Fabiano Lana
Estadão
No atual governo Haddad-Lira – talvez Roberto Campos, no Banco Central – o presidente Lula não tem muito o que fazer. O ministro da Fazenda busca liderar o processo de equilíbrio das contas públicas e volta do crescimento – ainda não sabemos se será bem-sucedido. O presidente da Câmara exerce seu poder na expansão contínua do quinhão congressual do orçamento e na distribuição de cargos estratégicos para seus aliados nos ministérios. Campos e a diretoria do BC operam a taxa de juros para segurar a inflação.
Além disso, com minoria no Congresso, não há possibilidades de mudanças legislativas que possam fazer avançar pautas históricas do movimento que Lula representa. Hoje, o governismo não tem forças nem mesmo para indicar as presidências das comissões mais importantes da Câmara, como a de Constituição e Justiça e Educação, que ficaram nas mãos dos ultraoposicionistas e abnegados bolsonaristas, Caroline de Toni e Nikolas Ferreira.
LIDERAR A QUEM – Ao presidente Lula tem restado o papel de líder internacional. Mas liderar a quem? A Europa Ocidental e os Estados Unidos estão unidos na condenação à Rússia. Se Lula estivesse desse lado, mesmo sendo o mais democrático, seria apenas mais um na multidão a fazer papel de figurante. Porém, há algo megalomaníaco na nossa atual política internacional.
No caso de Gaza, Lula talvez tenha ido longe demais na comparação do banho de sangue que ocorre lá ao metódico e planejado holocausto nazista, o que acabou por ofender até mesmo judeus que são contra o atual governo de Israel.
Mesmo na América do Sul, Lula não tem mais tanta força como nos mandatos anteriores. O argentino Javier Milei é quase um antípoda ideológico. O uruguaio Lacalle Pou é de uma centro-direita moderada que quer distância das ideias defendidas pelo Partido dos Trabalhadores. O chileno Gabriel Boric quer trilhar caminho próprio, sem ser tutelado pelos esquerdistas mais velhos e de ideias antigas. Outros países como a China ou a Índia querem liderar, não serem liderados.
JUNTO AOS PÁRIAS – Restou a Lula circular com os párias. Venezuela, Rússia, são os exemplos mais evidentes. No caso da Rússia, inclusive, oferece a mão amiga a um ditador também responsável pela morte de inocentes. Lula, inclusive, já disse que toda vida é vida, ao se referir às crianças mortas em Gaza pelos israelenses. Já deu alguma declaração sobre crianças ucranianas? Ou elas valem menos por serem protegidas por um “exército bem equipado”?
Neste contexto, de procurar uma turma que o ache relevante e o aceite, devem ser entendidas certas obscenidades faladas por Lula nos últimos meses. Como culpar a Ucrânia pela a invasão do seu próprio território ou pedir para os oposicionistas venezuelanos pararem de chorar e indicarem outro candidato para competir com Nicolas Maduro em uma das eleições mais suspeitas de fraudes deste milênio.
Caso os principais desafiantes não possam competir, como tem sido a tendência, não serão necessários nem mesmo olheiros internacionais para mostrar que são eleições para lá de suspeitas.
EXISTE ACEITAÇÃO – Estudiosos do nazismo registram em suas obras que uma das características intrigantes de regimes totalitários é a aceitação por parte da população do que seria consensualmente repulsivo em outros tempos. Práticas degradantes começam a se tornar rotina em países fechados e pouco a pouco começam a fazer parte do cotidiano nas pessoas.
Longe, muito longe, de atribuir a Lula qualquer intenção autoritária interna, mas o que pode ocorrer é que suas falas algo sórdidas sobre as questões internacionais se tornem parte de nossa rotina e em breve as normalizamos. Afinal, é o que resta ao nosso presidente.
Por outro lado, tem faltado criatividade a Lula na sua defesa dos ditadores russo e venezuelano. Está repetitivo.
OUTROS TIRANOS – Há uma série de regimes autoritários mundo a fora para ele louvar e tentar ajudar. Temos a hoje quase esquecida Cuba, que passa por grave crise de falta de alimentos – mas sempre é possível culpar o embargo dos EUA por tudo de desagradável que passe por lá. Coreia Norte é um exemplo bizarro, mas por ser antiamericana pode receber a bênção do governo brasileiro, assim como Irã. Pela Nicarágua já há certa simpatia histórica, mas é mais difícil estar do lado de países que perseguem até padres católicos.
A lista, entretanto, pode ser muito maior e oferecemos aqui algumas sugestões de países para o presidente Lula se aproximar e se consolidar como líder: Afeganistão, Mianmar, Mali, Somália, Burundi, entre tantas nações onde faltam prerrogativas democráticas – e direitos para as minorias.
Mas, com certeza, o assessor internacional Celso Amorim já possui tal mapeamento para buscar algum contato efetivo.