Sou do tempo em que a esquerda acusava a Usaid, que Trump vai demolir

Donald Trump e Elon Musk -- Metrópoles

Não dá para acreditar que eles vão acabar com a Usaid

Mario Sabino
Metrópoles

Havia quase 50 anos que eu não ouvia falar em Usaid, a agência americana de ajuda para o desenvolvimento internacional. Ela voltou à ordem do dia por causa de Donald Trump. A Usaid foi responsável por eu nunca ter sido aluno de ginásio. O ginásio, que vinha depois do primário e antes do colegial, foi extinto por causa do acordo do MEC com a agência americana, durante a ditadura militar. Primário e ginásio passaram a ser o primeiro grau e o colegial, o segundo grau.

Assim, o 1º ano do ginásio, que significava a promoção a um estágio superior da vida aos olhos de quem estava para entrar na adolescência, foi substituído pela 5ª série, reles continuação do 4º ano primário.

NOVO CURRÍCULO – O acordo MEC-Usaid, que começou a ser implementado em 1968, não apenas reestruturou as séries escolares, como mudou o currículo tradicional, eliminando matérias como filosofia e latim, instituindo o ensino obrigatório de inglês, aumentando a carga horária de matemática e introduzindo a Educação Moral e Cívica.

A esquerda, que sempre teve nas escolas e nas universidades os seus principais centros de doutrinação ideológica, denunciou o acordo como ingerência americana e um primeiro passo para a privatização da escola pública.

Acabou conseguindo que ele fosse suavizado nas suas premissas, mas nunca engoliu a coisa totalmente. Na faculdade, eu ainda ouvia professores acusando a Usaid de ser um braço do imperialismo americano.

PARADO NO TEMPO – É por isso que, em um primeiro momento, soou paradoxal para este senhor aqui a grita da esquerda contra a demolição da Usaid promovida por Donald Trump. Eu estava parado no tempo e, além disso, sou meio bobinho.

O presidente americano se empenha em desmontar a Usaid, porque a agência, veja só, foi colonizada pela esquerda, assim como boa parte dos organismos e instituições filantrópicas do mundo. Estava patrocinando programas que se chocam com o pensamento e os valores da direita representada por Donald Trump.

Estava gastando uma montanha de dinheiro do pagador de impostos americano para sustentar essa gente que ama a humanidade acima de tudo.

NINHO DE VERMES – O escudeiro presidencial Elon Musk, encarregado de passar a tesoura nos custos do governo americano, da mesma forma que fez no Twitter, foi quem deu o primeiro apito contra a Usaid.

Ele publicou que “ficou evidente que não se trata de uma maçã com um verme dentro, o que temos é simplesmente um ninho de vermes. Temos que nos livrar de tudo, está além de qualquer conserto. Vamos fechá-la”.

A oposição está indignada, evidentemente. Ao responder aos adversários democratas, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, loira e raivosa como uma apresentadora da Fox News, deu alguns exemplos da “longa lista de porcarias que este governo está cortando, como desperdício e financiamento federal”.

GASTOS DENUNCIADOS – “Dois milhões de dólares para mudanças de sexo na Guatemala, US$ 6 milhões para financiar turismo no Egito. US$ 20 milhões em um novo programa Vila Sésamo no Iraque, US$ 4,5 milhões para combater desinformação no Casaquistão”, listou Karoline Leavitt, que continuou:

“Quando você olha para o desperdício e para o abuso que perpassaram a Usaid, nos últimos anos, estas são algumas das prioridades insanas nas quais essa organização tem gastado dinheiro: US$ 1,5 milhão para promover políticas de diversidade, equidade e inclusão em locais de trabalho na Sérvia, US$ 70 mil para a produção de um musical de diversidade, equidade e inclusão na Irlanda, US$ 47 mil para uma ópera transgênero na Colômbia, US$ 32 mil para um gibi transgênero no Peru.”

O New York Times, que a direita americana gosta de chamar de “The Pravda on the Hudson” resolveu fazer um fact-checking para desmentir a lista de Karoline Leavitt. Não conseguiu totalmente.

APENAS EXAGERANDO – O máximo que os editores do jornal conseguiram foi dizer que ela estava exagerando em 5 dos exemplos que deu e que certas iniciativas foram do Departamento de Estado, como se isso mudasse alguma coisa para o pagador de impostos.

A direita brasileira aproveitou a deixa para propagar que a Usaid meteu o bedelho indevidamente nas eleições brasileiras. Quer instalar CPI, a pretexto de que a agência teria usado estratégias para promover “censura, regulação das redes sociais e promoção de debates políticos direcionados e atuação na construção de narrativas midiáticas que favorecem agendas políticas específicas, não necessariamente alinhadas aos interesses do povo brasileiro”.

Para um sujeito da minha idade, é divertido.

AÇÃO HUMANITÁRIA – Levando-se em conta que a Usaid é responsável por 40% da assistência humanitária mundial, com um orçamento (congelado) de US$ 40 bilhões, tendo a crer que a sanha destruidora de Donald Trump (e Elon Musk) se arrefecerá.

O mais provável é que sejam mantidos os programas realmente importantes financiados pela agência, como os de combate à fome e a doenças infecciosas e os de caráter estritamente educacional.

Afinal de contas, a Usaid é o braço caridoso do imperialismo americano, como estava claro quando me tirou a chance de ser um aluno de ginásio. O outro braço segura o porrete.

Harmonia entre os Poderes é artificial, uma tremenda conversa fiada

OPINIÃO - Começa hoje era de equilíbrio entre os três poderes. Jogo será  legalizado - Portal de Notícias

Charge do Nani (nanihumor.com)

Dora Kramer
Folha

Harmonia foi a palavra campeã nas falas dos comandantes dos Três Poderes por ocasião da reabertura dos trabalhos do Legislativo e do Judiciário. Os recados detectados nas entrelinhas ficam na conta livre das interpretações.

A se enxergar o ambiente pelo prisma dos discursos de Luiz Inácio da Silva (PT), Hugo Motta (Republicanos), Davi Alcolumbre (União) e Luís Roberto Barroso, a conclusão seria a de que o perfeito entendimento reinaria sobre a República.

É O QUE FALTA – Ocorre que a necessidade de reafirmar afinidades com tanta veemência e insistência já demonstra que suas excelências falaram justamente do que faz falta.

A amizade com os chefes da Câmara e do Senado preconizada por Lula, a promessa de ajudar o governo feita por Motta e Alcolumbre e as loas à convivência entre pessoas “que se querem bem”, tecidas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, contrastam com a realidade dos ruídos e disputas por protagonismo constantes no convívio das instituições.

No chão do Parlamento vimos a guerra de bonés e palavras de ordem entre governistas e oposicionistas num clima que antecipa dificuldades para a construção de consensos em torno de pautas caras ao Planalto.

AVISO DE MOTTA – O presidente da Câmara, Hugo Motta, já avisa: se não mudar o rumo da gastança, Lula não terá apoio no Congresso e pior, tende a se dar mal na eleição de 2026. Na agenda do STF os temas não falam exatamente a respeito de convergências. No meio dos embates, o Executivo se posiciona de forma hesitante para não desagradar a nenhum dos dois.

A sintonia da teoria não existe na prática. O desequilíbrio entre os Poderes é patente e a tensão permanente. Não se pode falar em normalidade num cenário em que o Planalto escora sua fragilidade no Judiciário que, por sua vez, serve como estuário de contestação a decisões do Legislativo que desagradam o lado perdedor.

Os ditos na reabertura serão testados no decorrer dos trabalhos, a começar pelo enrosco das emendas de cuja solução dependem a reforma ministerial e a aprovação do Orçamento.

O recado de Musk e Milei para Barroso e os togados do Supremo

Ser magistrado no Brasil é tão absurdo que é injustiça. :  r/concursospublicos

Charge do Nef (Jornal de Brasília)

Bruno Carazza
Valor Econômico

“Tribunal de Rondônia garante salários acima de R$ 400 mil a juízes”. “Em Minas, 32 magistrados receberam salários de mais de R$ 300 mil em 2024”. “Todos os juízes do Tribunal de Justiça de Sergipe receberam salários acima do teto”. “Tribunais usam ‘dezembrada’ para pagar benefícios e penduricalhos milionários a juízes”. “Ministério Público de São Paulo autoriza penduricalho de até R$ 1 milhão a promotores”.

Apesar de todas essas evidências factuais, coletadas em manchetes de jornais publicadas apenas no último mês, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez minimizou os absurdos remuneratórios no Poder que dirige.

FARRA DO BOI – Dados do Conselho Nacional de Justiça informam que os cerca de 18 mil magistrados brasileiros receberam em 2023 um total de R$ 9,76 bilhões em subsídios – o que representa uma média de R$ 41,9 mil mensais, incluindo o 13º. No entanto, houve ainda um montante de R$ 8,44 bilhões em pagamentos eventuais e indenizatórios, os famosos “penduricalhos”.

Feitos os descontos de imposto de renda, previdência social e outros abatimentos, o magistrado médio brasileiro levou para casa, líquidos, R$ 742,2 mil naquele ano – uma média mensal de R$ 57,1 mil.

Para além do custo fiscal, que Barroso relativizou argumentando que o Judiciário brasileiro é um dos mais produtivos do mundo (mesmo tendo 80 milhões de processos pendentes), há um risco muito maior decorrente da ganância e da insensibilidade social que grassa entre juízes, desembargadores, promotores e procuradores.

EFEITO MILEI – Empunhando uma motosserra como símbolo de campanha, Javier Milei teve ascensão meteórica na Argentina prometendo desbancar a “casta” – expressão repetida à exaustão para designar a classe de políticos e outras autoridades que sangram os cofres públicos em proveito próprio.

Há mais de um ano no poder, o presidente argentino não moderou o discurso. Em entrevista à revista The Economist, Milei descreveu o Estado como “uma violenta organização criminosa que vive de uma fonte coercitiva de renda, chamada imposto, que é um remanescente da escravidão”.

Essa visão extremamente negativa sobre o setor público também orienta as ações de Elon Musk à frente do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês) nas primeiras semanas da presidência de Donald Trump nos Estados Unidos.

CORTES DE GASTOS – Os conflitos de interesses na atuação governamental de Musk são inúmeros, devido a seus contratos com órgãos públicos. Ainda assim, Musk goza de imenso prestígio junto a Trump e sua equipe recebeu livre acesso para acessar bases de dados, analisar as contas e implementar ações para reduzir as despesas.

Em nome do ajuste fiscal ou da eficiência governamental, tanto Milei quanto Musk têm revisado contratos, fechado órgãos, eliminado serviços públicos e transferências governamentais e dispensado servidores públicos. Para além da economia de gastos visada, porém, há uma clara orientação política nas decisões tomadas.

“Meu desprezo pelo Estado é infinito”, provoca Milei. Nas primeiras ações tomadas pelo DOGE de Musk, os principais alvos são servidores e programas não alinhados ideologicamente com o trumpismo. As vítimas, em ambos os casos, são as populações marginalizadas, até então beneficiadas por políticas públicas, transferências de renda e ações afirmativas que estão sendo drasticamente reduzidas ou mesmo desativadas.

SERVIR DE ALERTA – O que vem acontecendo nos Estados Unidos e na Argentina deveria servir de alerta para os agentes do Judiciário brasileiro.

O presidente do STF, porém, se nega a reconhecer que a cada manchete noticiando pagamentos de centenas de milhares ou até mesmo milhões a seus integrantes, o próprio Poder Judiciário mina sua credibilidade e o respeito que ainda recebe do cidadão brasileiro.

Essa desconexão com a realidade do brasileiro comum, assalariado ou microempreendedor, para quem cada penduricalho supera uma vida de suor e trabalho, cria o caldo de cultura que permite a ascensão de Mileis e de Trumps com seus Musks a tiracolo. Quando a motoserra chegar, palavras bonitas não protegerão a casta.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
– Excelente artigo, enviado por Mário Assis Causanilhas. Mostra que a expropriação de recursos públicos por servidores é tão danosa quanto a corrupção e acabará sendo cobrada, não tenham dúvidas. Esses penduricalhos são um escárnio, um verdadeiro deboche ao cidadão-contribuinte-eleitor, como dizia Helio Fernandes.
(C.N.)

Jovens, fujam, porque o PT está inviabilizando o país por 100 anos!

Nani Humor: Lula + Imperador Júlio Cesar + Taxi Driver

Charge do Nani (nanihumor.com)

Luiz Felipe Pondé
Folha

São os homens e mulheres de poder psicopatas? Não há pesquisas que verifiquem essa suspeita, mas temo que sim. Trump fez uma proposta para Gaza que soa pura zoação de mau gosto. Vale salientar que, tão de mau gosto quanto isso, é o tesão que inteligentinhos sentem pelo Hamas, levando muitos a suspeitar que, no fundo do coração, gostariam de transar com terroristas.

Os políticos zoam com a nossa cara? Temo que sim, e não só os políticos eleitos, mas muitos que detêm o poder na república. Passar a vida mentindo 24 horas por dia já seria um indício de psicopatia —uso o termo aqui no sentido comum, não pretendo “roubar” o mercado dos especialistas.

TOMATE AO ALVO – Fácil xingar Trump e sua ideia absurda sobre Gaza. Suponho que, no jardim da infância nas escolas brasileiras, os amantes do bem colocam fotos do Trump na parede para as crianças treinarem a tomate ao alvo —como formação de consciência crítica.

Mas muitos dos poderosos zoam com a nossa cara. Quer ver exemplos? Lula. Ele afirma com a cara limpa que todos terão picanha no prato. Nega frontalmente que haja inflação na comida, e, se houver, a culpa é do mercado, da má comunicação do governo, que agora iniciou uma nova era de inteligência de marketing com os “bonés dos brasileiros”. Ou culpa do Elon Musk, do Zuckerberg, dos “golpistas”. Enfim, ele faz tudo certo, o mundo é que torce contra.

O PT é uma grande zoação. Uma gangue em vias de inviabilizar o país por cem anos, desfila com ares de amante da democracia.

NEGACIONISMO – Nada de controle fiscal. Cadê a claque que chama todo mundo de que não gosta de negacionista? Lula é um negacionista fiscal, cara de pau, mas tudo bem, porque a inteligência pública o aprecia.

Mas seria uma injustiça vincular apenas o Lula à zoação geral com a nossa cara. O Legislativo é uma vergonha. Desvia verbas, cuspindo na cara de quem tem, pelo menos, dois neurônios. Emendas Pix, ou seja lá o nome que derem, são um roubo e uma zoação clara com a nossa cara.

O Legislativo sequestra o poder que tem dentro da estrutura da república para negociar, chantagear, inviabilizar qualquer iniciativa do executivo —que, como vemos, tampouco presta para muita coisa.

PURA ZOAÇÃO – Os discursos são pura zoação. Retórica vazia, cheia de clichês. Ver sessões do Legislativo é como ver um espetáculo de circo barato. Só falta a mulher de barba, o selvagem que come frango com os dentes, engolindo as penas, a cobra que fala, o trapezista que morre quebrando o pescoço.

Sei, sei. Há exceções, todos sabemos, mas a máquina é podre. Tentar posar do contrário é parte da zoação.

O poder Judiciário não fica atrás, mas a zoação com a nossa cara é mais sofisticada. Além do claro alinhamento de setores do Judiciário com o governo federal, empenando o jogo político e ideológico na república das bananas que se transformou o Brasil, o tema “salários e afins” é claramente um abuso.

Não importa a justificativa, do ponto de vista “técnico”, é pura zoação. Intocáveis como são, todos morremos de medo do seu poder absoluto.

RUMO À TIRANIA – Aqui vale um aparte conceitual. Muitos grandes filósofos já apontaram a vocação natural do Estado se transformar —mesmo na democracia— em um tirano. Tocqueville no século 19, Robert Nisbet e Bertrand de Jouvenel no século 20 —este vale uma discussão à parte, para não o deixar cair sob as críticas de inteligentinhos ignorantes que se acham sábios e cultos— sempre apontaram que, sem corpos intermediários fortes e relacionados, o Estado sempre revelaria sua face de Leviatã.

Portanto, discursos pomposos sobre como “a corte” se preserva de paixões políticas —porque não é eleita via voto— só colam para quem não tem olhos para ver: o STF é pura paixão política.

A tendência natural do Estado é se fazer poder absoluto, mesmo com a separação dos poderes —que podem convergir num happy hour facilmente ou numa troca de amantes.

TUDO DOMINADO – Corpos intermediários —justamente o que encantava Tocqueville na jovem democracia americana em 1831— são uma rede poderosa de igrejas autônomas, a própria Igreja Católica, sindicatos, conselhos de bairros e municípios, escolas e universidades, organizações de comerciantes; enfim, associações da sociedade que podiam fazer frente ao Estado. As frentes ideológicas destruíram tudo isso porque submeteram os corpos intermediários às militâncias partidárias.

E a oposição? Meu Deus, que catástrofe. Bolsonaro e seus idiotas de plantão são a zoação encarnada. Destruíram qualquer reação racional à gangue de sempre.

A cacofonia da direita hoje é uma humilhação à inteligência. Temo que o Brasil esteja perdido por cem anos. Jovens, fujam

Trump, o grileiro de Gaza, é um Narciso que não precisa de espelho nem de juízo

Moradores de Gaza buscam alívio na praia, como faziam antes da guerra - SWI swissinfo.ch

Esta será a nova Riviera imaginada por Donald Trump

Wálter Maierovitch
do UOL

No palácio Barberini, em Roma, está exposto um dos quadros mais badalados do célebre pintor Caravaggio, elaborado por volta de 1597 e a expressar o mito de Narciso. O quadro, óleo sobre tela (112 x 92), leva o título de “Narciso allo specchio” (Narciso ao espelho). Representa o jovem caçador que se enamora da própria imagem refletiva.

A lembrança desse quadro veio-me em dois momentos distintos. Quando o neopresidente Donald Trump anunciou a sua disposição de grilar a faixa geográfica de Gaza e bradou “Fora, Palestinos!”. Depois, quando difundiu-se pela internet a montagem da revista Time com Ellon Musk atrás da escrivaninha de presidente dos EUA.

Trump e Musk são dois narcisos, mercantilistas e mitômanos. O presidente Trump, detentor, pelas reviravoltas, de narcisismo patológico. Musk, um narcísico argentário.

AMBIÇÃO E IDEOLOGIA – Trump quer ser o centro das atenções e mistura ambição e ideologia, além de confundir público com privado. Gosta, na sua equipe, de sabujos e não de contestadores. Diz coisas contraditórias. Por exemplo, antes da posse, demonstrou desinteresse pelo Oriente Médio: “precisamos nos retirar e cortar todo o nosso empenho no Oriente Médio”.

Sem comunicar à assessoria ao Pentágono, enviou um general à Ucrânia para verificar a possibilidade, em curto tempo no caso de eventual trégua, de uma eleição presidencial: o mandato do presidente Volodymyr Zelensky está prorrogada por força da impossibilidade de eleições livres, com o país em guerra.

O general, segundo noticiado pela imprensa norte-americana, concluiu pela impossibilidade, diante do quadro de destruição e da quantidade de ucranianos que fugiram a outros países.

RIVIERA EM GAZA – Na semana passaDa, com o premiê israelense Benjamim Netanyahu ao lado e a sorrir de felicidade, Trump externou o desejo em ter a faixa geográfica de Gaza nas suas mãos e arrematou: “os EUA trabalharão com as melhores equipes para aquilo que se tornará um dos lugares mais maravilhosas da Terra”. Aí, falou da Riviera, do balneário da fortuna.

Trump esqueceu do externado antes da posse: “Precisamos retirar todo o nosso apoio e empenho no Oriente Médio”.

O republicano — pelo lado narcísico e de mitômano — não enxerga o refletido no direito internacional, pois, se vier a tentar ou executar o seu plano de grilagem, estará a cometer crime contra a humanidade.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –
A decisão mais aguardada continua sendo o fim da guerra na Croácia, que Trump reiteradamente prometeu na campanha. De concreto, nada. Apenas disse que a guerra teria de terminar em 100 dias. Ainda este mês, ele terá de ir a Moscou para se reunir com o presidente russo Vladimir Putin, que está impedido de sair da Rússia pelo Tribunal Penal Internacional. Haverá mesmo esse encontro? (C.N.)

Dino derruba um penduricalho, mas tem de engolir os super-salários

O ministro Flávio Dino, durante sessão do STF

Dino fica desanimado diante da desfaçatez dessa gente

Mariana Muniz e Daniel Gullino
O Globo

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou um benefício concedido a um juiz pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e criticou a concessão de benefícios não previstos em lei a magistrados, o que classificou de “inaceitável vale-tudo”.

Na ação original, um ex-juiz aponta que exerceu o cargo entre 2007 e 2012, mas que só passou a receber o auxílio-alimentação em 2011, quando foi editada uma resolução do CNJ sobre o assunto. Por isso, solicitou o pagamento retroativo. O pedido foi aceito pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG).

COM CORREÇÃO – Na sentença da primeira instância, foi determinado o pagamento de R$ 26.327,77 ao ex-magistrado, com correção monetária. Um recurso da União chegou a ser aceito pelo TJ-MG, mas acabou sendo derrubado e a decisão original foi restabelecida.

Na decisão de agora, Dino atendeu a um pedido feito pela União, que apontava uma discrepância entre a equiparação feita pela Justiça mineira entre o ex-magistrado e o Ministério Público. Segundo a União, vários artigos da Lei Orgânica da Magistratura foram descumpridos, além de dar “ingerência do Poder Judiciário sobre o Legislativo”.

De acordo com o ministro do STF, não é possível atender a infinitas demandas por “isonomia” entre as várias carreiras jurídicas, “impedindo que haja organização, congruência e previsibilidade no sistema de remuneração quanto a tais agentes públicos”.

TETO INEXISTENTE – “Hoje é rigorosamente impossível alguém identificar qual o teto efetivamente observado, quais parcelas são pagas e se realmente são indenizatórias, tal é a multiplicidade de pagamentos, com as mais variadas razões enunciadas (isonomia, “acervo”, compensações, “venda” de benefícios etc)”, afirma Dino.

O ministro lembra que a carreira da magistratura é nacional e regida por lei própria de iniciativa do STF. “Enquanto não revista, a LOMAN deve ser observada, salvo o que for incompatível com a Constituição Federal, conforme decisões do CNJ e do STF”, ressaltou.

Por isso, o ministro deu um recado sobre os supersalários, o que classificou como “abusos”.

SUPER-SALÁRIOS – Disse o ministro Flávio Dino: “Trata-se de orientação fundamental para evitar abusos, como rotineiramente tem sido noticiado acerca de pagamentos denominados de ‘super-salários’. Até mesmo ‘auxílio-alimentação natalino’ já chegou a se anunciar, exatamente em face desse contexto de pretendido e inaceitável vale-tudo”, aponta.

Ao atender ao pedido da União, a decisão de Dino suspende o benefício concedido pela Justiça mineira e torna improcedentes os pedidos feitos pelo ex-magistrado.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Flávio Dino agiu bem, mas terá de baixar a crista, porque todos os demais penduricalhos foram aprovados pelo Supremo com imenso prazer. O STF é o verdadeiro causador dos super-salários, legalizou todos os penduricalhos, um após o outro, apesar de a Constituição ter proibido terminantemente a alegação de direito adquirido. Para que não houvesse dúvidas, fê-lo em dois artigos diferentes, diria Jânio Quadros. Mesmo assim, o Supremo não cumpriu a Constituição. (C.N.)

Nação em que a prioridade é combater anistia está em falência moral

ANISTIA É O CA**LHO!!! #anistia #terrorismo #bolsonarismo #democracia

Charge do Seri (Arquivo Google)

J.R. Guzzo
Estadão

Pense durante alguns minutos nos fatos objetivos, documentados nos registros oficiais e materialmente comprovados que serão descritos em seguida. Decida, depois, se isso faz algum sentido lógico para você – sobretudo do ponto de vista moral. De um lado, há no Brasil, vivendo nas alturas mais confortáveis da sociedade, pessoas que cometeram os crimes de homicídio, assalto a banco, roubo à mão armada, sequestro de pessoas e explosão de bombas.

De outro, estão na cadeia, cumprindo penas de até 17 anos, pessoas que apenas tomaram parte num quebra-quebra em Brasília.

ANISTIA AMPLA – O primeiro grupo recebeu anistia plena do Estado brasileiro; até hoje seus integrantes são tratados como mártires. O segundo grupo, pelos critérios da democracia tal como ela é praticada no Brasil do presente, não pode receber anistia nunca.

Tanto os primeiros como os segundos praticaram crimes políticos – e, portando, passíveis de anistia. A diferença é que os anistiados, que praticaram crimes de sangue e penalmente considerados hediondos, como o sequestro, são de esquerda.

Os “sem anistia”, acusados de um golpe armado que não tinha armas, não tinha apoio do Exército e não tinha meios objetivos para derrubar a diretoria de um grupo escolar, são de direita.

LUTA ARMADA – Os brasileiros que receberam anistia queriam derrubar a ditadura militar, através da “luta armada”, para impor a sua própria ditadura no país. Os brasileiros que não podem receber anistia, de acordo com as exigências do regime em vigor, não foram além de uma baderna.

Têm de ser punidos, obviamente, porque cometeram crimes de vandalismo. Mas ficar 17 anos na prisão por isso, enquanto homicidas e assaltantes de banco são anistiados – uma assaltante, aliás, tornou-se presidente da República – significa que há dois tipos de cidadão no Brasil.

É possível que o Brasil tenha um encontro marcado, no futuro, com as infâmias do seu presente. Se tiver, a jihad que hoje grita “sem anistia” ficará registrada como um dos piores momentos de treva, de insulto à razão e de crueldade gratuita da história política do país.

FALÊNCIA MORAL – Uma nação em que a grande causa do governo, dos tribunais e das elites é o combate à anistia está em situação de bancarrota moral – sobretudo quando os que foram perdoados por crimes de morte não perdoam os que pintaram uma estátua com batom.

O poeta Eugeni Yevtushenko, num dos seus melhores momentos, escreveu que quando a verdade é substituída pelo silêncio, o silêncio torna-se uma mentira. O Brasil de hoje ficou assim – por força da ilegalidade militante do regime, do culto à repressão policial e da criminalidade oficial.

Para o cidadão decente, porém, calar-se não é uma opção.

“Pensando em Ti”, uma canção imortal, de Herivelto Martins e David Nasser

David Nasser era capaz de produzir uma letra de música em questão de  minutos - Jornal Opção

Herivelto e Nasser, grandes compositores

Paulo Peres
Poemas & Canções

O  jornalista, escritor e letrista, nascido em Jaú (SP), David Nasser (1917-1980), autor de diversos clássicos do nosso cancioneiro popular, entre os quais “Pensando em ti “, cuja letra, através de hipérboles, destaca uma paixão desmesurada. Este samba-canção, em parceria com Herivelto Martins, foi gravado por Nelson Gonçalves, em 1957, pela RCA Victor.

PENSANDO EM TI
Herivelto Martins e David Nasser

Eu amanheço pensando em ti
Eu anoiteço pensando em ti
Eu não te esqueço,
É dia e noite
Pensando em ti

Eu vejo a vida
Pela luz dos olhos teus
Me deixe ao menos
Por favor pensar em Deus

Nos cigarros que eu fumo
Te vejo nas espirais
Nos livros que tento ler
Em cada frase tu estás

Nas orações que eu faço
Eu encontro os olhos teus
Me deixe ao menos
Por favor pensar em Deus

Bolsonaro, a Lei da Ficha Limpa e os viciosos malefícios da polarização

As brechas na Lei da Ficha Limpa Folha1 - BlogdoBastos

Charge do Lute (Arquivo Google)

Marcus André Melo
Folha

Há uma dinâmica curiosa em relação à corrupção e abuso de poder. Quando um grupo político é hegemônico e está no poder, e sua hegemonia é avassaladora, não há registro de denúncias por duas razões. Esse grupo tipicamente controlará meios de comunicação e instituições de controle, aqui incluídas as congressuais; a oposição legislativa terá assim baixa capacidade de incidir sobre a corrupção.

As denúncias, portanto, terão pouca visibilidade. Ações individuais e coletivas da sociedade civil terão a mesma sorte: há poucos incentivos para as denúncias. Afinal, por que agir se as chances dessas ações prosperarem são baixas?

DISPUTA IDEOLÓGICA – Quando não há grupo hegemônico, mas dois competitivos, os incentivos são outros. Quanto mais competitivo o sistema, mais incentivos para a criação de um escândalo que afete o incumbente.

Quando se alternam no poder, surge um conflito que leva à mudança institucional: arranjos e legislação anteriores passam a ser atacados. A dinâmica é fundamentalmente incumbente-oposição, mas se traveste de disputa ideológica direita-esquerda.

É o que estamos assistindo no momento em relação aos ataques de Bolsonaro e outros em relação à Lei de Ficha Limpa.

LEI POPULAR – A lei foi aprovada em 2010 na esteira do Mensalão. Produto de uma aliança do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil e do TSE, ela foi a segunda lei de iniciativa popular do país.

Na campanha da fraternidade daquele ano as dioceses mobilizaram-se para a obtenção de 1,6 milhão de assinaturas e para a aprovação pelo Congresso por unanimidade. As 1.500 audiências públicas sobre a lei foram realizadas em todo o Brasil pelo TSE.

Mas o mesmo vale para outros atores e instituições. O STF, a Polícia Federal, e o Ministério Público, que eram vilipendiados pelo PT, quando era incumbente, passaram a ser defendidos pelo partido.

UDN DE MACACÃO – Por ter defendido no passado a bandeira anticorrupção, para Brizola, “o PT era a UDN de macacão”. Sim, a UDN que era o partido que denunciava a corrupção e o abuso getulista. E vice versa, em relação ao bolsonarismo.

Há dois cenários hipotéticos que podem resultar de uma nova configuração política competitiva. O primeiro é um ciclo virtuoso que é marcado por um certo aprendizado coletivo, em que desaparecem supostos monopólios da virtude.

O eleitorado aprende a distinguir entre retórica e realidade. Os atores internalizam a mudança. Excessos são mitigados. Arranjos institucionais e legislação são aperfeiçoados.

CONLUIO GENERALIZADO – O segundo cenário é vicioso: uma combinação de brutal retrocesso e conluio generalizado. O equilíbrio resultante é perverso: “Você não denuncia minha emenda e eu não denuncio a sua”. Ele produz malaise institucional e cinismo cívico generalizado: “são todos farinha do mesmo saco”. Mas o equilíbrio só quebra por ações disruptivas, antissistema. Cria-se assim incentivos a outsiders.

O primeiro cenário representa a trajetória histórica das democracias avançadas (que analisei aqui). O segundo é a armadilha da democracia de baixa qualidade que mantem dinâmicas predatórias.

Na nossa trajetória recente há dinâmicas virtuosas mas elas se inviabilizam em contextos de alta polarização. É uma explosiva combinação de ultra reação ao combate à corrupção (como vimos em relação à Lava Jato) e persistência de um equilíbrio predatório.

Ives Gandra descarta Bolsonaro em 2026 e diz que Lula passou da idade

Um homem idoso está sentado em uma cadeira em um escritório, gesticulando com a mão direita. Ao fundo, há uma estante repleta de livros organizados. A mesa à sua frente tem um objeto não identificado e um celular. A iluminação destaca o homem e cria um contraste com o ambiente ao redor.

Supremo vetará candidatura de Bolsonaro, diz Gandra

Arthur Guimarães de Oliveira
Folha

O advogado Ives Gandra Martins pede um paletó ao entrar na sala de reunião ligada ao gabinete pessoal localizado em um edifício na região central de São Paulo. É quarta-feira (dia 5), uma semana antes do aniversário de 90 anos.

Referência entre aliados de Jair Bolsonaro (PL), Ives Gandra descarta em entrevista à Folha a possibilidade de o ex-presidente concorrer de novo em 2026. Mesmo com uma reviravolta no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não acredita em um respaldo do STF (Supremo Tribunal Federal). Também disse ver no presidente Lula (PT) a dificuldade da idade, sem que haja um sucessor para ele na esquerda.

O sr. tem sido crítico do STF nos últimos anos. Na sua opinião, qual é o principal excesso cometido pelo tribunal?
Sou crítico da interpretação que eles dão ao direito constitucional. Qual é a opinião deles? Que quando há um princípio constitucional de múltipla interpretação —dignidade da pessoa humana— o Supremo entende que cabe a eles a interpretação. Assim eles fizeram com o marco temporal, a relação entre pessoas do mesmo sexo, agora o marco da internet. Essa é a divergência. Acho que eles nunca podem ser senão legisladores negativos, dizer se uma lei é constitucional ou não, enquanto eles entendem que, se são provocados e o Congresso não fez a lei, podem interpretar o princípio geral.

Como resolver o problema das emendas parlamentares, que é motivo de embate não só entre Supremo e Congresso, mas também governo federal?
Pessoalmente, acho um absurdo as emendas parlamentares. Acho que isso fragiliza os orçamentos, mas não é competência do Supremo interferir em algo que é da típica relação política entre o Executivo e o Legislativo. Eles têm que conversar. Se um governo é fraco, o governo cai, entra um outro grupo, recaptura os orçamentos. A única solução é nas próximas eleições mudar. É um risco da democracia. Mas são competências dos representantes do povo. A solução não é dizer que, como Executivo e Legislativo não se entendem, então o Judiciário vai começar a fazer política.

O sr. acredita que este Executivo é fraco?
A verdade é a seguinte: ele não está conseguindo. Tem uma parte dos ministérios com partidos que vão ter concorrentes nas eleições, partidos que nas eleições municipais foram contra o partido do presidente. Tenho a impressão que, enquanto o presidente da República fizer questão de manter uma polarização, passamos a ter dificuldade de governo, porque há necessidade de manter a radicalização, ele deixa de dedicar-se exclusivamente a governar. A manutenção da radicalização dificulta, a meu ver, uma administração mais coerente. É o que nós estamos vendo: a dificuldade dele no Congresso, a inflação retornando.

Como o sr. avalia a situação jurídica do país?
Com essa polarização, o Supremo vai assumindo funções políticas. Essa função de ser uma espécie de vigilante do Poder Executivo e do Legislativo, fazendo as leis, interferindo na administração pública, faz com que o Supremo seja tratado também como um agente político. Quem concorda bate palmas. Quem não concorda xinga. Nós não temos mais aquela imagem quase que sacrossanta do Supremo até a aposentadoria de Moreira Alves, Sydney Sanches, Ilmar Galvão. Passamos a ter um Supremo que decide juridicamente muito bem, mas que intervém em questões políticas.

Como o sr. avalia a condução dos inquéritos relativos aos atos antidemocráticos e à trama golpista?
Aquilo não foi trama. Fui professor das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército. Tinha absoluta convicção que os militares jamais entrariam num golpe de Estado. Em 2022, fiz uma declaração dizendo que o risco era zero, multiplicado por zero, dividido por zero, somado a zero. Conhecia os militares. Tanto é verdade que, enquanto havia multidões em frente aos quartéis, nenhum deles tomou alguma medida. Quando, no dia 8 de janeiro, houve aquela baderna, nenhuma das pessoas estava com uma arma. Havia um contingente pequeno de militares sem ter dado um tiro sequer.

Como o sr. analisa as revelações da Polícia Federal a respeito de uma trama para assassinar o presidente, o vice e o ministro Alexandre de Moraes?
Mas como trama? Uma decisão dessas teria que ser tomada pelo Alto Comando das Forças Armadas. A impressão que tenho é que aquilo que um grupo pequeno de militares pode ter trocado de ideias era, no máximo, um plano tão absurdo que nem poderia ser posto em execução e não foi. Tanto é verdade que não houve nada, nem início. Estou convencido de que aquele plano absolutamente absurdo, se é que foi um plano ou coisas assim colocadas, jamais, jamais, jamais teriam possibilidade de êxito, porque dependeriam do apoio do Exército, Alto Comando; da Marinha, Alto Comando; e da Aeronáutica.

Têm ocorrido articulações no Congresso a respeito de um projeto de anistia e de redução do prazo da inelegibilidade de oito para dois anos. Qual a avaliação do sr.?
Para mim, esse movimento, no dia 8, de protesto, não poderia ser um golpe de Estado, porque desarmado ninguém dá golpe de Estado. Como eu não vejo nisso um atentado violento ao Estado de Direito, mas uma baderna, sou favorável à anistia. Sobre a redução de inelegibilidade, a minha visão é a de que a função da Justiça Eleitoral é respeitar ao máximo a vontade do eleitor, só se houver alguma coisa extremamente violenta, que represente um ato violento, não uma manifestação boba. Acho que poderia ser reduzido perfeitamente, até.

Qual é o candidato mais competitivo para 2026 na opinião do sr.?
Vejo Lula com dificuldade da própria idade. Você está falando com um sujeito de 90 anos…

Mas o sr. está ótimo, não?
Não, estou péssimo, com andador, tudo. A cabeça ainda funciona um pouquinho, mas o resto não. Todas as palestras, sustentações orais, eu faço online. Eu não tenho mais condições nem de subir escada de avião. É bem verdade, são 90 anos, não são 79, mas ele vai estar com 81. Já teve câncer, uma série de problemas. Ou vai ter condições físicas, ou não. Se tiver, vai ser candidato. Se não, vai ter que escolher um. E não vejo ninguém na esquerda com o carisma do Lula.

E Bolsonaro?
Do outro lado, mesmo que o TSE dê a possibilidade de o presidente Bolsonaro concorrer, não acho que o Supremo mantenha. Dificilmente nós teremos Bolsonaro. Vejo cinco candidatos: [Romeu] Zema, [Eduardo] Leite, Ratinho [Jr.], Tarcísio [de Freitas] e [Ronaldo] Caiado. Se eles conseguirem ter um candidato único ou uma campanha em que não se agridam mutuamente e se não houver a mudança da política econômica do presidente, acho que os conservadores terão chance.

Há 60 anos, Roberto Marinho aplicou o golpe da usurpação da TV Paulista

Roberto Marinho comprou a TV Globo de São Paulo por 35 dólares. Com  documentação falsa. E o STJ confirmou a transação

Marinho dizia ter comprado a TV Paulista por 35 dólares

Carlos Newton

Em 10 de fevereiro de 1965, há exatamente 60 anos, o jornalista/empresário Roberto Marinho deslocou-se do Rio de Janeiro para a cidade de São Paulo, com objetivo de assumir o controle da Rádio Televisão Paulista S/A (canal 5 de São Paulo), que afirmava ter adquirido de Victor Costa Júnior, de apenas 24 anos, herdeiro do empresário de radiodifusão Victor Costa, falecido em dezembro de 1959.

O jovem empresário convocou para esta data uma suposta Assembleia Geral Extraordinária, para atender Roberto Marinho, a quem, três meses antes, a 9 de novembro de 1964, ele tinha vendido 52% das ações da TV Paulista pelo equivalente a US$ 2 milhões, apesar de não possuir uma só das ações.

APENAS UM SÓCIO – A empresa Rádio Televisão Paulista tinha mais de 650 acionistas, que deveriam concordar ou discordar do ingresso de Roberto Marinho na sociedade, mas na pequena sala onde se realizou a Assembleia havia apenas um acionista, Armando Piovesan, titular de apenas duas das 30 mil ações da sociedade anônima e empregado de Victor Costa Júnior.

Na verdade, o controle acionário estava em mãos da família Ortiz Monteiro. Por isso, Piovesan se apresentou como procurador dos sócios majoritários Hernani Junqueira Ortiz Monteiro, Manoel Vicente da Costa, Manoel Bento da Costa e de Oswaldo Junqueira Ortiz Monteiro. Juntos, os quatro eram proprietários de 52% das ações e controlavam a empresa.

Mas as mencionadas procurações não existiam, até porque dois dos sócios majoritários já tinham morrido – Hernani Junqueira Ortiz Monteiro e Manoel Vicente da Costa.

ILEGALIDADE TOTAL – Era tudo ilegal e irregular. A pretensa venda da emissora e a realização da falsa Assembleia tinham de ser comunicadas e autorizadas pelo Ministério concedente, como previsto na Lei das Telecomunicações. Mas isso não ocorreu.

Roberto Marinho nem se importou, porque um ano antes, em 1964, ele tinha sido um dos líderes civis do golpe militar e não se preocupava mais com as leis em vigor, devido ao estado de exceção ditatorial que o país vivia.

Foi assim que o Marinho falsamente passou a ser titular de 370.000 novas ações, além das 15.100 que supostamente teria comprado do não-acionista Victor Costa Júnior, três meses antes.

DECRETO DE CASTELO – Atendendo ao pedido de Marinho, três meses depois, a 27 de maio de 1965, o presidente Castelo Branco, pela Portaria 163/65, aprovou o decidido na nebulosa AGE de 10 de fevereiro de 1965.

Mas impôs uma condição, obrigando que o novo sócio controlador da Rádio Televisão Paulista S/A regularizasse em 180 dias o quadro societário da emissora, sob pena de nulidade do ato deferido.

Marinho fez pouco da exigência e as autoridades não ousaram importuná-lo. Somente passados 11 anos é que o empresário global, mais poderoso do que nunca e certo de que não seria incomodado, presidiu uma nova Assembleia-Geral Extraordinária, em 30 de junho de 1976, para cumprir de vez essa obrigatória regularização do quadro societário.

APAGANDO RASTOS – Para não deixar rastos, Marinho transferiu de novo para seu nome aqueles 52% do capital social inicial que lhe teriam sido vendidos em 1964 por Victor Costa Júnior, que nem era acionista da Rádio Televisão Paulista S/A.

Nessa nova AGE, sem a ajuda do falsário Armando Piovesan (que se passou por procurador da família Ortiz Monteiro no ato de 10 de fevereiro de 1965), audaciosamente Roberto Marinho registrou em ata que Hernani Junqueira, falecido no distante 1962, Manoel Vicente da Costa, morto em 1964, e outros sócios da família Ortiz Monteiro compareceram ao ato societário ou se fizeram representar por meio de procurações.

O governo militar não desconfiou de nada e engoliu toda essa xaropada.

TRANSFERÊNCIAS DE AÇÕES – Para finalizar a cronologia das simulações e fraudes, em 11 de fevereiro de 1977, o ex-diretor da Televisão Globo, Luiz Eduardo Borgerth, produziu centenas de termos de transferência das ações dos mais de 650 sócios fundadores da Rádio Televisão Paulista S/A, hoje, TV Globo de São Paulo Ltda.

Transferiu todo o capital social inicial da emissora para Roberto Marinho, sem contrapartida alguma, incluindo os 52% que pertenciam aos quatro membros da família Ortiz Monteiro.

Tudo isso com a concordância do governo Geisel, que, em seguida, editou a descabida Portaria 430/77, dando ares de legalidade a esses documentos grotescamente falsificados.

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P.S. 1 –
Walter Clark, ex-diretor-geral da Globo, conta em livro que foi o incêndio das precárias instalações da TV Paulista, em 1969, que ajudou a alavancar a Rede Globo, enrolada com um empréstimo ilegal de 6 milhões de dólares, fornecido pelo grupo americano “Time Life”. O seguro tinha uma cláusula de lucros cessantes e rendeu a Roberto Marinho 7 milhões de dólares, uma fortuna em 1970.

P.S. 2A pedido dos herdeiros dos antigos acionistas majoritários da emissora, esses documentos considerados fraudulentos podem e devem ser reanalisados, agora, pelo Ministério das Comunicações., quando já se sabe tudo sobre as fraudes.

P.S. 3Alias, esse golpe monumental deveria ser levado às Comissões de Defesa de Direitos Humanos da OEA e da ONU, porque a versão que ridiculamente prevaleceu no Supremo brasileiro é de que Marinho teria comprado o controle da TV Paulista por exatos Cr$ 60.396,00, que na época equivaliam a 35 dólares, tipo Piada do Ano. (C.N.)

Trump taxa aço e Brasil será um dos mais afetados (US$ 6 bilhões/ano)

Presidente Trump diz que colisão de avião no ar com helicóptero 'deveria  ter sido evitada'

No avião, Trump diz que vai sobretaxar todos os países

Jamil Chade
do UOL

O presidente Donald Trump anunciou neste domingo que vai elevar as tarifas para o aço e alumínio de todos os países. A decisão será assinada nesta segunda-feira e vai colocar uma taxa de 25% sobre os produtos.

O Brasil será um dos países mais afetados, com taxas que podem impactar US$ 6 bilhões em vendas. Procurado, o Itamaraty indicou que não iria comentar por enquanto a declaração de Trump.

SEM DISTINÇÃO – “Qualquer aço que entrar nos Estados Unidos terá uma tarifa de 25%”, disse o presidente a jornalistas que voavam com ele no Air Force One, para assistir ao Super Bowl em Nova Orleans. Questionado se a taxa valeria para alumínio, ele confirmou.

Durante seu primeiro mandato, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio. Ao longo dos anos, acabou negociando cotas para Canadá, México e Brasil.

Os Estados Unidos são destino importante das exportações brasileiras dos setores de ferro e aço e alumínio. Em 2024, o Brasil vendeu US$ 11,4 bilhões no setor de ferro e aço para o mundo, sendo que 48,0% (US$ 5,7 bilhões) foram direcionadas para os Estados Unidos, e US$ 1,6 bilhão no setor de alumínio, sendo 16,8% (US$ 267,1 milhões) aos Estados Unidos, segundo um recente informe da Câmara de Comércio Brasil EUA.

SOBRETAXA E COTA – “Investigações sobre ameaça à segurança nacional relacionadas às importações foram levadas a cabo no primeiro mandato do governo Trump para determinados produtos de aço e alumínio e resultaram em uma sobretaxa de 10% para alumínio e quota com limitação de exportação para o aço”, lembrou o documento.

“O Brasil, um dos maiores fornecedores aos Estados Unidos, foi afetado principalmente em bens semimanufaturados de aço”, revela a Câmara de Comércio.

Produtos semi-acabados de ferro ou aço ocupam o segundo lugar entre os itens mais exportados do Brasil para os EUA. Em 2024, o volume chegou a US$ 3,5 bilhões.

SOBRETAXA GERAL – O presidente americano não explicou quando as tarifas entrariam em vigor. Mas garantiu que todos os países serão afetados. O setor é um dos grandes responsáveis por sua vitória em estados considerados como estratégicos. O gesto de Trump, portanto, está sendo visto como uma retribuição.

Conforme o UOL havia revelado com exclusividade, o setor do aço era considerado como um potencial alvo de Trump.

O presidente ainda confirmou que, entre terça-feira e quarta-feira, irá anunciar sua política comercial na qual vai estabelecer o princípio da reciprocidade. Na prática, os EUA irão taxar países que aplicam tarifas contra seus produtos. “Se eles estão nos cobrando 130% e nós não estamos cobrando nada deles, isso não vai continuar assim”, disse.

RETALIAÇÕES – A reportagem do UOL antecipou como o setor privado brasileiro e o governo Lula se preparam para o que poderia ser a primeira onda de tarifas de Donald Trump contra o país, já a partir dos próximos dias.

A preocupação é de que as taxas ou barreiras possam ser aplicadas em setores como o aço, ou como retaliação numa pressão para que o mercado de etanol do Brasil seja aberto ao produto americano.

Como resposta, o governo já começa a preparar uma lista de produtos americanos que poderiam ser retaliados, caso as exportações nacionais sejam afetadas, assim como começa a ser feito um mapeamento de como as cadeias de fornecimentos e de produção seriam afetadas.

BRASIL É CITADO – A percepção se acentuou na sexta-feira, quando o presidente americano informou que, no começo da próxima semana, anunciaria “tarifas reciprocas” contra diferentes economias em todo o mundo.

Trump já citou em duas ocasiões o Brasil como exemplo de locais onde as tarifas contra produtos americanos são elevadas e onde os EUA não seriam tratados de forma “justa”.

Um levantamento da Câmara Americana de Comércio (Amcham) indicou que o saldo positivo para os EUA já dura uma década. Em 2024, as exportações brasileiras para os EUA atingiram um volume recorde de US$ 40,3 bilhões em 2024. Mas as importações brasileiras provenientes dos EUA totalizaram US$ 40,6 bilhões, aumento de 6,9% em relação a 2023.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Ninguém é bonzinho no comércio. No governo de Ronald Reagan, os EUA enfraqueceram o Proálcool, ao sobretaxarem o etanol brasileiro. Nossos produtores tinham de vender a intermediários no Caribe, que revendiam aos Estados Unidos, sem nada produzir. Agora, os Estados Unidos usam o etanol como combustível flex. Plantaram cana adoidado na Califórnia e outros Estados, são os maiores produtores do mundo, querem exportar para o Brasil. E vida que segue, como dizia João Saldanha. (C.N.)

Rotulada de fascista, a direita vence eleições e desestabiliza a esquerda

Quais as relações entre democracia burguesa brasileira e fascismo: Perigo fascista? – Emancipação Socialista

Charge do Jota Camelo (Arquivo Google)

J.R. Guzzo
Estadão

Há três coisas, em especial, que deixam a esquerda fora de si diante do “fascismo” e dos “fascistas”, e de quem mais eles excomungam como sendo de “extrema direita”. A primeira é que todos os valores denunciados como direitistas fazem muito sentido, do ponto de vista lógico, para o cidadão comum.

A segunda é o seu desejo de sair da pobreza, algo que as facções intelectuais acham irritante ao extremo – manifestam um desprezo colérico contra a classe trabalhadora quando ela se imagina capaz de empreender, construir uma vida própria e sair do lugar que lhe foi reservado pelos sociólogos. A terceira, e de longe a pior de todas, é a tendência da “extrema direita”, ou do “fascismo”, a ganhar eleições.

BASE DA DEMOCRACIA – Eleições limpas, com escrutínio público e nas quais o papel do Estado se limita a contar os votos, são um alicerce fundamental das democracias.

Hoje, para o “campo progressista” e para os intelectuais, as eleições transformaram-se numa ameaça. É um contrassenso.

Eleições, a menos que sejam roubadas como as da Venezuela, não podem jamais colocar em risco à democracia, pois expressam a vontade da maioria – e a vontade da maioria é que decide quem tem de governar.

LIVRE ESCOLHA  – É isso, exatamente isso, que está dizendo a religião oficial antifascista. Os adversários podem ganhar, porque são eles que formam a maior parte do eleitorado – mas eleição que a maioria ganha é um perigo mortal para a democracia, tal como ela é definida por Lula, o STF e a direção do PT.

Donald Trump ganhou a eleição nos Estados Unidos. Antes, Javier Milei tinha ganho na Argentina. Antes dos dois, Giorgia Meloni ganhou na Itália. Teme-se, agora, pela próxima grande eleição – a da Alemanha.

Em nenhum dos casos ocorreu aos analistas internacionais que o povo de cada um desses países escolheu com liberdade os seus novos governos. Foi um “retrocesso”. Foi um atentado contra a “civilização”. Foi essa e mais aquela desgraça.

POPULISMO – O sujeito oculto da frase é que a vontade do povo, quando favorece a direita, não é mais vontade do povo. É “populismo” – e “populismo” não pode ser admitido hoje no livro de regras, sobretudo quando os populistas são populares.

Eleição livre? E se um “fascista” ganhar? A coisa é cada vez mais viável, quando se leva em conta a multiplicação cada vez mais rápida de fascistas que estão por aí e têm título de eleitor. Como faz, então? Acabam as eleições ou acabam os fascistas?

O Supremo ainda não formou maioria a respeito.

Viagem com Janja a Roma retira ministro petista da lista de demissão

Imagem

Janja aceitou o pedido do ministro quase demitido

Josias de Souza
do UOL

Com Janja em sua comitiva, o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social) representará o Brasil na 48ª sessão do conselho de governança do Fida, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, sediado em Roma. A utilidade da presença da mulher de Lula só poderá ser avaliada na próxima sexta-feira, último dia do encontro.

Mas a viagem da primeira-dama, custeada pelo contribuinte, teve serventia imediata para Dias. Retirou momentaneamente o ministro petista da corda bamba da reforma ministerial.

PERTO DA DEMISSÃO – Wellington Dias virou xepa de feira na Esplanada. Fala-se em trocar ministros, e seu nome escorrega por gravidade para a beirada do tabuleiro. Para complicar, dois contratos atravessaram o caminho do ministro. Envolvem cifras graúdas: R$ 5,6 milhões e R$ 5,2 milhões.

 Numa ponta, está a pasta gerida pelo companheiro de viagem de Janja. Noutra, ONGs ligadas à família Tatto, de DNA petista. No meio, há uma requisição à PF para apurar suspeitas de desvios de verbas que deveriam financiar programas voltados à alimentação e capacitação de brasileiros pobres.

Como se fosse pouco, surgiu na última sexta-feira uma entrevista com potencial para transferir Wellington Dias da frigideira para o micro-ondas. Nela, o ministro insinuou que o governo estudava reajustar o Bolsa Família para atenuar os efeitos da alta do custo de vida. Era lorota.

DESMENTIDO OFICIAL – Numa semana marcada por um comentário tóxico de Lula —”Se está caro, não compra”—, a Casa Civil da Presidência viu-se compelida a divulgar nota oficial para esclarecer que o governo não cogita dar mais dinheiro aos pobres para compensar a carestia.

Jurado de morte pelas circunstâncias, Wellington Dias foi às redes sociais como se estivesse cheio de vida: “Temos o privilégio, desde o primeiro dia de mandato, de contar com nossa querida Janja e toda sua energia. Fiz o convite e ela aceitou”, escreveu o ministro sobre a incorporação da primeira-dama à caravana que foi para Roma.

Não se pode dizer que Dias está no rumo certo. Mas a parceria com Janja coloca na contramão quem aposta na demissão do ministro.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A que ponto chegamos… Chega ser deprimente. E com a mordomia da alegre comitiva de Janja em Roma, é assim que la nave va, cada vez mais fellinianamente. Basta pegar o trem, que a Cinecittá é logo ali. (C.N.)

Trump quer atordoar até obter submissão, nem que seja por cansaço

O presidente dos EUA, Donald Trump, discursa no Café da Manhã Nacional de Oração no Capitólio, em Washington

Para obter submissão, Donald Trump se finge de louco

Dorrit Harazim
O Globo

Estão equivocados os analistas que, à falta de ferramenta mais adequada para explicar o método de poder performático usado por Donald Trump, recorrem à conhecida “teoria do louco”. Ela foi adotada por Richard Nixon em meados do século passado, quando os Estados Unidos já não conseguiam mais extricar-se do atoleiro militar no Vietnã. Nixon fora eleito presidente em 1968 e queria fazer chegar aos ouvidos dos comunistas de Hanoi e apoiadores no Kremlin que sua paciência tinha limites.

Segundo o livro de memórias de H.R. Haldeman, então chefe da Casa Civil, Nixon usou agentes e diplomatas para disseminar a ideia de ser irascível, homem de rompantes irracionais.

PEDIDO DE NIXON – Segundo o relato do próprio Haldeman, Nixon lhe disse: “Quero que os norte-vietnamitas pensem que farei qualquer coisa para acabar com a guerra, que tenho obsessão por comunistas, que ninguém pode me conter e que tenho uma mão no botão nuclear”.

Como se soube depois, os norte-vietnamitas realmente consideravam Nixon o líder capitalista mais perigoso do mundo, mas nem por isso aceitaram uma paz qualquer. Combateram até a vitória final.

Diferentemente de Trump, Nixon conhecia e respeitava a Constituição de seu país — por isso tentou esconder seus muitos malfeitos até ser obrigado a renunciar ao mandato. Como a maioria dos políticos americanos da época, Nixon também conhecia História e temia ser por ela condenado. Seus operadores agiam nas sombras.

ATROPELAR TUDO – O estilo Trump é outro: arrostar bem alto e de público. Se preciso, atropelando normas consolidadas ou algum artigo da mais antiga e codificada Constituição do mundo. Se preciso for, ele também recua meia quadra e dá dois saltos erráticos no dia seguinte. A ideia é atordoar até obter submissão, nem que seja por cansaço.

A Presidência dos Estados Unidos é um cargo de poder imenso, porém limitado.

— Trump nunca quis ser presidente, pelo menos não nos termos definidos no Artigo II da Constituição americana. Sempre quis ser rei — argumenta em podcast o jornalista Ezra Klein, do New York Times. E alerta: — Ele atua como rei porque é fraco demais para governar como presidente. Pretende substituir a realidade pela percepção e espera que a percepção se converta em realidade. Isso só pode acontecer se passarmos a acreditar.

MAIS ADEPTOS – Não faltam executores para esse reinado que prioriza propriedade sobre povo. Na semana passada, a confirmação pelo Senado de Russell Vought como chefe do Escritório de Planejamento e Orçamento (OMB) veio reforçar o elenco. Embora o OMB não seja percebido como decisivo nem cobiçado, é tudo isso e muito mais — quase um centro nervoso para a Presidência. Seu novo diretor é um dos arquitetos do famoso

“Projeto 2025”, cartilha ultraconservadora elaborada durante a campanha de Trump para a expansão do poder presidencial e a remodelagem das instituições federais.

Vought define o OMB como uma espécie de “sistema de controle aéreo da Presidência”. Deverá atuar com poder suficiente para se impor às burocracias existentes.

NACIONALISMO CRISTÃO – Também é de Vought, umbilicalmente ligado à Heritage Foundation, a convicção de ser preciso promover o “nacionalismo cristão” nos Estados Unidos. A separação de Estado e Igreja, argumenta ele, não deveria separar o cristianismo de sua influência no governo e na sociedade americana. Escancarada está, assim, uma vasta e perigosa porteira.

O que é um país?, indaga o historiador Timothy Snyder, intérprete essencial para estes tempos obscuros. Em 2017, pouco depois da primeira eleição de Trump, ele publicou às pressas um livrinho de 125 páginas que cabia em qualquer bolso — “Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente”. Virou best-seller.

No ano passado, pouco antes de o mesmo Trump reeleger-se, publicou uma extensa meditação sobre o significado da liberdade (“On Freedom”, ainda sem tradução) para o ser humano.

DIZ SNYDER – “Um país”, responde o próprio Snyder em sua página digital, “é a forma pela qual o povo se governa. E os Estados Unidos existem como país porque o povo elege quem faz e executa as leis”.

Ele anda alarmado com a lógica da destruição já impressa por Washington desde o 20 de janeiro.

“Os oligarcas não têm plano de governo. Tomarão o que podem e inutilizarão o resto. Não querem controlar a ordem existente. É da desordem que seu poder relativo se alimenta”, afirma Timothy Snider.

DEFORMAÇÕES – Não estão preocupados com o fato de os Estados Unidos terem expectativa de vida mais baixa entre os países desenvolvidos, o mais alto índice de assassinatos, a maior mortandade por overdose, a maior disparidade de renda num universo ampliado na pesquisa da Universidade Tulane — abaixo apenas de El Salvador, República Dominicana e Lituânia.

O que é um país? É a forma pela qual o povo se governa. Às vezes, eleições bastam para colocar o país em marcha. Outras, é preciso repensar o próprio significado de povo, de sociedade. “E isso significa falar, agir, combater”, escreve Snyder.

Por ora, os sinais vitais dessa resistência ainda não se recuperaram do choque. Talvez a capa da revista Time com Elon Musk em pose presidencial acorde os interessados

Bolsonaro elogia Hugo Motta e defende “uma anistia humanitária”

O ex-presidente Jair Bolsonaro no aeroporto de Brasília em janeiro passado

Bolsonaro pede que Deus continue iluminando Hugo Motta

Jeniffer Gularte
O Globo

O ex-presidente Jair Bolsonaro enviou uma mensagem a aliados neste sábado elogiando a postura do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e pedindo que Deus “continue o iluminando”. Na sexta-feira, Motta afirmou que os atos de 8 de janeiro não foram uma tentativa de golpe e defendeu que não haja “exagero” na punição aos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Que Deus continue iluminando o nosso presidente Hugo Motta, bem como pais e mães voltem a abraçar seus filhos brevemente. Essa anistia não é política, é humanitária”, escreveu o ex-presidente. A mensagem foi revelada pela “Folha de S. Paulo” e confirmada por O Globo.

DISSE MOTTA – Em entrevista à rádio Arapuan FM, de João Pessoa, o parlamentar afirmou que 8 de janeiro não teve um líder nem apoio de instituições interessadas para que pudesse chamar de golpe.

— Foi uma agressão às instituições, uma agressão inimaginável, ninguém imaginava que aquilo pudesse acontecer. Querer dizer que foi um golpe? Golpe tem que ter um líder, golpe tem que ter uma pessoa estimulando, apoio de outras instituições interessadas, como as Forças Armadas. E não teve isso. Ali foram vândalos, baderneiros, que queriam demonstrar sua revolta achando que aquilo ali poderia resolver talvez com o não prosseguimento do mandato do presidente Lula— disse Motta.

SEM EXAGERO – O presidente da Câmara também defendeu que não haja “exagero” nas punições contra os condenados do 8 de janeiro, em relação a pessoas que não cometeram “atos de tanta gravidade”.

—Você não pode penalizar uma senhora que passou na frente lá do Palácio, não fez nada, não jogou uma pedra e recebe 17 anos de pena para regime fechado. Há um certo desequilíbrio nisso. Nós temos de punir as pessoas que foram lá que quebraram que depredaram, essas pessoas sim, precisam e devem ser punidas para que isso não aconteça novamente. Mas entendo que não dá para exagerar no sentido das penalidades com quem não cometeu atos de tanta gravidade” — complementou Motta.

SOBRE ANISTIA – Em entrevista ao Globo, Motta afirmou que a proposta que trata sobre a anistia dos condenados, em tramitação no Congresso, é de difícil consenso e que o tema cria tensão com o STF e Executivo.

—Não podemos inaugurar o ano legislativo gerando mais instabilidade. Teremos de, em algum momento, em diálogo com o Senado, combinar como faremos com esse tema. Vamos sentindo o ambiente na Casa. Não faremos uma gestão omissa. Enfrentaremos os temas, mas com responsabilidade e sem tocar fogo no país—disse.

Ele afirmou ainda que pautar o projeto não foi condição imposta pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para que o seu partido, o PL, apoiasse sua eleição para a presidência da Câmara, mas ele pediu que não houvesse empecilho para sua tramitação.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Nada de novo no front ocidental. Como os leitores da Tribuna estão cansados de saber, a anistia está sendo preparada para entrar no forno. No Congresso, a grande maioria é a favor. Somente o PT, o PCdoB e o PSOL são radicalmente contra, embora Lula seja ardoroso defensor (nos bastidores, claro). Mas isso vai durar pouco, porque Lula logo sairá do armário. E como diz Marta Suplicy, se o estupro é inevitável, relaxa e goza. Comprem pipocas, a política brasileira é cada vez mais divertida. (C.N.)

Nova oportunidade para regular as redes sociais será desperdiçada

Charge do Duke: redes sociais são terra de ninguém? - Rádio Itatiaia

Charge do Duke (Rádio Itatiaia)

Demétrio Magnoli
Folha

As ditaduras buscam o controle dos grandes meios de comunicação. Trump resolveu imitá-las, estabelecendo uma aliança entre a Casa Branca e as plataformas globais de Musk e Zuckerberg. O evento reativa, no Brasil, o debate sobre a regulação das redes (anti)sociais. Na nova legislatura, o governo Lula tentará avançar algum projeto regulatório.

Do ponto de vista puramente intelectual, é fácil delinear os princípios de uma regulação democrática das redes:

CRIME E OPINIÃO – Só é crime nas redes o que é crime fora das redes. Liberdade de expressão não é um direito absoluto.

Seu limite são os crimes de palavra definidos em lei: incitação direta à violência contra instituições, grupos sociais ou indivíduos, difusão da pedofilia, práticas de calúnia, injúria e difamação.

Opinião —boa, ruim ou deplorável— não é crime. As vozes “progressistas” (PT, PSOL, sacerdotes identitários, até juízes e jornalistas!) almejam proibir o “discurso de ódio”, o “discurso antidemocrático” e a “desinformação”, expressões subjetivas cujas traduções oscilam de acordo com posições ideológicas. É desejo de censurar o rival.

SEM ANONIMATO – Responsabilidade do usuário precisa ser total. Na democracia, não há anonimato. rEstá lá, no artigo 5º da Constituição: “É livre a expressão do pensamento, vedado o anonimato”.

As redes devem fornecer nome e RG de usuários acusados de crimes. São eles —os usuários— os primeiros responsáveis por crimes cometidos em suas postagens.

Sobre a responsabilidade das plataformas, vale a regra geral dos veículos de imprensa, nos casos de postagens impulsionadas ou monetizadas.

CORRESPONSÁVEIS – Jornais, impressos ou eletrônicos, são corresponsáveis por crimes de palavra que disseminam. As plataformas, porém, ao contrário dos jornais, não escolhem os autores de seus textos.

Só devem ser judicialmente responsabilizadas por aquilo que seus algoritmos decidem impulsionar ou por postagens monetizadas. Tais “exceções” abrangem a maior parte do tráfego nas redes —e os crimes de extenso impacto social.

E deve haver checagem factual. A mentira precisa ser identificada. “Trump venceu Biden em 2020” (Trump) —isto é falso, factualmente. “A Venezuela é uma democracia” (Lula) —isto é falso, politicamente. Nenhuma das duas afirmações deve ser censurada, mas só cabe assinalar a primeira como inverdade, pois a segunda é uma (reveladora) opinião.

SEM POSSIBILIDADE – As plataformas não têm meios para checar dezenas de milhões de postagens. Basta checar as que alcançam ampla circulação, em magnitude definida por especialistas. “A Terra é plana e Elvis Presley não morreu” —quem se importa com a mentira que embala apenas seitas de idiotas?

O dilema não é intelectual, mas exclusivamente político. O governo, com seu cortejo de “progressistas”, acalenta o sonho autoritário de disciplinar o discurso —ou seja, moldar as mentes.

Na ponta oposta, o extremismo de direita enxerga as redes como ferramentas para quebrar as mediações institucionais da democracia —e opera em aliança com “libertários” fanatizados e políticos cujo horizonte não ultrapassa a próxima campanha eleitoral. O projeto foi congelador porque o governo não desiste da censura e uma parcela decisiva do Congresso não abre mão do faroeste. Agora, surge uma nova oportunidade, que será desperdiçada.

Lula está vendendo vento, não há novas medidas para cortar gastos

Em entrevista, Lula afirma que vai dialogar com produtores sobre inflação dos alimentos — Agência Gov

Lula continua a ser um excelente vendedor de ilusões

Adriana Fernandes
Folha

Vende vento no governo quem fala de um revival de medidas de contenção de gastos para diminuir o tamanho do congelamento de despesas no Orçamento. Medidas de corte de gastos são mais do que bem-vindas, mas requentar o que já foi discutido não agrega credibilidade.

É falsa a ideia de que há novas medidas para ajudar no primeiro bloqueio de gastos a ser feito no início do ano. Não há tempo.

FALSAS PROMESSAS – O mais incrível é vender velhas medidas como se fossem novas, quando nem se materializou o pacote fiscal de dezembro passado. A regulamentação do pacote não saiu. Esse deveria ser o foco, não afiançar falsas promessas.

Uma regulamentação robusta das medidas aprovadas pode dar uma sinalização positiva. Quanto mais dura ela for, mais efeito terá ao longo do ano.

É o caso do aperto nas normas já anunciadas do BPC, benefício para idosos e pessoas com deficiência. Não há medida nova, mas a sua regulamentação.

REVISÃO CADASTRAL – Há um longo trabalho de revisão cadastral a ser feito no BPC. A situação é complicada e o problema está fora de controle, como reconhecem os técnicos que trabalham na regulamentação.

A gestão do programa tem dificuldades e pouca vontade política de fazer os ajustes necessários.

É natural que tenha gente na área econômica que queira mostrar que está tentando novas medidas, fazendo a sua parte. Mas só expõe o governo e irrita o presidente Lula, desgastando o ambiente para uma discussão futura. Tem que resolver primeiro em casa e não ficar alimentando expectativa.

CORTE DE DESPESAS – Lideranças do Congresso também vendem vento quando cobram corte de despesas. Politicamente, uma nova rodada de discussão de medidas fiscais é uma arapuca para o ministro Fernando Haddad. É caminho para desgaste.

Os líderes parlamentares poderiam começar o ano aprovando a regulamentação dos supersalários sem desidratação.

O escândalo dos casos de penduricalhos incorporados aos salários, divulgados nas últimas semanas e que passam por cima do teto do funcionalismo, causa indignação na população sem sensibilizar o Congresso.

Os homens mais ricos abandonam as crianças mais pobres do mundo

Americanos protestam contra desmantelamento da agência de desenvolvimento internacional

É inconcebível que Trump e Musk desconheçam a USAID

Nicholas Kristof
The New York Times

O homem mais rico do mundo está se gabando de destruir a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que salva a vida das crianças mais pobres do mundo, dizendo que a jogou “no triturador de madeira”.

Pelos meus cálculos, Elon Musk provavelmente tem um patrimônio líquido maior do que o dos bilhões de pessoas mais pobres da Terra. Desde a eleição de Donald Trump, a fortuna pessoal de Musk cresceu muito mais do que todo o orçamento anual da USAID – que, de qualquer forma, representa menos de 1% do orçamento federal.

ATITUDE MÍOPE – É insensível que bilionários como Musk e o presidente Trump cortem o acesso de crianças a medicamentos; mas, como destacou o presidente John F. Kennedy ao propor a criação da agência em 1961, essa também é uma atitude míope.

Cortar a ajuda, observou Kennedy, “seria desastroso e, a longo prazo, mais caro”. Ele acrescentou: “Nossa própria segurança estaria em perigo e nossa prosperidade ameaçada”.

Talvez seja por isso que a Rússia elogiou a decisão de Trump.Ao contrário de Kennedy, o governo Trump combina crueldade, ignorância e visão de curto prazo, e essa mistura parece particularmente evidente em seu ataque à assistência humanitária americana.

SURTO DE EBOLA – Uma pessoa já morreu de gripe aviária nos Estados Unidos, e cresce a preocupação com uma pandemia – no entanto, a suspensão da ajuda externa por Trump interrompeu a vigilância da gripe aviária em 49 países, de acordo com o Global Health Council, uma organização sem fins lucrativos dos EUA.

Lembra do pânico americano com o surto de Ebola na África Ocidental em 2014? (Trump foi particularmente histérico na época.) No fim, uma pandemia de Ebola foi evitada – em parte graças ao trabalho da USAID na Guiné, Libéria e Serra Leoa.

Acontece que outro surto de Ebola foi relatado recentemente em Uganda, com 234 casos identificados até agora. Normalmente, a USAID ajudaria a conter a doença – mas agora Trump e Musk desativaram a agência.

VÍRUS MARBURG – Outra febre hemorrágica, chamada vírus Marburg, surgiu na Tanzânia no mês passado. Trabalhadores humanitários estão correndo para conter o vírus; mas Trump fez com que os Estados Unidos se ausentassem, tornando o mundo um pouco mais vulnerável.

Uma informação: em 2012, a USAID criou alguns jogos educativos para a Índia e a África com base em um livro que minha esposa e eu escrevemos, “Half the Sky”. A USAID não nos pagou nada por isso, e os jogos fizeram um bom trabalho ao promover a desparasitação, a educação de meninas e a gravidez segura.

Já vi a USAID operar em todo o mundo, e há um quadro misto. É justo criticar a agência por ser excessivamente burocrática e pelo fato de que grande parte da ajuda vai para empresas americanas contratadas, em vez de diretamente para os necessitados no exterior.

PURA INVENÇÃO! – No entanto, não há base para o mito da Casa Branca de que a USAID é um reduto de desperdício “woke”, refletido na alegação de Trump de que a agência gastou cerca de “US$ 100 milhões em preservativos para o Hamas” (ele dobrou sua alegação anterior de US$ 50 milhões).

Cada preservativo masculino custa ao governo dos EUA US$ 0,33, o que daria três bilhões de preservativos. Pelos meus cálculos, para o Hamas usar tantos preservativos em um ano, cada combatente teria de fazer sexo 325 vezes por dia, todos os dias.

Isso talvez eliminasse o Hamas como força de combate de forma mais eficaz do que os bombardeios israelenses. De qualquer forma, o valor real da assistência dos EUA gasta em preservativos para Gaza nos últimos anos parece ter sido não US$ 100 milhões, mas zero.

IMPRUDÊNCIA TOTAL – As políticas de Trump são tão imprudentes quanto sua retórica. Eu apoiaria uma reestruturação da USAID, mas isso não é uma reestruturação, e sim uma demolição – um golpe contra nossos valores e interesses.

Musk atacou a USAID, chamando-a de “uma organização criminosa”. Na realidade, muitos de seus funcionários arriscaram suas vidas na melhor tradição do serviço público. O Memorial Wall da USAID homenageia 99 pessoas mortas enquanto trabalhavam para a agência em locais como Sudão, Haiti, Afeganistão e Etiópia.

Ao longo dos anos, vi melhorias genuínas na USAID. Sua parceria público-privada para combater o envenenamento por chumbo, anunciada no ano passado, foi um exemplo de liderança americana. E, a partir das minhas viagens, isso é o que a USAID passou a significar para mim:

VI MUITA COISA – Vi mulheres e meninas com fístula obstétrica, uma lesão horrível causada pelo parto, receberem uma cirurgia de US$ 600 que lhes devolve a vida — algo que a USAID apoia.

Vi homens humilhados pela elefantíase, com escrotos grotescamente aumentados, às vezes precisando de um carrinho de mão para sustentar seus órgãos enquanto andam. E a USAID combateu essa doença e a tornou menos comum.

Vi crianças morrendo de malária (e eu mesmo tive malária), e também vi a USAID ajudar a alcançar grandes avanços contra a doença nas últimas duas décadas.

E VI TAMBÉM… – Vi o sul da África devastado pela AIDS. E então, o programa histórico do presidente George W. Bush contra a AIDS, chamado PEPFAR e implementado em parte por meio da USAID, transformou a realidade.

Vi fabricantes de caixões no Lesoto e no Malaui reclamarem que seus negócios estavam em declínio porque muito menos pessoas estavam morrendo. O PEPFAR já salvou 26 milhões de vidas até agora.

Vi o sofrimento de comunidades onde pessoas de meia-idade frequentemente ficam cegas devido ao tracoma, à cegueira dos rios ou às cataratas — e a transformação quando a USAID ajuda a prevenir essa cegueira.

ZOMBAR DA USAID – Trump zombou da USAID, dizendo que ela era “administrada por lunáticos radicais”. É loucura radical tentar salvar a vida de crianças? Promover a alfabetização de meninas? Combater a cegueira?

Se isso é ser “woke”, e quanto aos cristãos evangélicos da International Justice Mission, que, com o apoio da USAID, fizeram um trabalho excepcional no combate ao tráfico sexual de crianças no Camboja e nas Filipinas?

Trump acredita que resgatar crianças do estupro é uma causa de lunáticos radicais?

ILEGALIDADE – As medidas de Trump têm legalidade incerta, principalmente porque a USAID foi criada pelo Congresso, mas seus impactos são indiscutíveis. Para bilionários na Casa Branca, isso pode parecer um jogo. Mas, para qualquer pessoa com um coração, trata-se da vida de crianças e da nossa própria segurança — e o que está acontecendo é revoltante.

Em todo o mundo, crianças já estão ficando sem assistência médica e alimentos por causa do ataque à agência que Kennedy fundou para defender nossos valores e proteger nossos interesses.

Em breve, tentarei calcular quantas vidas serão perdidas devido aos cortes impostos por Trump.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
O pior são as pessoas que desconhecem os trabalhos da USAID, acreditam que se trata de uma rede de espionagem do capitalismo e aplaudem a diabólica perversidade de figuras nefastas como Musk e Trump, que nasceram um para o outro. (C.N.)

Derrapada de Lula sobre inflação não é apenas problema de marketing

Alta dos preços: Lula diz que inflação de alimentos deve ser solucionada em  breve

Como não sabe o que fazer, Lula então começa a embromar

Fabiano Lana
Estadão

A gestão de Sidônio Palmeira como ministro da propaganda do governo Lula 3 parece ter o vício da frivolidade cibernética que marca o espírito de nossos tempos. Aparentemente haverá mais atenção a vídeos tiktokers com o presidente, bonés com slogans edificantes, descontração e até mesmo trilhas sonoras de fundo.

Mas está longe de tocar nas feridas que têm como consequência os problemas de popularidade da gestão.

ENORMES DESAFIOS – Sidônio tem alguns desafios que talvez nem as mais modernas técnicas de comunicação do mundo conseguirão enfrentar a contento. O primeiro é que o País está cindido.

Há uma torcida apaixonada e muitas vezes irracional a favor ou contra líderes políticos com traços populistas. O amor a um é exatamente proporcional à repulsa ao outro. Traduzindo: quem gosta de Lula não gosta de Bolsonaro e vice-versa.

É algo que tem a ver com afetos, com necessidade de ter um líder a seguir (quase) cegamente, e outras coisas das profundezas da alma humana que é de difícil tratamento superficial. Enfim, como falar para todo mundo e não apenas com a turma que pensa igual?

DURA REALIDADE – O outro desafio é algo chamado realidade. Termos como real, verdade, ou correlatos são de difícil definição. Mas podemos provisoriamente chamar de real como a barreira que impede de realizar nossas fantasias – pessoais, profissionais, amorosas, e, no caso, políticas.

Que comunicação pode dar conta de um problema que incomoda tanto como a inflação de alimentos? Talvez nenhuma. A não ser que os preços voltem a se tornar estáveis.

Mas aí temos outra questão que Sidônio está lidando agora. O conceito de economia do PT mistura certo negacionismo quanto às limitações da economia com propostas que são intrinsecamente inflacionistas – como por exemplo o crescimento econômico a partir da expansão do Estado, mesmo que por meio de déficits públicos.

SEM PRIORIDADE – Quando há mais de 30 anos o PT votou contra o Plano Real foi mais do que picuinha de oposição. Combater inflação, o que exige contas equilibradas, de certa maneira nunca foi uma prioridade do petismo.

Não é à toa que o maior inimigo do Brasil para tantos é o ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que aumentava os juros com o intuito oficial de derrubar os preços.

Talvez por conhecer bem sua turma que Lula – sempre às voltas com contradições e ambiguidades – colocou como presidente do Banco Central em seus dois primeiros governos um banqueiro internacional tucano.

LEMBREM DILMA – No governo Dilma Rousseff, quando, pela primeira e única vez, houve consonância entre ministro da Fazenda e presidente do Banco Central com o pensamento tradicional do petismo sobre economia, a consequência foi uma das maiores crises de todos os tempos.

A fala de Lula em que traz uma visão cândida sobre inflação – em que pede para nós escolhermos os produtos mais baratos, o que aliás sempre fazemos, foi apenas uma recaída da visão tradicional do petismo sobre economia.

O problema – muito mais do que ter-se tornado uma estratégia de comunicação – é que, quando a tese do PT sobressai, a história nunca acaba bem.