João Pereira Coutinho
Folha
Um espectro ronda o Oriente Médio — o espectro do neoconservadorismo. Com a guerra no Irã e os bombardeios americanos contra as centrais nucleares do país, não faltam especialistas em pânico: “Os ‘neocons’ estão de volta!” Será que os erros do Afeganistão e do Iraque vão se repetir? Só Deus sabe, meus filhos — e eu não ponho a mão no fogo por nenhum ser bípede.
Mas, até agora, há uma diferença entre impedir que a teocracia milenarista dos aiatolás consiga uma bomba nuclear e querer instalar em Teerã uma democracia ao estilo ocidental. Sim, em teoria, eu gostava que ambas fossem possíveis. Quem não gostaria?
INTERFERÊNCIAS – Mas também sei, na prática, que as interferências externas na política interna da região produziram mais desastres que triunfos. E não é preciso citar os casos óbvios do Afeganistão e do Iraque porque o mundo não começou ontem.
O historiador Fawaz Gerges, no seu “What Really Went Wrong: The West and the Failure of Democracy in the Middle East”, ajuda a compreender os fracassos democráticos do Oriente Médio pela ação direta que os Estados Unidos tiveram na região.
Não compro todas as teses de Gerges, que manifestamente subestima o antissemitismo brutal dos países árabes como causa dos seus infortúnios. Um exemplo: se, em 1947, a Liga Árabe tivesse aceitado o Plano de Partição da ONU para a Palestina, talvez o rio de sangue que corre desde então tivesse secado na origem.
LIÇÃO DO AVISO – Também não endeuso, como ele faz, líderes megalômanos como o egípcio Gamal Abdel Nasser, um dos principais responsáveis pela guerra de 1967. Mas os capítulos que Gerges dedica ao Irã são oportunos para o momento presente. Servem como lição de aviso.
Depois da Segunda Guerra Mundial, escreve o autor, o Irã poderia ter seguido um caminho diferente — mais democrático, mais justo, mais pluralista.
Essa era, ao menos, a intenção do primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, que começou a agitar os interesses britânicos ao nacionalizar o petróleo iraniano em benefício do próprio país. Foi seu primeiro “pecado”. O segundo foi a aproximação aos comunistas locais como forma de sobreviver politicamente à contestação crescente do exército e da monarquia Pahlavi contra ele.
COM EIKE NO PODER – No contexto da Guerra Fria, e com a mudança da guarda em Washington — Eisenhower substituindo Truman —, as ousadias de Mossadegh terminaram num golpe de Estado em 1953, orquestrado pela CIA. Os interesses econômicos e geoestratégicos estavam salvaguardados.
Como se não bastasse, os americanos continuaram apoiando a ditadura do xá Reza Pahlavi — que justificava seu autoritarismo com uma frase célebre: “Quando os iranianos aprenderem a se comportar como os suecos, eu vou me comportar como o rei da Suécia.” Nos entretantos, a repressão aumentava, o descontentamento social também —e, em 1979, quando o país estava pronto para uma revolução, foram os clérigos medievais de Khomeini, então no exílio, que colheram os frutos do desencanto. A oposição democrática ao xá estava na prisão —ou no cemitério.
MORAL DA HISTÓRIA? – O futuro do Irã, ontem como hoje, deve ser decidido pelos próprios iranianos. Se uma ação militar de Israel ou dos Estados Unidos acabar criando condições para que o povo se liberte de seus opressores, tanto melhor.
A chamada “mudança de regime” pode até ser desejável — desde que venha de dentro, e que vá na direção certa.
O neoconservadorismo que abalou o mundo no início do século 21, no entanto, era de outra natureza: uma espécie de trotskismo de direita, promovido por ex-trotskistas que jamais abandonaram o “universalismo revolucionário” da juventude. Substituíram o marxismo pela democracia liberal — mas mantiveram a fé na transformação global pela força.
IR ALÉM – Para eles, não bastava perseguir os responsáveis pelos atentados de 11 de Setembro ou os regimes párias que os acolhiam. Era preciso ir além. Ocupar militarmente o Afeganistão —e, pior ainda, o Iraque—, interferir em realidades sectárias das quais pouco ou nada compreendiam — e esperar, sentados, que a democracia florescesse nas areias do deserto como uma flor cheirosa e vistosa.
O resultado foi trágico. Pior ainda: foi irônico. O Irã emergiu como potência regional, o Iraque caiu na guerra civil latente e o Afeganistão recebeu de volta o Talibã para uma nova ronda de abuso e obscurantismo.
Remover a ameaça nuclear iraniana e, como bônus, permitir que os iranianos escolham seu próprio destino já é tarefa bastante ambiciosa. Pedir mais, na história do Oriente Médio, é sempre pedir demais.