Marcus André Melo
Folha
O Nobel de economia de 2024 foi concedido a pesquisas sobre o papel das instituições no desenvolvimento econômico. Em “Political Obstacles to economic growth in Brazil” (1965), Celso Furtado foi precursor, um neoinstitucionalista “avant la lettre”. Seu objetivo era explicar por que tivemos industrialização sem política de desenvolvimento.
Isso se devia à falta de “uma classe industrial armada de ideologia própria e com forte atuação”, e às instituições que obstaculizavam os interesses do mundo urbano industrial.
DIZIA O MESTRE – O sistema federativo “ao atribuir grande força ao Senado, no qual os pequenos estados agrícolas e as regiões mais atrasadas têm influência decisiva, coloca o Poder Legislativo praticamente em mãos de uma minoria da população do país.”
Instituições eleitorais excludentes cumpriam o mesmo papel: “Na Câmara, o número de deputados é proporcional à população de cada estado. Desta forma, quanto mais analfabetos um estado tem, mais valor tem o voto da minoria votante”, dizia Furtado, acrescentando:
“Assim, o voto de um cidadão que habita um estado com 80% de analfabetismo, vale cinco vezes mais do que o daquele outro que habite um estado 100% alfabetizado. Como é nas regiões com mais analfabetos que a oligarquia tem mais força, o sistema eleitoral contribui para manter o predomínio desta”.
OUTRA VISÃO – Mas nas eleições majoritárias a hegemonia se romperia: “Estas exceções assumem importância, nos estados mais desenvolvidos, para o cargo de governador e, no plano nacional, para o cargo de presidente da República”. Isto gerava as condições para que “o Poder Executivo represente as forças que desafiam o status quo, representado pela velha oligarquia que domina o Congresso”.
As relações Executivo-Legislativo seriam marcadas por um conflito irresolúvel entre o presidente —eleito por um eleitorado modernizante urbano— e um Congresso conservador, comprometido com o status quo.
O presidente sequer tinha poder de iniciativa quanto a reforma constitucional, que a constituição de 1946 reservava ao Legislativo.
CLASSE DOMINANTE – “Conservando em suas mãos o Poder Legislativo, ao qual cabe com exclusividade a iniciativa de mudar a Constituição, a classe dominante tradicional ocupa uma posição privilegiada na luta pelo controle das instituições políticas”.
O resultado era ingovernabilidade: “Para legitimar-se o governo tem que operar dentro dos princípios constitucionais. Por outro lado, para corresponder às expectativas da grande maioria que o elegeu —principalmente da população urbana consciente politicamente—, o presidente da República teria que alcançar objetivos que são incompatíveis com as limitações que lhe cria o Congresso dentro das regras do jogo constitucional”.
ESCOLHA TRÁGICA – O duplo imperativo levaria a uma escolha trágica: “A subordinação ao marco constitucional e a obediência ao mandato substantivo que vem diretamente da vontade popular entram em conflito, criando para o presidente a disjuntiva de trair o seu programa ou forçar uma saída não convencional, que pode ser inclusive a renúncia”.
Presidente “urbano” vs Congresso “dos grotões” é imagem recorrente no debate público no momento. Mas fato é que ocorreu radical metamorfose; agora o presidente e os governadores do PT concentram votos nas regiões menos desenvolvidas, ao contrário do diagnóstico de Furtado.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A contradição apontada pelo professor Marcus André Melo não significa que Celso Furtado tivesse errado na análise, feita muito antes da criação do PT. Além disso, é preciso entender que agora o PT está em franca decadência e ele próprio se tornou um partido-grotão. (C.N.)