Merval Pereira
O Globo
O presidente Lula desafiar “o mercado” para uma luta em campo aberto justamente quando se discute o corte de gastos para equilibrar as finanças do país não é apenas demonstrar desconhecimento do que seja esse tal de mercado, mas informar que não está disposto a ceder às exigências de cortes porque entende que ele tem “gana especulativa” e age com “uma certa hipocrisia”.
O presidente pode até ter razão ao criticar a ganância de alguns investidores, mas erra ao transformar o mercado em vilão, quando deveria entender que ele é, essencialmente, um instrumento democrático ao difundir informações e exprimir uma tendência da opinião pública.
ANÁLISE DE RISCOS – O economista austríaco liberal Friedrich Hayek defendia o mercado como transmissor de informação e estimulador da criatividade, levando à análise dos riscos econômicos e sociais do aumento do papel do Estado.
A crítica de Lula “ao mercado” é fruto de uma visão ideológica do capitalismo, mas se trata também de retrocesso num mundo em que os avanços tecnológicos só levarão a um mundo financeiro mais globalizado em velocidade cada vez maior.
Um vacilo como esse neste momento já está precificado pelo tal mercado, e não adianta se irritar com isso. Evidentemente, há pessoas e empresas que usam o mercado para ganhar dinheiro sem ética, mas essa não é a prática predominante nos mercados financeiros internacionais.
CONTROLE MAIOR – Cada vez que uma crise financeira surge, as regulações dos mercados sofrem alterações para que o controle de fraudes, como aconteceu em 2008, seja maior.
Quando Lula se debate internamente com seus pares e não consegue anunciar um pacote de corte de gastos necessário para o crescimento econômico, o “mercado” entende o que acontece e joga contra o governo.
O presidente parece extremamente irritado com a falta de apoio dos outros Poderes, Legislativo e Judiciário, e tem toda a razão. Como o Executivo só pode fazer cortes em seus domínios, ele cobra que o Judiciário corte os privilégios de seus integrantes.
OFENSA AO PAÍS – Lula não citou, mas o fato de magistrados terem o direito a mais 120 dias de férias, além dos 60 tradicionais, com a decisão do CNJ de igualar as regalias dos magistrados às do Ministério Público, é uma ofensa àqueles cujos benefícios serão cortados na Previdência e na Saúde.
Também os parlamentares são chamados por Lula a dar seu quinhão, abrindo mão pelo menos de parte dos bilhões das emendas a que têm direito.
A economia de mercado, na definição do economista Gustavo Franco, um dos “pais” do Plano Real, feita numa palestra ao lado de outro “pai” do Real, André Lara Resende anos atrás, “é subversiva numa sociedade do privilégio, pois propugna a competição, a impessoalidade e a meritocracia; e dispensa, tanto quanto possível, a interveniência de um Estado cheio de vícios”.
ALMA DO CAÍTALISMO – Meritocracia e competição “são as mães da destruição criadora, a alma do capitalismo”, definição do economista Joseph Schumpeter.
Um dos pontos básicos continua sendo o equilíbrio fiscal, justamente o que se busca com o plano do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Quando a sociedade condena o Estado ao desequilíbrio, as políticas públicas serão predatórias: tributarão os pobres pela inflação ou penhorarão o futuro com dívidas impagáveis”, diz Gustavo Franco, para lembrar que “não existe gasto público sem imposto, ontem, hoje ou amanhã”.
Para ele, as burocracias dificilmente trabalham melhor que os mercados, “que também não são perfeitos, mas certamente são mais baratos para o contribuinte. Leveza e eficiência é o que se exige do prestador de serviço, público ou privado, pouco importa”.