Fica cada vez mais clara a perseguição de Moraes a Musk
Fabio Serapião e Glenn Greenwald
Folha
Conversas entre auxiliares de Alexandre de Moraes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram como o ministro ordenou o endurecimento contra o X (antigo Twitter) após o bilionário Elon Musk assumir a empresa e se negar a fazer a moderação de conteúdo nos termos defendidos pelo magistrado. As mensagens são de março de 2023, cinco meses após a eleição no Brasil, e tratam de publicações sem relação direta com assuntos da alçada do TSE. Elas mostram o início do atrito entre a plataforma e Moraes, que dura até hoje e resultou na ordem de suspensão do X no país.
Em 2022, o TSE firmou parcerias com as redes sociais para, por meio de alertas, recomendar a exclusão de publicações que, segundo avaliações internas da corte, espalhavam mentiras ou discursos de ódio.
MUSK PROTESTA – As mensagens revelam que, passada a eleição e já sob comando de Musk, o X (à época ainda Twitter) passou a não concordar com os pedidos de Moraes. Os diálogos aos quais a Folha teve acesso são de um grupo no WhatsApp formado pelo juiz auxiliar de Moraes no TSE, Marco Antônio Vargas, e por integrantes da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação), também do tribunal eleitoral.
Depois de reuniões e de ser informado sobre a discordância da empresa em relação às suas solicitações, o ministro, que à época era presidente do TSE, decidiu que a postura deveria mudar.
“Então vamos endurecer com eles. Prepare relatórios em relação a esses casos e mande para o inq [inquérito] das fake [news]. Vou mandar tirar sob pena de multa”, dizia a mensagem de Moraes, reencaminhada no grupo por Vargas, que logo acrescentou: “Vamos caprichar”. Desde então, Moraes tem aplicado multas e ordenado a retirada de conteúdos publicados no X por meio de decisões no STF (Supremo Tribunal Federal).
SEM COMENTÁRIOS – Procurados, Moraes e o STF não se manifestaram. Como a Folha revelou em uma série de reportagens, Moraes passou a usar a AEED como um braço investigativo para abastecer o inquérito das fake news, do qual é relator no Supremo.
A conversa sobre a mudança de postura com a plataforma ocorreu em 17 de março de 2023. Logo pela manhã, às 6h58, o juiz auxiliar Marco Antônio Vargas mandou no grupo uma publicação de uma mulher sobre soltura de presos pelos ataques golpistas do 8 de janeiro. “Foi o ‘Tribunal Internacional’. O Mula, Xandão e esse governo usurpador estão sendo acusados de crimes contra a humanidade (prisões, ilegais, tortura, campos de concentração, mortes, etc.)”, dizia trecho da postagem.
“Bom dia, preciso do contato do Twitter”, pediu o juiz auxiliar no grupo. Após uma servidora da AEED mandar o telefone de uma pessoa de nome Hugo [Rodríguez, então representante da empresa para a América Latina], outro integrante do órgão de combate à desinformação, chamado Frederico Alvim, entrou na conversa e se colocou à disposição para falar com a plataforma.
ANÁLISE DE POSTAGENS – “Vc pode ver com ele para que façam uma análise de postagens dessa natureza?”, disse o juiz. Alvim respondeu: “Sim. A ideia seria aumentar um pouquinho o escopo da parceria, pra que questões como essa possam ser enviadas pelo sistema de alertas, obtendo tratamento?”.
Em seguida, o servidor explicou ao juiz como funcionava a atuação da plataforma na moderação de conteúdo e qual seria o caminho para conseguir que o X passasse a excluir o tipo de publicação citada por ele. “Acho que reivindicar uma alteração formal da política seria muito demorado e dificultoso, porque dependeria da boa vontade do time global, agora subordinado ao Musk. Creio que a saída mais fácil seria pedir uma calibração da interpretação da política já existente”, afirmou Alvim.
Segundo ele, a política de integridade da plataforma se aplicava em três circunstâncias: eleições, Censo e grandes referendos e outras votações dentro dos países. Como não estavam em período eleitoral, disse Alvim, o caminho seria “defender que, embora as eleições tenham terminado e o novo presidente empossado, esses ataques mantêm acesa a possibilidade de novas altercações”.
REUNIÃO – Às 9h45, o servidor informou ao juiz auxiliar ter agendado uma reunião com o representante da plataforma para as 12h daquele dia. “Vou tentar, o seguinte, nesta ordem de preferência: 1) que removam o conteúdo e se comprometam a remover outros semelhantes, sempre que acionarmos pelo sistema de alertas; ou 2) que ao menos removam esse, imediatamente, enquanto discutimos ajustes nas políticas (numa reunião com o senhor)”, disse Alvim. “Perfeito”, respondeu o juiz.
Após expor a tática, Alvim fez questão de adiantar as dificuldades que enfrentavam com Musk no comando da empresa. “Vou ver o que consigo. Mas ele já adiantou que, com a entrada do Musk, a equipe dele deixou de tomar decisões de moderação. Essas decisões estão sendo tomadas por um colegiado, do qual eles não participam”, afirmou.
Às 12h35, logo após terminar a reunião com Hugo Rodríguez e uma pessoa de nome Adela, Alvim mandou algumas mensagens no grupo para informar o juiz auxiliar de Moraes sobre o resultado da conversa.
REGRAS GERAIS – O representante da plataforma, disse Alvim, deixou claro que fora do período eleitoral as regras a serem seguidas seriam as gerais, sem tratamento específico para o TSE ou para publicações como a enviada pelo juiz auxiliar.
“Com a entrada do Elon Musk, a moderação caminha cada vez mais para ter como base a proteção da segurança, mais do que a proteção da verdade”, escreveu.
“Trocando em miúdos, uma mentira desassociada de um risco concreto tende a não receber uma moderação. A moderação só ocorre quando houver discurso violento, discurso de ódio e cogitação de alguma espécie mais palpável de dano (incitação de um ato de depredação ou coisa do tipo). Com o detalhe de que o ‘risco à democracia’, por não ser tangível, não entra nesse conceito”, disse Alvim.
ATUAÇÃO JUDICIAL – Ainda segundo o relato dele, para derrubar ou bloquear as publicações com ofensas ao ministro, seria necessária “atuação judicial”. “Tentei convencê-los a procederem à retirada, apontando que as regras deles preveem como irregulares os casos de assédio, incluindo insulto. Mas, na visão do Twitter, o insulto em si (sem risco de violência) não enseja moderação, porque eles não estão tutelando a honra, mas, de novo, a segurança.”
A explicação dada pelo representante da plataforma era a de que o combate à desinformação seria feito com ferramentas como as “notas de comunidade” —quando o post com desinformação é classificado dessa forma a partir de denúncias de usuários
“Segundo os estudos que fizeram, ao longo de 2 anos, os tuítes marcados com notas de comunidade têm uma redução de 20% a 40% do potencial de enganar pessoas”, disse Alvim. Depois de avisar que iria repassar as informações ao ministro, às 12h58 o juiz Marco Antônio Vargas reencaminhou uma mensagem recebida de Moraes com a posição a ser seguida a partir dali. “Ministro Alexandre de Moraes: Então vamos endurecer com eles. Prepare relatórios em relação a esses casos e mande para o inq das fake. Vou mandar tirar sob pena de multa.”
“Resolvido. Vamos caprichar no relatório para esse fim”, mandou então ao grupo Marco Antônio Vargas.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Como se vê, Moraes implantou um bunker de censura no TSE em caráter permanente, que nada tinha a ver com eleições. Num país minimamente civilizado, apenas esse abuso de poder já seria suficiente para declarar o impeachment dele, por falta de condições intelectuais e mentais. (C.N.)