Gilmar não é apenas suspeito, deve ser tido como suspeitíssimo
Wálter Maierovitch
do UOL
É conhecida a passagem da música do compositor Cícero Nogueira: “O pau que nasce torto não tem jeito, morre torto”. Um processo de conhecimento criminal pode nascer e morrer torto. A diferença em relação ao pau torto é que, depois de corrigidas as nulidades, pode endireitar. Isso se não for alcançado pela prescrição, que extingue a punição.
Todo processo criminal nasce torto quando o juiz condutor e sentenciante atua com parcialidade. Ainda que tenha duração longa, morrerá torto. Eles precisam ser retos, sem desvios.
IMPARCIALIDADE – O processo é garantia de julgamento imparcial, desinteressado, sem vícios e máculas. Precisa ser formalmente justo para que o Estado, titular exclusivo do direito de punir, possa declarar, pela sentença, se existe a responsabilidade criminal do acusado.
Atenção: uma coisa é a forma, outra é o mérito (o exame isento sobre a culpabilidade). Nos dois casos referentes a José Dirceu —condenações às penas de 23 anos de reclusão (em 2016) e 11 anos e 3 meses de reclusão (em 2017), os processos estavam contaminados pela falta de imparcialidade do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara federal de Curitiba. O ministro do STF Gilmar Mendes anulou as condenações.
Diz a lei processual penal: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.
SUSPEIÇÃO – No STF, a suspeição do juiz Sérgio Moro foi reconhecida em julgamento da Segunda Turma, em 2021, e confirmada no Plenário no mesmo ano —quanto a isso, nada mais se pode discutir processualmente, já que a última palavra cabe ao STF, segundo a regra constitucional republicana.
O ministro Gilmar Mendes nada mais fez do que dar efeito extensivo, no caso concreto envolvendo o réu José Dirceu, à nulidade absoluta reconhecida pelo Plenário do STF.
No popular, se diz que o macaco não olha o próprio rabo. Que o Moro era suspeito, nenhuma dúvida. Só que Gilmar Mendes também é suspeitíssimo em apreciar casos que envolvem decisões pretéritas do então juiz Moro.
DECISÃO NULA – Em síntese, sua decisão, mesmo que de natureza meramente de dar efeito extensivo, é nula de pleno direito.
Por adiantar inúmeras vezes juízos negativos sobre Sergio Moro e a Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes é suspeito de parcialidade.
Em síntese, no rigor técnico, a sua decisão de reconhecer nulidade em favor de José Dirceu é tão suspeita como a de Moro em relação ao então réu Lula da Silva.
PROVA ILÍCITA – E muito se fala da prova ilícita, decorrente de interceptação e gravações de conversas mantidas entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol.
Em princípio, tal prova é nula. Mas, no mundo civilizado, a prova ilícita tem valor caso favoreça o acusado (réu). Não poderia ser diferente, pois existe em todo o processo uma finalidade ético-legal.
Era de clareza solar o conluio entre o Ministério Público, em função acusadora, e o juiz do processo, com interesse em condenar em interesse privado.
DIRCEU E PLUTARCO – Plutarco morreu entre os anos 125 e 127 da era cristã. Levava uma vida reta e notabilizou-se como historiador e filósofo.
Pela sua integridade ético-moral foi escolhido para ser o sacerdote do prestigiado templo grego de Delfos, onde estava, na visão do período clássico, o centro da terra e o oráculo do deus Apolo.
No mundo grego-romano, um homem virtuoso, não corrupto, era considerado um “varão de Plutarco”. Pela vasta e sólida prova dos processos criminais anulados, José Dirceu jamais seria, pela corrupção, considerado um “varão de Plutarco”.
NOVO PROCESSO? Qualquer processo anulado começa a correr de novo, após sanados os seus vícios.
Com efeito, José Dirceu deverá ser novamente julgado, por juiz imparcial e observado o processo e ampla defesa —salvo se for blindado pela prescrição, com prazo contado pela metade dada a sua idade vetusta.
Pano rápido: As anulações dos processos criminais de José Dirceu demostram o quanto um juiz suspeito como Moro pode se transformar na tábua de salvação para corruptos. Ou seja, beneficia varões de Plutarco às avessas, como os Zé Dirceu da vida.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Com todo o respeito ao jurista Walter Maierovitch, é preciso concordar que “prova ilícita deva ser aceita quando favorece o réu”. Mas, em nome de Plutarco, isso só pode acontecer quando o réu é inocente e a prova o salva de condenação injusta, jamais no caso de condenação justa, como as de Lula, Dirceu, Marcelo Odebrecht, Sérgio Cabral & Cia, confirmadas em três instâncias e sempre por unanimidade. Nesse caso, a prova ilícita tem o valor de uma nota de três dólares. (C.N.).