Eliane Cantanhêde
Estadão
Os cinco ministros da Primeira Turma do STF rechaçaram energicamente e por unanimidade a prepotência de Elon Musk ao descumprir decisões judiciais no Brasil, mas… houve ressalvas às decisões do relator Alexandre de Moraes e sinais favoráveis a negociações tanto com o X quanto com a Starlink, outra empresa do grupo, buscando saídas para o impasse.
Assim, a Primeira Turma reforçou a união a favor de Moraes e contra os ataques externos, mas deixando no ar o incômodo de parte do conjunto de ministros com a teimosia de Moraes, que, segundo um colega, “não gosta de ser controlado, mas quer controlar todo mundo” e tem imensa dificuldade para recuar, mesmo quando extrapola e enfraquece a imagem do Supremo.
UNANIMIDADE? – Se o julgamento fosse no plenário, não na Primeira Turma, haveria unanimidade? Há quem acredite que não. Assim, Musk é indefensável e usa seu poder, suas empresas e seus bilhões de dólares com objetivo ideológico evidente, mas está provocando, por linhas tortas, uma reflexão e um freio de arrumação na corte.
O caldo ameaça entornar quando cidadãos comuns encampam o discurso malicioso do bolsonarismo, que usa seus próprios conceitos de democracia e liberdade de expressão para embaralhar a realidade de que o Supremo foi a linha de frente da resistência a um golpe de Estado e tentar acusá-lo do contrário: de ameaçar o Estado Democrático de Direito. Aliás, por onde anda o “patriotismo” bolsonarista? Só servia para invadir e vandalizar as sedes dos Três Poderes pedindo golpe? E evapora diante do dono da maior fortuna dos EUA, que debocha da Justiça brasileira e do Brasil?
É preciso conter os ataques desse tipo e reagir a eles, mas isso não significa que Alexandre de Moraes seja dono da verdade, o Supremo seja uma bolha que independe de legitimidade e do respeito da opinião pública e da sociedade e possa insistir em exemplos que confundem e constrangem: primeiro o apoio épico à Lava Jato, depois toda a reviravolta que levou tudo à estaca zero e ao desmonte, pedra por pedra, de condenações e prisões de Lula, políticos e grandes empresários e até de acordos de leniência e multas, como os da JBS e da ex-Odebrecht. E há, ainda, os avanços sobre Executivo e Legislativo — às vezes, com boas razões, como nas emendas parlamentares; às vezes, questionáveis.
FALSAS BANDEIRAS – Esse acúmulo vai dando discurso a grupos que se escondem por trás das bandeiras Deus, pátria, família, liberdade de imprensa e democracia para atacar justamente a democracia. E chegamos a um momento crítico quando um estrangeiro bilionário debocha da soberania do Brasil e, em vez de se levantar contra o abuso, o País se divide, com amplos setores da sociedade tomando o partido do “invasor” contra o Supremo e tentando transformar Alexandre de Moraes, de defensor da democracia, em ditador.
O esforço para rebater a onda negativa, com a decisão do ministro Dias Toffoli que manda executar, anos depois, a prisão dos condenados pelos 242 mortos na tragédia da boate Kiss, não parece ser suficiente. A decisão vinha sendo cobrada e é importante, mas será que foi anunciada nesta segunda-feira, horas depois da unanimidade a favor de Moraes na Primeira Turma, por pura coincidência? Ninguém acredita, porque todo mundo sabe que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa e isso não vai abafar o enorme debate nacional sobre a suspensão do X e a guerra com Musk.
Logo, o freio de arrumação é necessário. É preciso baixar a bola, engolir a teimosia e evitar qualquer tipo de excesso que alimente os inimigos do estado democrático de direito, conquistado a duras penas no País. Partir para cima de Musk e do X, sim. Jogar a Starlink, o VPN e os 20 a 21 milhões de usuários do X na mesma fogueira, não. O Supremo foi e é fundamental para a nossa democracia — não pode deixar de ser supremo.