“Sagas brasileiras”, de Vital Farias
Paulo Peres
Poemas & Canções
O músico, cantor e compositor paraibano Vital Farias lançou, em 1982, pela Poligram, o LP Sagas Brasileiras, que traz o épico “Saga da Amazônia”, cuja letra expressa a preocupação do artista com a degradação das espécies, a exploração desenfreada da mão de obra infantil, a poluição galopante dos rios e mananciais e, consequentemente, a defesa da preservação da natureza e a sustentabilidade das ações do homem, antecipando o movimento ecológico que tomaria força no final daquela década.
Logo, foi uma visão vanguardista do mestre Vital Farias que, além de construir uma belíssima letra, ainda conclamava as pessoas a repensarem as suas atitudes, sob pena de inviabilizarem a vida no planeta para as gerações vindouras.
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SAGA DA AMAZÔNIA
Vital Farias
Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta
mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
no fundo d’água as Iaras, caboclo lendas e mágoas
e os rios puxando as águas.
Papagaios, periquitos, cuidavam de suas cores
os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores,
sorria o jurupari, uirapuru, seu porvir
era: fauna, flora, frutos e flores.
Toda mata tem caipora para a mata vigiar
veio caipora de fora para a mata definhar
e trouxe dragão-de-ferro, pra comer muita madeira
e trouxe em estilo gigante, pra acabar com a capoeira.
Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar
pra o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
se a floresta meu amigo, tivesse pé pra andar
eu garanto, meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá.
O que se corta em segundos gasta tempo pra vingar
e o fruto que dá no cacho pra gente se alimentar?
Depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar,
igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar.
Mas o dragão continua a floresta devorar
e quem habita essa mata, pra onde vai se mudar???
Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá
tartaruga: pé ligeiro, corre-corre tribo dos Kamaiura
No lugar que havia mata, hoje há perseguição,
grileiro mata posseiro só pra lhe roubar seu chão
castanheiro, seringueiro já viraram até peão,
afora os que já morreram como ave-de-arribação,
Zé de Nata tá de prova, naquele lugar tem cova
gente enterrada no chão:
Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro,
disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
roubou seu lugar.
Foi então que um violeiro chegando na região
ficou tão penalizado que escreveu essa canção
e talvez, desesperado com tanta devastação
pegou a primeira estrada, sem rumo, sem direção
com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
dentro do seu coração
Aqui termina essa história para gente de valo,
prá gente que tem memória, muita crença, muito amor
prá defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta
era uma vez uma floresta na Linha do Equador…