Maria Hermínia Tavares
Folha
Mesmo sem os resultados do segundo turno em 52 cidades, entre elas 15 capitais, muito já se discute sobre perdas e ganhos partidários. Poucos, no entanto, discordam de que o PT, até o momento, tem pouco a comemorar, mesmo que seus candidatos em São Paulo e em outras quatro capitais continuem no páreo. Isso, embora o partido de Lula tenha aumentado o número de cidades que governará – de 182 em 2020 para 248 municípios, por enquanto.
Esse ganho, além de modesto, não esconde dois fatos incômodos para a agremiação. O primeiro é que seu desempenho em eleições municipais nunca foi lá aquelas coisas. O centro e as direitas sempre predominaram na base do sistema político brasileiro, tanto nas votações para prefeito e vereadores, como naquelas que definem quem ocupará as cadeiras da Câmara dos Deputados.
AUGE EM 2012 – De resto, a relação entre os resultados das eleições municipais e para o Congresso, bem como o predomínio das forças conservadoras, impõem ofuscantes limites ao que podem fazer governos progressistas. De toda forma, a curva de crescimento petista nos municípios, que chegou ao auge em 2012, sofreu brutal inflexão na rodada seguinte, passados quatro anos.
A queda registrada em 2016 marcou o segundo fato incômodo para a agremiação do Presidente Lula: a sangria de votos nas cidades maiores – e não só nas capitais. Esse fenômeno está primorosamente documentado no livro “O Brasil Dobrou à Direita”, (2020) do cientista político Jairo Nicolau (FGV-RJ).
O partido minguou nos grandes centros urbanos perdendo espaço para as forças direitistas, cuja primazia foi confirmada na fala das urnas de 6 de outubro último. Ou seja, uma parte dos setores populares das cidades, que, no passado, deu lastro eleitoral ao PT, desgarrou-se.
ESQUERDA BRÂMANE – O economista francês Thomas Piketty cunhou a expressão “esquerda brâmane” para descrever o processo de transformação dos partidos progressistas franceses, outrora enraizados na classe operária, em agremiações de eleitores de alto nível educacional e robusto capital cultural.
Impossível não pensar em Piketty ao observar a distribuição espacial dos votos de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo, sua concentração nos “bairros brâmanes” do centro e do oeste da cidade, e a perda expressiva de votos em antigas fortalezas eleitorais petistas.
O PT nasceu da confluência de lideranças sindicais do operariado e do setor público; dos movimentos sociais urbanos; das organizações de base da Igreja Católica; de militantes da esquerda convertidos à causa democrática; e de intelectuais progressistas das universidades públicas. E a legenda se lançou na contenda eleitoral com uma vigorosa agenda de direitos sociais e redistribuição de renda.
NOVA REALIDADE – O Brasil de hoje é bem outro, transformado pelas reformas econômicas, que domaram a inflação, e pelas reformas sociais que o PT aprofundou, quando não iniciou.
Mas também, pelas mudanças sem volta no mundo do trabalho; pela expansão das universidades privadas; pela transição religiosa que aprofundou o pluralismo de crenças; pelos problemas urbanos agravados pela crise climática e pela expansão do crime organizado.
Assim, para escapar ao gueto brâmane, o PT terá de ir além de repetir o discurso que lhe garantiu vitórias passadas.