
Charge de Matheus Ribeiro (@o.ribs)
Pedro do Coutto
O Brasil vive um paradoxo inquietante. Enquanto o mundo celebra a revolução tecnológica e a ascensão das plataformas digitais, milhões de brasileiros mergulham numa nova forma de exclusão: a do trabalho sem futuro.
De acordo com dados publicados pelo O Globo e confirmados por estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), cerca de 1,7 milhão de pessoas já vivem de aplicativos e plataformas digitais.
SEM PROTEÇÃO – São motoristas, entregadores, designers e programadores autônomos que, embora produzam diariamente a engrenagem da economia, não possuem carteira assinada, nem contribuem para o INSS, nem têm acesso ao FGTS, PIS ou qualquer outro instrumento de proteção social.
A ilusão da liberdade de ser “seu próprio chefe” mascara a dura realidade de uma legião de trabalhadores sem rede de segurança, sem direito ao descanso e sem qualquer perspectiva de aposentadoria.
O problema, longe de ser pontual, é estrutural e ameaça corroer o sistema de proteção social construído desde a era Vargas. Quando não há vínculo empregatício, desaparece também a contribuição patronal de 20% sobre o salário, um dos pilares da sustentação previdenciária.
RISCO – Cada autônomo que deixa de contribuir enfraquece não apenas o próprio futuro, mas o de toda a coletividade. Especialistas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertam que, mantido o ritmo atual, o Brasil poderá ter, em duas décadas, uma geração inteira de idosos desamparados — gente que trabalhou a vida toda, mas não terá sequer o direito de envelhecer com dignidade.
Enquanto isso, o rombo do INSS cresce e ganha novos contornos. A falta de fiscalização, as fraudes e a má gestão em fundos de pensão públicos e privados agravam o quadro. Casos como o do Postalis, o fundo dos Correios, e o do RioPrevidência, que aplicou cerca de um bilhão de reais em operações especulativas com o Banco Master, sem garantias sólidas de retorno, revelam um sistema desorganizado e permeado por interesses políticos.
São recursos que deveriam garantir a velhice de milhares de trabalhadores, transformados em apostas de alto risco, enquanto o teto do INSS, em torno de sete mil reais, permanece estagnado. O resultado é um país de trabalhadores digitais, temporários e informais, sem poupança, sem previdência e sem horizonte.
ABISMO – O Estado, por sua vez, parece incapaz de acompanhar as mudanças. A digitalização que simplificou o consumo e o transporte ainda não chegou à Previdência. Contribuir como autônomo é um processo burocrático, confuso e desmotivador. A ausência de um sistema automatizado de recolhimento para profissionais de plataformas mostra o abismo entre a economia real e as instituições públicas.
O discurso político, muitas vezes, se reduz a slogans nostálgicos ou defesas ideológicas, enquanto a precarização avança sem contraponto. Partidos que nasceram em defesa dos trabalhadores, já não oferecem uma política sólida de inclusão previdenciária para os novos tempos.
A crise dos fundos de pensão completa o retrato da desordem. Criados para garantir aposentadorias complementares a empregados formais, muitos se transformaram em instrumentos de especulação financeira. A lógica da segurança foi substituída pela lógica da aposta.
VOLATILIDADE DOS MERCADOS – – Comissões por fora, aplicações arriscadas e interferências políticas corroeram o propósito original desses fundos: proteger quem trabalhou uma vida inteira. O trabalhador que acreditou no sistema, hoje, vê o próprio futuro refém da volatilidade dos mercados e da irresponsabilidade de gestores.
A precarização do trabalho digital, a inércia do Estado e a corrupção nos fundos de pensão formam um triângulo de vulnerabilidade social. Estamos diante de um colapso silencioso, que não aparece nas manchetes diárias, mas que definirá o destino de milhões de brasileiros.
O país está, pouco a pouco, substituindo o emprego protegido pelo subemprego conectado. O entregador que pedala sob o sol, o motorista de aplicativo, o programador autônomo — todos fazem parte de uma nova classe trabalhadora que vive o presente intensamente, mas não tem garantias para o futuro.
BOMBA SOCIAL – Como alerta o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp, o Brasil está “construindo uma bomba social de longo prazo”, onde milhões envelhecerão sem renda, sem assistência e sem voz. Diante disso, não se trata apenas de ajustar contas ou equilibrar orçamentos: trata-se de redefinir o pacto social. É urgente modernizar o INSS, integrar plataformas digitais ao sistema contributivo, criar incentivos reais para o recolhimento autônomo e educar financeiramente a população.
A aposentadoria deveria ser o prêmio de uma vida de trabalho — não um privilégio reservado a poucos. Se nada for feito, o Brasil corre o risco de se tornar uma nação de trabalhadores conectados, mas desamparados. E nesse futuro que se desenha, o progresso tecnológico deixará de ser sinônimo de avanço humano, tornando-se o espelho de um país que esqueceu de cuidar de quem faz a roda girar.










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