Barroso alega que há preconceito contra os empresários
Wálter Maierovitch
do UOL
A mitológica deusa romana Justitia, aquela que muitas vezes aparecia sem a venda nos olhos para melhor enxergar, parece não ficar agradada com a presença de ministros do nosso STF (Supremo Tribunal Federal) em Roma, a antiga “caput mundi” (capital do mundo), a cidade eterna. As três últimas visitas e passagens por Roma, envolvendo os ministros Luís Roberto Barroso, presidente do STF, Dias Toffoli, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, causaram perplexidades.
E também contribuíram, no Brasil, para aumentar a desgastada imagem da nossa Justiça perante os cidadãos brasileiros, indignados e espantados com a conduta ética dos togados.
ÉTICA E MORAL – Embora o ministro Barroso entenda que é papel fundamental do STF “recivilizar” os brasileiros, a verdade é que a nossa sociedade, de selvagens e bárbaros à luz do conceito de Barroso, ainda não se livrou de superadas reprovações de natureza ético-moral.
O cidadão brasileiro segue entendendo que o comparecimento de ministros a eventos patrocinados por empresas privadas e lobistas é promíscuo e comprometedor à imagem da Justiça.
Talvez ainda estejamos influenciados pela Revolução Francesa de 1789, que reprovou e liquidou com a Justiça próxima aos reis e ao argentarismo. Essa Justiça régia, de barões, clérigos e abastados, com imagem de parcial e nada isenta, é magistralmente mostrada nos desenhos de Honoré Damier, na sua obra intitulada “Le Gens de Justice”.
NADA DEMAIS – Mas, em tempos de recivilização dos brasileiros, Barroso não vê nada demais nas participações nos convescotes e nos regabofes. Escárnio, nenhum.
Ao falar sobre sua presença e a de Toffoli em Roma, o ministro ressaltou a existência de “preconceito contra a iniciativa privada”. Conclui-se da fala do civilizador Barroso que vivemos tempos de transição. Por isso, os brasileiros aguardam que o ministro imite o filósofo holandês Baruch Espinosa, considerado o pai da ética, e nos brinde com sua obra, para nosso melhor conhecimento sobre os fundamentais e regentes princípios éticos. Igual fez quando nos ensinou sobre o “Neoconstitucionalismo: O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil”.
Por enquanto, no campo ético-comportamental, ainda se entende que a isenção e a imparcialidade são requisitos fundamentais para quem está investido em suprema função de dizer por último o direito aplicável. E esses dois valores, isenção e imparcialidade, ficam afetados diante de participações de magistrados em eventos empresariaIs privados.
DISCUTINDO O BRASIL – O ministro Barroso, ao lado de Toffoli, aquele que liberou multa milionária da JBS, em petição de escritório advocatício onde é associada a sua esposa, Roberta Rangel, realizaram palestras em Roma, em encontro patrocinado pela JBS. Atenção, o encontro de Roma teve, como chamada, o título “Discutindo o Brasil”.
Como foi fechado, os comuns romanos e os turistas brasileiros não conseguiram acompanhar como privilegiados ouvintes. Mas, certamente, poderão satisfazer a curiosidade cultural com a busca dos anais do encontro.
Convém recordar que Toffoli suspendeu pagamento de multa da JBS, beneficiando a holding J&F, dos irmãos Batista, em decisão monocrática já atacada por recurso apresentado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.
ACORDO DE LENIÊNCIA – Tudo havia ficado estabelecido em acordo de leniência solicitado pela JBS por meio de advogados de nomeada. O acordo foi aceito pelo Ministério Público Federal e homologado por decisão judiciária.
Ao suspendê-lo monocraticamente, Toffoli colocou no lixo da história o princípio romano, que até hoje rege o direito obrigacional-contratual, da “pacta sunt servanda”, ou seja, de que os contratos devem ser cumpridos.
Toffoli não se constrangeu em comparecer ao convescote romano promovidos pelos irmãos Batista. E teve a companhia de Barroso, presidente da Corte que deverá examinar o recurso que atacou a canhestra decisão monocrática de Toffoli.
DEUSA DESISTIU – Voltando à mitologia romana, convém recordar que a deusa Justitia, desencantada com o baixo nível ético-moral dos habitantes da Terra, optou por viver no céu. E lá formou a constelação de Virgem, que podemos ver no céu.
Barroso, que irá nos recivilizar e nos tirar das trevas da selvageria, merecia ser convidado para compor a constelação de Virgem e pela sua condição de estrela de primeira grandeza.
Conforme circula pela internet, em vídeo gravado pelo jornalista Eduardo Oinegue, o conhecido barraco que envolveu o ministro Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma foi antecedido por episódio que, sob o prisma ético-comportamental, deixou Justitia com as faces coradas, por Moraes ter ministrado uma palestra na prestigiada e antiga Universidade de Siena: um evento de brasileiros, bancado em Siena por uma universidade brasileira.
SÃO CONDENADOS – Do grupo da universidade, alguns possuem condenações indenizatórias milionárias na Justiça e poderão, por meio de recurso, chegar a exame pelo STF. Para usar uma linguagem acadêmica e outra popular, teria sido uma “lectio magistralis” (aula magna) de Moraes ou pura boca-livre?
De toda forma, permanece a questão ética de ministros do Supremo participarem de eventos bancados por empresário. O ministro Kassio Nunes Marques, do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mostrou como a tecnologia ajuda a Justiça. Na sua estadia em Roma, ocorrida fora do duplo período de férias, participou, por videoconferência, de todas as sessões do STF e do TSE.
Após ter sido levado às ilha gregas em jatinho privado para festa de aniversário de um empresário-cantor e se deslocar para Roma também na faixa, o ministro informou ter participado de reuniões voltadas a organizar um encontro acadêmico.
TITULO FALSO – Numa das suas passagens pela Itália, mais especificamente pela siciliana Messina, Nunes Marques, por equívoco, colocou no seu currículo título fake de doutoramento.
Diante de tantos fatos, os ministros referidos não atentaram para a história da romana Cornélia Cinila, esposa de Júlio César.
A voz do povo difundia um caso de adultério. César não repudiou a esposa. Daí, e por tradição, correu, mundo afora, a máxima de que à mulher de Cesar não bastar ser honesta, mas tem de parecer honesta.