
Direita enfrenta a fragmentação do eleitorado e a erosão bolsonarista
Marcelo Copelli
Revista Fórum
A última semana deixou claro que a direita brasileira vive um processo de desgaste acelerado. O que antes se apresentava como um bloco coeso em torno de Jair Bolsonaro agora se mostra em pedaços, atravessado por disputas internas, contradições públicas e sinais de perda de fôlego.
O quadro combina manifestações populares contra projetos que buscavam blindar políticos acusados de golpismo, choques entre caciques partidários e até mesmo um gesto internacional inesperado que desestabilizou a narrativa do bolsonarismo.
SEM PROJETO UNIFICADO – Na prática, a direita caminha para 2026 sem um projeto unificado, sem discurso mobilizador e sem liderança incontestável. O risco é chegar à disputa presidencial rachada, com votos dispersos e incapaz de oferecer alternativa consistente ao que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva representa hoje.
O estopim doméstico foi a tentativa de aprovar a PEC da “blindagem” e a anistia a golpistas. O cálculo era simples: livrar aliados de punições e manter a base radical coesa. Mas a rua respondeu em tom de rejeição, transformando em desgaste político o que seria uma vitória legislativa. O efeito foi imediato e abriu-se mais um flanco de conflito interno, expondo a fragilidade da articulação da direita e seu distanciamento do sentimento popular.
A crise não parou aí. Eduardo Bolsonaro e seu grupo, atuando nos Estados Unidos, levaram o embate para fora das fronteiras nacionais ao entrar em rota de colisão com Valdemar Costa Neto, presidente do PL.
RUPTURA – A recusa pública de qualquer suporte financeiro do partido foi apresentada como gesto de independência, mas soou, para muitos, como sinal de ruptura e desconfiança interna. Em vez de união, o episódio deixou claro que a direita se perde em brigas intestinas que corroem a autoridade de seus próprios dirigentes.
Enquanto isso, nomes tidos como alternativas presidenciais, como Tarcísio de Freitas, mostram desânimo diante do cenário. O governador de São Paulo, que era visto como herdeiro natural da vaga presidencial, agora dá sinais de que prefere recuar.
O vazio abriu espaço para opções como Ratinho Júnior, uma solução mais palatável ao establishment, mas incapaz de mobilizar massas. O resultado é um quadro em que a direita não só se divide, como também perde sua capacidade de falar às ruas.
SURPRESA – No front externo, um gesto surpreendente desestabilizou ainda mais o bolsonarismo: o encontro entre Donald Trump e Lula na ONU. O que foi descrito como uma reunião cordial e de “boa química” desarmou a narrativa de que Bolsonaro era o elo exclusivo da direita global com Washington.
O recado é cristalino: o ex-presidente, hoje isolado e silenciado por decisões judiciais, já não tem a utilidade que teve no cenário internacional. Esse deslocamento enfraquece ainda mais sua posição e fragiliza os que ainda tentam se sustentar em seu capital político.
O retrato que emerge é o de um campo em decomposição. No curto prazo, a direita enfrenta a fragmentação do eleitorado e a erosão da imagem de Bolsonaro. Sem capacidade de articulação, assiste à desmobilização de sua militância e seus líderes regionais disputarem migalhas de poder.
DEPENDÊNCIA – No médio prazo, a dependência de pressões externas e de interesses empresariais pode empurrar o bloco para um pragmatismo vazio, sem identidade, incapaz de dialogar com os setores populares que historicamente ignora. Mais do que falta de estratégia, o que se vê é um projeto em decadência.
A direita brasileira parece condenada a reproduzir suas próprias contradições: patriarcas partidários que disputam recursos e protagonismo, herdeiros sem apelo popular e um líder corroído por processos judiciais e pelo isolamento. Em vez de renovação, o que se anuncia é deterioração.
No fim, a lição é clara: a direita que se vendeu como antissistema não conseguiu sustentar nem sua própria coesão. Hoje, mais fragmentada do que nunca, corre o risco de assistir passivamente à consolidação de um ciclo progressista no país. Não por força de algum plano articulado de renovação, mas pelo simples fato de que seu desgaste é maior do que sua capacidade de reinvenção.