os parlamentares suecos não têm direito a privilégios como auxílio-moradia, plano de saúde especial ou foro privilegiado após o fim do mandato.

    Ao contrário de muitos outros países, onde parlamentares podem receber aposentadorias generosas e outros benefícios após deixar o cargo, na Suécia, a expectativa é que eles retornem à sua vida profissional anterior ou encontrem novas oportunidades de trabalho.

    Topam ? Acabanos com aposentadorias de políticos, pensões de políticos falecidos etc.

    • Boa. Não esquecer das emendas. E também fim de privilégios no Judiciário e Executivo, por exemplo, os penduricalhos e cargos paralelos que engordam os salários. Também fim da previdência diferenciada para categorias como a dos militares.
      Na área privada, fim de isenções fiscais, como a distribuição de lucros e dividendos para pessoas físicas.

      Só depois começar a cortar benefícios sociais.

      • Muito obrigado. Precisaríamos de uma nova constituição e de 513 – perdão, 531 – deputados comprometidos com a proposta. Com este povo estúpido começa comprometida a escolha.

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