Lorenna Rodrigues
Estadão
A Disney tem uma música chiclete* no filme “Mogli, o menino Lobo” que podemos usar um trecho para descrever as ações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na economia, especialmente quando se trata de cortar gastos: “eu uso o necessário, somente o necessário”.
Nas últimas semanas, com muito esforço, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece ter conseguido convencer o chefe a parar de falar em gastar mais. Pelo contrário. Lula até convocou cadeia de rádio e TV no último domingo para fazer um balanço de um ano e meio de governo – uma efeméride meio esquisita, mas tudo bem – quando aproveitou para reforçar que “não abrirá mão da responsabilidade fiscal”, repetindo pela enésima vez que aprendeu com a mãe a não gastar mais do que ganha.
NÃO ESTÁ FÁCIL – Mas não está tão fácil fazê-lo concordar em cortar gastos. Primeiro, Haddad e cia. anunciaram uma contenção que foi o suficiente apenas para garantir a banda de baixo da meta fiscal deste ano, ou seja, um déficit de R$ 28,8 bilhões. Que especialistas já acreditam que não será suficiente nem para isso.
Fechar a distribuição do congelamento por ministério foi mais difícil ainda. Tanto que, inusualmente, foi o presidente da República que deu a palavra final de como cada pasta seria atingida, o que só foi divulgado às 23h da terça-feira, dia 30, a uma hora do fim do prazo legal para a publicação do decreto de programação orçamentária.
Foi uma guerra, um estica e puxa, pastas com obras querendo preservar seus orçamentos, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, tentando segurar os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os ministros políticos preocupados com o corte das emendas, já prevendo reclamações de parlamentares.
MAIS FRACOS – Sobrou pros ministérios “mais fracos”: como mostrou o Broadcast, as Pastas das Mulheres, Pesca, Turismo e Igualdade Racial foram as mais atingidas pelo congelamento proporcionalmente ao orçamento original.
Agora, se Lula entendeu que não dá para ficar brigando com o mercado, fazer o presidente parar de falar mal do Banco Central parece ser uma tarefa extraordinária. E, para voltar na musiquinha do urso Balu, de Mogli, “o extraordinário é demais”, nesta quarta-feira, 31, minutos antes do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgar sua decisão sobre a taxa de juros, o petista voltou a cobrar a redução da Selic.
Para surpresa de ninguém, o Copom manteve a taxa, mas o comunicado veio cheio de recados de que vem alta por aí. O texto foi extradidático na parte que trata do fiscal, acrescentando algumas linhas para explicar que o que Lula e Haddad fazem lá, tem impacto direto no que o BC pode fazer acolá.
MERCADO DESCONFIADO – “A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes”, foi a novidade do comunicado. Traduzindo: “Lula, o pessoal do mercado está desconfiado que esses cortes aí são pra boi dormir e, com isso, estão cobrando juros cada vez mais altos e esperando inflação mais alta, acima da meta”.
No comunicado, “o Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”. Traduzindo: “Faz o seu, presidente, que eu faço o meu”.
Lula até acha que está fazendo o necessário. Mas pode não ser o suficiente.