Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
Os três principais jornais brasileiros, O Globo, Estadão e Folha, criticaram as recentes decisões monocráticas do ministro Dias Toffoli, que, de canetada em canetada, vem anulando condenações por corrupção sentenciadas pela Lava-Jato e outras operações.
O GLOBO: “Não há dúvida de que a Lava-Jato cometeu excessos e que isso deve ser levado em conta ao avaliar suas sentenças e punições. Mas nada disso apaga toda a roubalheira confessada, comprovada por documentos, testemunhos e gravações. Diante de tema tão relevante sobre o passado recente, com reflexos no futuro do país, os 11 ministros do STF têm o dever de se manifestar. Não é razoável que um único juiz tenha o poder de tomar decisões tão graves sobre casos com tamanha repercussão”.
ESTADÃO: “[O papel de Toffoli] é menos importante e nefasto para a institucionalidade republicana do que a omissão de seus pares no STF. Desde setembro de 2023, Dias Toffoli tem tomado uma série de decisões monocráticas em favor de empresários que confessaram graves crimes. E o fizeram não porque foram submetidos a uma terrível violência patrimonial e psicológica por agentes do Estado, mas porque foram espertos para identificar um bom negócio — os acordos de leniência e de colaboração premiada — quando estiveram diante de um. Nenhuma dessas decisões tem sido escrutinada pelo STF como instituição colegiada”.
FOLHA: “O país precisa saber quantos dentre os dez colegas de Toffoli (no STF) concordam com a lamentável opção de jogar fora numa só tacada anos de esforços para responsabilizar fraudadores do Erário, quando o correto seria descartar o joio — as faltas capitais de autoridades à frente dos casos — e preservar o trigo da punição aos crimes cometidos”.
PONTOS EM COMUM – Há importantes pontos em comum. Todos os jornais consideram as decisões de Toffoli sem base jurídica e, pois, digo eu, ditadas por interesses pessoais do ministro. Lembro: quando Lula estava preso em Curitiba, Toffoli impediu sua ida ao velório de seu irmão Vavá. Depois da eleição de Lula, Toffoli tem feito de tudo para agradar o presidente.
Os três jornais também consideram muito errado que decisões tão importantes sejam tomadas de forma monocrática. A última de Toffoli foi anular todas as ações penais contra Marcelo Odebrecht praticadas na 13ª Vara de Curitiba. Nem existe a urgência.
O empresário já está solto, beneficiado pela delação premiada, aliás mantida pelo ministro do Supremo. As ações em que foi condenado, por farta e documentada corrupção, estão anuladas. Mas a delação em que Odebrecht confessa os crimes está valendo. Isso mesmo.
ESPANTO GERAL – No essencial, os três jornais manifestam seu espanto com o fato de as decisões monocráticas, um erro em si, permanecerem monocráticas. Por que o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, não consegue colocar tais decisões em plenário?
Porque, digo eu, estão todos os ministros, uns mais outros menos, uns por convicção outros por apatia, envolvidos no grande acordão para zerar a Lava-Jato e todo o sistema de combate à corrupção.
Como é impossível dar pirueta para declarar inocentes todos os culpados, dada a avalanche de provas, recorreram às formalidades para descondenar todo mundo. Anulam-se os processos e, pronto, estão todos livres. Roubaram — isso podia antes da Lava-Jato, depois não podia, mas agora pode de novo.
DIZ O GLOBO: “Para o cidadão comum, já sem entender as muitas mudanças de jurisprudência neste e noutros casos, essa relutância em levar a questão ao plenário corrói a credibilidade da Corte”.
Há oito anos, no auge da Lava-Jato, vazou um áudio em que o então ministro do Planejamento e senador Romero Jucá dizia a um colega: “Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”, (por meio de um acordo), “com o Supremo, com tudo”.
Emílio Odebrecht estava pessoalmente envolvido nessa tentativa, conforme me disse, na ocasião, num longo encontro. O empresário ainda estava livre, mas logo caiu na rede e teve de fazer sua delação premiada. Hoje está livre, como seu filho. E como Jucá. O acordão demorou, mas está em pleno vigor.