Johanns Eller
O Globo
Em uma nova ofensiva de congressistas dos Estados Unidos contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, um grupo de deputados do país apresentou nesta terça-feira (1º) um Projeto de Lei que, caso aprovado, pode restringir a cooperação financeira e judicial entre órgãos americanos e instituições do Brasil e barrar o financiamento a entidades voltadas para o combate à desinformação que venham a assessorar a Justiça Eleitoral brasileira.
O projeto foi liderado por um parlamentar do Partido Republicano de Donald Trump, parceiro de Jair Bolsonaro no país aliado, Chris Smith (Nova Jersey), líder do subcomitê de direitos humanos globais no Comitê de Relações Exteriores da Câmara. O texto é coassinado pelos correligionários Jim Jordan (Ohio), presidente do Comitê Judiciário, equivalente à Comissão de Constituição e Justiça no Brasil, e María Elvira Salazar (Flórida), que se tornou uma liderança das causas da direita brasileira no Congresso americano.
PRIMEIRA EMENDA – O texto proíbe que os EUA acatem a solicitação de “entidades estrangeiras” por cooperação em medidas judiciais, caso o procurador-geral, equivalente ao ministro da Justiça no Brasil, constate que o pedido “causará, facilitará ou promoverá a censura” ao direito à liberdade de expressão previsto na primeira emenda da Constituição americana – inclusive solicitações que mirem plataformas digitais sediadas no país, como é o caso da rede social X.
Nesse trecho, os deputados miram diretamente eventuais cooperações entre Brasil e EUA em decisões que envolvam a suspensão de perfis em redes sociais ou de plataformas inteiras, bem como a restrição à liberdade de cidadãos brasileiros em solo americano com base em investigações que apuram supostos crimes digitais, a exemplo dos inquéritos das fake news e o das milícias digitais.
O pano de fundo da nova frente de batalha é a suspensão da rede social X no Brasil há um mês, no fim de agosto, que catalisou os esforços da direita americana em pressionar Moraes e a Suprema Corte brasileira.
BLOQUEIO DO X – A medida, determinada por Moraes após a rede se recusar a nomear um representante no Brasil e referendada pela Primeira Turma do STF, é citada na justificativa da proposição legislativa junto de outras decisões judiciais como a inclusão do dono da plataforma, Elon Musk, que é cidadão americano, no inquérito das milícias digitais e a derrubada de perfis por ordem da Corte. A empresa já indicou um novo representante, mas Moraes cobra a quitação de multas expedidas pela Justiça brasileira para desbloquear o site.
A suspensão das redes do jornalista Paulo Figueiredo, que mantém um canal de direita popular entre bolsonaristas, é citada expressamente na redação do Projeto de Lei como um suposto exemplo de censura promovida pelo Supremo. Paulo, que vive na Flórida, também é cidadão americano e, além da restrição aos seus perfis, teve seu passaporte cancelado por ordem de Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news.
O texto também veda qualquer cooperação dos Estados Unidos sob a Lei de Assistência Estrangeira americana de 1961, que prevê programas de ajuda externa e cooperação econômica junto a outras nações onde “entidades estrangeiras” tenham atuado, facilitado ou promovido atos de censura à liberdade de expressão on-line ou planeje fazê-lo de forma “iminente”.
ENTE ESTRANGEIRO – O projeto trata como ente estrangeiro qualquer “agência, ministério, posto ou subdivisão de um governo federal”, bem como entidades internacionais e organizações não governamentais (ONGs) com atividades fora dos EUA.
A legislação dos anos 60 citada no projeto foi usada como base, por exemplo, para formalizar o Brasil como principal aliado dos EUA fora da Otan em 2019, durante os governos Trump e Jair Bolsonaro – designação que facilita a compra de tecnologia e armamentos americanos, além de aprofundar a cooperação militar bilateral. A lei já foi usada em outras ocasiões para firmar tratativas entre os dois países em diferentes setores, como a Defesa.
Smith, Jordan e Salazar fizeram um levantamento de colaborações entre Brasília e Washington no âmbito do combate à desinformação e às fake news – apontadas pelos congressistas como instrumentos para a censura do livre discurso no Brasil.
DESDE TEMER – “O governo Biden-Harris conduziu uma ‘armamentização’ dos programas de assistência a nações estrangeiras e outros meios para promover censura no Brasil e desmantelar a liberdade de expressão que estaria garantida em solo americano sob a Constituição dos EUA”, diz o deputado Smith.
Na lista de cooperações entre Brasil e EUA, está uma cooperação entre o TSE e agentes do FBI, a Polícia Federal dos EUA, e um agente do Departamento de Justiça para debater os esforços das autoridades americanas em defesa da integridade eleitoral e contra notícias falsas ocorrida ainda em 2018, nos governos Trump e Michel Temer.
São citadas ainda a participação da Corte eleitoral brasileira em um estudo internacional contra as fake news financiado por um programa da agência americana para ajuda externa, a Usaid, o intercâmbio entre o TSE e ONGs de combate à desinformação financiadas pelo mesmo órgão e o repasse de US$ 200 mil (R$ 1 milhão em valores atualizados) de uma instituição científica vinculada ao Congresso americano à Universidade George Washington para debelar a desinformação no Brasil e em outros países.
ACUSAÇÃO SÉRIA – “O Comitê Judiciário e o Subcomitê sobre a Armamentização do Governo Federal revelou como o FBI facilitou requerimentos de censura contra americanos por parte de um governo estrangeiro”, acusa Jim Jordan, em referência a Elon Musk e o X, entre outros cidadãos dos EUA na mira da Justiça brasileira. “Esse Projeto de Lei é crucial para impedir que autoridades do exterior silenciem vozes minoritárias a partir [da ajuda] do Departamento de Justiça dos EUA ou do FBI”.
O projeto agora deve ser discutido nas instâncias da Câmara de Representantes, de maioria republicana. As eleições de novembro nos EUA também elegerão os deputados da próxima legislatura, além de decidir entre a atual vice-presidente Kamala Harris, do Partido Democrata, e o ex-ocupante da Casa Branca Donald Trump para o comando da maior potência do planeta.
REVOGAÇÃO DE VISTOS – A nova ofensiva patrocinada pelos republicanos ocorre quase duas semanas após três deputados e um senador pedirem ao secretário de Estado americano, Antony Blinken, a revogação dos vistos de todos os ministros do STF — com destaque para Alexandre de Moraes, descrito no documento como “ditador totalitário”.
Na véspera, outro grupo de deputados também havia protocolado um projeto que, na prática, pode barrar a entrada do ministro Alexandre de Moraes no país ou até mesmo deportá-lo, sempre com a decisão de suspender o X como justificativa.
A trincheira política conta com a participação de bolsonaristas radicados nos EUA, que têm colaborado com os congressistas republicanos na pressão contra o STF. A expectativa destes apoiadores de Jair Bolsonaro é que a opinião pública americana seja sensibilizada em relação ao contexto do Brasil.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO – Embora tenha sido ratificado por uma das turmas da Suprema Corte brasileira, o assunto provoca desconforto no país aliado, mesmo sob o governo democrata de Joe Biden, que mantém boas relações com Lula.
A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, declarou na semana retrasada que o governo dos EUA defende o acesso da sociedade às redes sociais como uma garantia à liberdade de expressão, quando indagada pela correspondente da TV Globo em Washington, Raquel Krähenbühl, a respeito da suspensão da plataforma de Elon Musk.
O tema é considerado sensível nos Estados Unidos porque a defesa da liberdade de expressão, garantida pela primeira emenda da Constituição americana, é uma bandeira suprapartidária na política interna que não costuma abrir brechas para exceções como discurso de ódio ou antidemocráticos.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Eu bem que avisei, logo no início da briga, que Moraes iria realizar o belo sonho de se tornar famoso no mundo inteiro. Ele pensou (?) que estava derrotando e destruindo Elon Musk, mas na verdade o buraco era mais embaixo, como se dizia antigamente. E não adianta Moraes se desesperar e se descabelar todo, porque a matriz USA vai tratá-lo como um gerente da filial Brazil que não conhece a Primeira Emenda e quer desobedecê-la. Lá nos States isso é um crime muito grave, contra a democracia. (C.N.)