
Charge do Ferguson (Financial Times)
Jamil Chade
do UOL
Em 2017, a União Europeia perdeu para a China sua posição histórica como maior parceiro comercial do Mercosul. O comércio da China com o Mercosul alcançou aproximadamente US$ 190 bilhões em 2023, cerca de 18 vezes o montante de 2003. E em 2023, a China foi responsável por 26,7% do comércio externo do bloco, contra 16,9% da UE e 13% dos EUA.
Embora ainda não haja um acordo de livre comércio entre a China e o Mercosul, Pequim indicou seu interesse estratégico na região ao anunciar que aumentaria o comércio bilateral com a América do Sul para US$ 500 bilhões até 2025 e investiria US$ 250 bilhões na região.
BRAÇOS ABERTOS – A maioria dos países membros do Mercosul já enfatizou seu desejo de aumentar os laços com a China. O Uruguai está em negociações com a China sobre um acordo comercial bilateral desde 2021 e também tem pressionado por uma parceria mais ampla do Mercosul com o país asiático.
Lula expressou seu apoio à possibilidade de buscar um acordo com a China. O Paraguai também está tentando obter acesso ao mercado chinês por meio de um acordo comercial entre Pequim e o Mercosul. Até mesmo o presidente da Argentina, Javier Milei, que anteriormente tinha uma postura crítica em relação à China, mudou para uma forma cada vez mais pragmática de colaboração.
A constatação dos europeus é de que a América Latina se transformou no segundo maior receptor de investimento direto chinês, depois da Ásia, num total de US$ 187,5 bilhões.
OFENSIVA CHINESA – Ainda que o número seja inferior aos US$ 765 bilhões de investimentos dos europeus, é o padrão do envolvimento chinês que preocupa.
“Cerca de dois terços dos investimentos chineses estão nas áreas de energia, matérias-primas e mineração”, diz o relatório. As matérias-primas, de fato, representaram 46% do investimento de 2015 a 2021. Os projetos de metais e minerais críticos têm sido um foco importante para os investidores chineses, representando 98% do seu investimento total em mineração.
No Brasil, a China possui e opera mais de 300 usinas de energia elétrica e 50% da geração de energia hidrelétrica de São Paulo, o que, combinado, constitui 10% da capacidade total de geração de energia do país. No Chile, 57% da distribuição de eletricidade pertencem a empresas chinesas.
DINHEIRO À VONTADE – Os dois bancos de desenvolvimento chineses — o CDB (Banco de Desenvolvimento da China) e o Exim (Banco de Exportação e Importação da China) — emprestaram mais de US$ 141 bilhões aos países da América Latina desde 2005, mais do que o Banco Mundial, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina juntos.
Para os europeus, portanto, a China é uma “rival na corrida por matérias-primas essenciais”.
“A transição global para a energia renovável e os veículos elétricos aumentou a importância estratégica da América Latina para a China, especialmente devido à sua necessidade de matérias-primas essenciais, como lítio, cobre e nióbio”, diz o relatório da União Europeia. Hoje, a China é o principal comprador das matérias-primas da América Latina. Em 2023, ela foi responsável por 34% das exportações minerais da região.
MATÉRIAS-PRIMAS – A questão, porém, é que, das 34 matérias-primas consideradas primordiais pela União Europeia, 25 são extraídas na América Latina.
“A América Latina, em especial a América do Sul, é rica principalmente em lítio e cobre, que são essenciais para as tecnologias de energia renovável e para a produção de baterias de íon-lítio usadas em laptops, smartphones e veículos híbridos e elétricos”, dizem os europeus no relatório.
As projeções da ONU (Organização das Nações Unidas) indicam que, até 2050, a demanda de lítio poderá aumentar em mais de 1.500%. Somente a demanda da UE por lítio deverá aumentar 12 vezes até 2030 e 21 vezes até 2050.
JAZIDAS DE LÍTIO – De acordo com o US Geological Survey de 2024, a Argentina, a Bolívia e o Chile — conjuntamente chamados de “triângulo do lítio” — detêm cerca de metade dos recursos de lítio estimados no mundo.
Além do triângulo do lítio, outros países latino-americanos, como o Brasil e o Peru, estão explorando suas potenciais reservas desse elemento.
O levantamento revela que, desde 2018, a China investiu US$ 11 bilhões na extração de lítio na América Latina. Empresas de mineração chinesas, como Ganfeng, Tianqi e Zijin, obtiveram acesso parcial ou total a jazidas minerais em todo o mundo, inclusive na América Latina. Juntas, as empresas chinesas compraram metade das maiores minas de lítio do mundo.
AVANÇO DA CHINA – Um negócio notável ocorreu em janeiro de 2023, quando um consórcio de empresas chinesas (CATL, Brunp e CMOC) investiu US$ 1,4 bilhão na construção de duas plantas de extração de lítio na Bolívia em parceria com a boliviana YLB.
Do ponto de vista da UE, diz o estudo de seus especialistas, “a questão é como reagir à presença cada vez maior da China, especialmente no contexto da necessidade urgente da UE de um fornecimento [diversificado] de matérias-primas essenciais para dominar a transição limpa e digital de sua economia”.
Apesar de expandir suas relações comerciais globais com a América Latina, a UE vem perdendo participação de mercado nos últimos 25 anos. Ainda assim, a avaliação do bloco é de que a UE poderia se apresentar aos países da América Latina como uma “alternativa mutuamente benéfica, sustentável e mais atraente” diante da tensão entre EUA e China.
ACORDO COM MERCOSUL – “Entretanto, um teste decisivo para a UE e seu objetivo de fortalecer os laços com a América Latina certamente será o acordo de parceria UE-Mercosul”, insiste o documento.
A Europa admite que vive uma situação desconfortável e que perdeu a oportunidade de realizar uma cúpula com a região por mais de oito anos, de 2015 a 2023. Além disso, a diplomacia de vacinas da UE durante a pandemia de Covid-19 prejudicou sua reputação e credibilidade aos olhos dos países do Sul Global.
De acordo com o Fórum Econômico Mundial, o comércio entre a China e a América Latina cresceu 26 vezes entre 2000 e 2020, passando de US$ 12 bilhões para US$ 315 bilhões. As projeções sugerem que esse comércio dobrará até 2035, atingindo mais de US$ 700 bilhões.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não mais que de repente, diria Vinicius de Moraes, o Brasil se transformou na cereja do bolo da disputa comercial entre Estados Unidos, União Europeia e China, numa corrida maluca que se intensificou na virada do século, quando os EUA eram hegemônicos, mas a China atropelou por fora e passou a ter toda pinta de que vai ganhar esse páreo. Espera-se que Lula da Silva, que se julga (?) o maior líder planetário, não atrapalhe muito o Itamaraty, a Apex e as entidades empresariais. (C.N.)