Thiago de Mello exalta o mormaço da primavera nas chuvas da Amazônia 

Morre o poeta amazonense Thiago de Mello, aos 95 anos | Metrópoles

Thiago, um poeta participante

Paulo Peres
Poemas & Canções

O poeta amazonense Amadeu Thiago de Mello, no poema “Mormaço de Primavera”, chama atenção para os valores simples da natureza humana, principalmente, a esperança, porque, apesar dos pesares, devemos sempre continuar, mesmo que ainda seja difícil distinguir “o sujo do encardido,/ o fugaz, do provisório”, temos que avançar, temos que lutar, tendo em vista “que é preciso encontrar as cores certas/ para poder trabalhar a primavera”.

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MORMAÇO DE PRIMAVERA
Thiago de Mello

Entre chuva e chuva, o mormaço.
A luz que nos entrega o dia
não dá ainda para distinguir
o sujo do encardido,
o fugaz, do provisório.
A própria luz é molhada.
De tão baça, não me deixa sequer enxergar o fundo
dos olhos claros da mulher amada.

Mas é com esta luz mesmo,
difusa e dolorida,
que é preciso encontrar as cores certas
para poder trabalhar a Primavera.

Em 1982, o cantor Vital Farias já denunciava a “Saga da Amazônia”

Vital Farias - LETRAS.MUS.BR

“Sagas brasileiras”, de Vital Farias

Paulo Peres
Poemas & Canções

O músico, cantor e compositor paraibano Vital Farias lançou, em 1982, pela Poligram, o LP Sagas Brasileiras, que traz o épico “Saga da Amazônia”, cuja letra expressa a preocupação do artista com a degradação das espécies, a exploração desenfreada da mão de obra infantil, a poluição galopante dos rios e mananciais e, consequentemente, a defesa da preservação da natureza e a sustentabilidade das ações do homem, antecipando o movimento ecológico que tomaria força no final daquela década.

Logo, foi uma visão vanguardista do mestre Vital Farias que, além de construir uma belíssima letra, ainda conclamava as pessoas a repensarem as suas atitudes, sob pena de inviabilizarem a vida no planeta para as gerações vindouras.

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SAGA DA AMAZÔNIA
Vital Farias

Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta
mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
no fundo d’água as Iaras, caboclo lendas e mágoas
e os rios puxando as águas.
Papagaios, periquitos, cuidavam de suas cores
os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores,
sorria o jurupari, uirapuru, seu porvir
era: fauna, flora, frutos e flores.
Toda mata tem caipora para a mata vigiar
veio caipora de fora para a mata definhar
e trouxe dragão-de-ferro, pra comer muita madeira
e trouxe em estilo gigante, pra acabar com a capoeira.
Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar
pra o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
se a floresta meu amigo, tivesse pé pra andar
eu garanto, meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá.
O que se corta em segundos gasta tempo pra vingar
e o fruto que dá no cacho pra gente se alimentar?
Depois tem o passarinho, tem o ninho, tem o ar,
igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar.
Mas o dragão continua a floresta devorar
e quem habita essa mata, pra onde vai se mudar???
Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá
tartaruga: pé ligeiro, corre-corre tribo dos Kamaiura
No lugar que havia mata, hoje há perseguição,
grileiro mata posseiro só pra lhe roubar seu chão
castanheiro, seringueiro já viraram até peão,
afora os que já morreram como ave-de-arribação,
Zé de Nata tá de prova, naquele lugar tem cova
gente enterrada no chão:
Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro,
disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
roubou seu lugar.
Foi então que um violeiro chegando na região
ficou tão penalizado que escreveu essa canção
e talvez, desesperado com tanta devastação
pegou a primeira estrada, sem rumo, sem direção
com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
dentro do seu coração
Aqui termina essa história para gente de valo,
prá gente que tem memória, muita crença, muito amor
prá defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta
era uma vez uma floresta na Linha do Equador…

Tobias Barreto, o poeta, considerava a escravidão “um erro de Deus”

Tribuna da Internet | Em versos, Tobias Barreto demonstrou liricamente a  definição do que seja amarPaulo Peres
Poemas & Canções

O jurista, filósofo, crítico e poeta Tobias Barreto de Meneses (1839-1889), no poema “A Escravidão”, escrito após a Abolição, questiona a estrutura escravagista do regime monárquico em vigência.

Na primeira estrofe do poema, procede a uma reflexão filosófica profunda acerca da Divindade dogmática como instituição mantenedora das desigualdades sociais e conivente com a exploração do homem pelo homem. Enquanto que, nos dois últimos versos do poema, encontramos um eu-lírico cético e questionador de todos os dogmas religiosos que não se furta a apontar as falhas Divinas: “Nesta hora a mocidade / Corrige o erro de Deus”.

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A ESCRAVIDÃO
Tobias Barreto

Se Deus é quem deixa o mundo
Sob o peso que o oprime,
Se ele consente esse crime,
Que se chama a escravidão,
Para fazer homens livres,
Para arrancá-los do abismo,
Existe um patriotismo
Maior que a religião.

Se não lhe importa o escravo
Que a seus pés queixas deponha,
Cobrindo assim de vergonha
A face dos anjos seus,
Em seu delírio inefável,
Praticando a caridade,
Nesta hora a mocidade
Corrige o erro de Deus!…

Ai que saudade do Mário Lago e do Ataulfo Alves, também!

Cifra: Atire a primeira pedra (Ataulfo Alves e Mário Lago) |  MúsicaBrasileira.Online

Ataulfo e Lago, grandes parceiros e amigos

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, ator, radialista, poeta e letrista carioca Mário Lago (1911-2002) é autor de alguns clássicos da MPB, entre ele, “Ai Que Saudade da Amélia”, samba gravado por Ataulfo Alves, em 1941, pela Odeon, que popularizou o mito da Amélia: idealização da mulher que aceita tudo por amor, que é conformada com o destino. O samba de clima enfadonho, depressivo, melodia triste, traz um conteúdo polêmico que mobiliza os modos de comportamento ditados pela solidariedade e pelo afeto.

O feminismo dos anos 60 mostrou que a condição de gênero social (homem/mulher) é construída pela sociedade, pois esta determina os papéis que os homens e as mulheres devem desempenhar. Além disso, o feminismo desmascarou a falsa ideologia de que a condição biológica feminina impunha a mulher à vida doméstica.

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AI, QUE SAUDADE DA AMÉLIA
Ataulfo Alves e Mário Lago

Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariado
Dizia: “meu filho, o que se há de fazer!”
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade

Uma situação-limite de muitos brasileiros, na visão de Martinho e João de Aquino

Martinho da Vila responde ao novo presidente da Fundação Palmares: 'Racismo  é doença e esse rapaz está em estado terminal' - Jornal O Globo

Martinho mostra que se preocupa com o povo

Paulo Peres
Poemas & Canções

O escritor, cantor e compositor Martinho José Ferreira, o Martinho da Vila (Isabel), nascido em Duas Barras (RJ), na letra de “Pensando Bem”, em parceria com o grande violonista e compositor João de Aquino, expressa uma mistura de revolta e resignação de um casal numa situação-limite sugerida. Este belíssimo samba foi gravado por Luiza Dioniozio, no CD Devoção, em 2009.

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PENSANDO BEM
João de Aquino e Martinho da Vila

Irmão
A gente não tem nem mais o que comer
Trabalho não há também pra laborar
Então o que é que a gente vai fazer

Mulher
Eu acho que a gente vai ter de roubar
Sair pelas ruas botar pra quebrar
De fome é que a gente não pode morrer

Não sei
Pensando bem acho que não vai dar
Roubar contraria as leis do Senhor
E a justiça dos homens vai nos condenar

A fidelidade no amor, infinito enquanto dure, na visão genial de Vinicius

Cinco poemas de amor de Vinicius de Moraes - Brasil EscolaPaulo Peres
Poemas e Canções

O diplomata, advogado, jornalista, dramaturgo, compositor e poeta Vinícius de Moraes (1913-1980) foi um poeta essencialmente lírico, notabilizou-se por criações como o belíssimo “Soneto de Fidelidade”, que transmite uma visão do amor mais realista: a de que o sentimento amoroso deve ser sim, infinito, mas “enquanto dure”. Um amor intenso, mas cotidiano, sujeito às mudanças que o tempo e que a vida impõe.

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SONETO DA FIDELIDADE
Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

“Ouça”, um grande sucesso que surgiu do coração de Maysa

Se estivesse viva, Maysa faria 80 anos nessa segunda-feira – MONDO MODA

Maysa, sempre bela, atraente e talentosa

Paulo Peres
Poemas & Canções 

A cantora e compositora paulista Maysa Figueira Monjardim Matarazzo (1936-1977) gravou no Lp Maysa, em 1957, pela RGE, o samba-canção “Ouça”, composto por ela mesmo para desabafar as dores do seu casamento. Tudo por que o seu marido não queria mais sua esposa como artista, pois isso não era bem visto naquela época. Uma canção que brotou do fundo do coração da grande compositora e cantora

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OUÇA
Maysa

Ouça, vá viver
Sua vida com outro bem,
Hoje eu já cansei
De pra você não ser ninguém.

O passado não foi o bastante pra lhe convencer
Que o futuro seria bem grande só eu e você.

Quando a lembrança com você for morar
E bem baixinho de saudade você chorar,
Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu
E você fez questão de não dar,
Fez questão de negar.

More na filosofia genial dos sambistas Monsueto e Arnaldo Passos

Monsueto Raizes Do Samba CD - EMI MUSIC - Música e Shows de Samba e Pagode - Magazine Luiza

Monsueto morreu novo, aos 48 anos

Paulo Peres
Poemas & Canções

O pintor, ator, cantor e compositor carioca Monsueto Campos de Menezes (1924-1973) é o autor de sambas clássicos como “A Fonte Secou”, “Me Deixa em Paz, “Quero essa Mulher Assim Mesmo” e  “Mora na Filosofia”, cuja letra relata as diversas formas pelas quais a pessoa amada foi avaliada para se chegar à decisão final, ou seja, de que é impossível continuar com esse amor. Este samba foi regravado por Caetano Veloso, no LP Transa, em 1972, pela Philips.

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MORA NA FILOSOFIA
Arnaldo Passos e Monsueto

Eu vou lhe dar a decisão,
Botei na balança e você não pesou,
Botei na peneira, você não passou,
Mora na filosofia,
Pra que rimar amor e dor,
Vê se mora na filosofia,
Pra que rimar amor e dor.

Se seu corpo ficasse marcado,
Por lábios ou mãos carinhosas,
Eu saberia,
A quantas você pertencia,
Não vou me preocupar em ver,
Seu caso não é de ver pra crer…

A separação pesa como uma mala de chumbo, segundo Affonso Romano 

Affonso Romano de Sant'Anna é um dos grandes nomes da literatura brasileira

Affonso Romano de Sant’Anna, grande poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna descreve no poema “Separação”, tudo quanto acontece quando se desmonta a casa e o amor: sentimentos, momentos, conversas, filhos, vizinhos, perplexidade, futuro, indecisão, etc.

SEPARAÇÃO
Affonso Romano de Sant’Anna

Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.

Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juízo final do desamor.

Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
– pareciam se amar tanto!

Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.

Amou-se um certo modo de despir-se
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.

No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos
malas desesperadas, soluços embargados.

Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?

No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.

O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.

Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?

Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.

Um simples vaso chinês, na visão poética parnasiana de Alberto de Oliveira

Veredas da Língua: Alberto de Oliveira - PoemasPaulo Peres
Poemas e Canções

O farmacêutico, professor e poeta Antonio Mariano Alberto de Oliveira (1857-1937), nascido em Saquarema (RJ), mostra neste soneto a magia e o amor com um vaso chinês… que ele captou por seu amor, com sua visão de poeta. Ele transmite seu amor através dos ramos vermelhos, como sangra seu coração apaixonado.

Não podemos esquecer de que se trata de um soneto parnasiano, cuja principal característica é a falta de temas ou ausência de comprometimento social. Os parnasianos acreditavam que a arte não deveria ter compromissos, o único e verdadeiro compromisso é artístico, daí ser chamado arte pela arte. Essa característica é tão extrema que os poemas desse período tratam de assuntos considerados irrelevantes. Como a descrição de um vaso, um muro ou qualquer outro objeto.

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VASO CHINÊS
Alberto de Oliveira

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

A poesia singela e forte de Fernando Brant na homenagem à mãe de Milton

Orquestra Ouro Preto: live para Milton e Brant - Blima Bracher

Brant e Milton, amigos para sempre

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta mineiro Fernando Rocha Brant (1946-2015) foi um dos melhores letristas do país. Em “Maria, Maria” a singela beleza poética de Brant evoca uma personagem feminina de personalidade forte, chamada Maria, “que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta” e que “mistura dor e alegria”.

Maria, que significa “senhora soberana” em hebraico, é um dos nomes femininos mais comuns em todo Brasil, e, portanto, a protagonista da canção pode estar representando todas as mulheres batalhadoras do país. Por outro lado, Maria é o nome da mãe biológica de Milton Nascimento, uma empregada doméstica que morreu quando ele tinha apenas quatro anos de idade.

Originalmente, esta música não tinha letra e foi composta, em 1977, para o espetáculo de dança “Maria, Maria” do “Grupo Corpo” de Belo Horizonte (MG). A música com letra foi lançada no LP Clube da Esquina 2, em 1978, pela gravadora EMI.

MARIA, MARIA
Milton Nascimento e Fernando Brant

Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer do planeta

Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida

O luar encantado no interior inspirava a poesia em Guimarães Rosa

Frase da semana: “O homem nasceu para apren... | SuperPaulo Peres
Poemas & Canções 

O médico, diplomata, romancista, contista e poeta João Guimarães Rosa (1908-1967), nascido em Cordisburgo (MG), é um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos, sendo o romance Grande Sertão: Veredas, em que ele qualifica como uma “autobiografia irracional”, a sua obra mais conhecida. Entretanto, Guimarães Rosa também enveredou pelos veios poéticos, e os versos de “Luar” revelam todo o poder que a lua exerce na imaginação, na criação e na inspiração do poeta.

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LUAR
Guimarães Rosa

De brejo em brejo,
os sapos avisam:
–A lua surgiu!…

No alto da noite
as estrelinhas piscam,
puxando fios,
e dançam nos fios
cachos de poetas.

A lua madura
Rola, desprendida,
por entre os musgos
das nuvens brancas…
Quem a colheu,
quem a arrancou
do caule longo
da via-láctea?…

Desliza solta…

Se lhe estenderes
tuas mãos brancas,
ela cairá…

Para o cidadão-contribuinte-eleitor, em tempo de eleição, perguntar não ofende

Tribuna da Internet | No colo da mãe natureza, Paulo Peres criou versos nas  nuvens do ateliê do vento

Paulo Peres, poeta e compositor

Carlos Newton

O advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), compositor e poeta carioca Paulo Roberto Peres, através do poema “Perguntar”, personifica o cidadão-eleitor-contribuinte e questiona os candidatos às eleições municipais, que tantas promessas fazem,

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PERGUNTAR
Paulo Peres

Meu senhor, minha senhora,
Desculpe por perguntar,
Notícias de toda hora
Que entender faz chorar!

Trabalho o ano inteiro
Imposto do meu dinheiro
Percentual vem tirar….

Mas tudo bem, entendo eu
Isto sempre aconteceu
Para necessidades sanar
Do povo em qualquer lugar.

Mas no Brasil tal contrato
Por governantes setores
É rasgado em cada ato
Pela ganância, credores
Do além-mar barganhar….

Em ano de eleição
Surge como panaceia
O voto do cidadão.
Muita promessa semeia
E no fim é sempre igual.

Prestar o serviço essencial,
Federal, estadual, municipal
Pertence a quem, afinal?

A competência passeia
Pelo rádio, TV e jornal,
Enquanto o Povo vagueia
No sofisma eleitoral!

Manuel Bandeira pensou que ia morrer e queria ir embora para Pasárgada

Eu gosto de delicadeza. Seja nos gestos,... Manuel Bandeira - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário e de arte, professor de literatura, tradutor e poeta Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho ficou conhecido como Manuel Bandeira (1886-1968) . “Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação de toda minha obra”, explicava o poeta, salientando que, “vi pela primeira vez o nome Pasárgada, que significa campo dos persas, quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego e isto suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias . Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: Vou-me embora pra Pasárgada!”.

VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
Manoel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha falsa e demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as hitórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Paságarda tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora para Pasárgada.

O sentimento à flor da pele de uma compositora realmente genial

Dolores Duran – Wikipédia, a enciclopédia livre

Dolores com o marido, Marcelo Neto

Paulo Peres
Poemas & Canções

A cantora e compositora carioca Adiléa da Silva Rosa, conhecida como Dolores Duran (1930-1959), foi uma das maiores representantes do samba-canção. “A Noite do Meu Bem” é talvez o maior sucesso de Dolores Duran, em cuja letra, composta em estrofes de três versos, há um eu-lírico esperando ansiosamente o seu amor, para uma noite romântica, bela e apaixonada. A música foi composta e lançada, em 1959, por Dolores Duran, pela gravadora Copacabana.

A NOITE DO MEU BEM
Dolores Duran

Hoje, eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindo
E o abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
Quero a ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ai eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda a beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero, a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ai! como esse bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda a pureza que eu quero lhe dar

A importância das flores na relação amorosa, segundo Limongi Netto

Entrevista – Página: 1071 – JP Revistas

Limogi, de bem com a vida

Paulo Peres
Poemas e Canções

O jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, invoca elementos líricos neste poema sobre a importância das flores no relacionamento amoroso.

ALTIVEZ DAS FLORES
Vicente Limongi Netto

Flor no vaso
alimenta paixões
aduba sentimentos
e suas sementes
distribuem emoções

Flores embrulhadas
para presente
com aromas de romance
entregues nas mãos da amada
são corações falando alto
assobiando como lábios da conquista

Uma denúncia do abandono do brasileiro, na poesia de Mário de Andrade

A felicidade é tão oposta à vida, que... Mário de Andrade - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O romancista, musicólogo, historiador, crítico de arte, fotógrafo e poeta paulista Mário Raul de Moraes Andrade (1893-1945) faz, neste poema, uma comparação entre o homem de um grande centro urbano e a vida precária de um seringueiro, o homem do Norte, uma região praticamente abandonada pelas autoridades. Logo, trata-se de uma forma indireta de denúncia bem própria do Modernismo da primeira geração.

DESCOBRIMENTO
Mário de Andrade

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.

A carioquice da poesia sempre inspirada de Herminio Bello de Carvalho

Hermínio Bello de Carvalho: quase 90 anos de luta pela produção e memória da música popular brasileira - Mídia NINJA

Herminio Bello de Carvalho, um mestre

Paulo Peres
Poemas & Canções

Agitador cultural, produtor musical, compositor, poeta e descobridor de talentos, desde cedo o carioca Hermínio Bello de Carvalho convive de perto com a música e com os músicos brasileiros. Entre eles, Maurício Tapajós, com quem compôs “Mudando de Conversa”, cuja letra traduz a saudade de uma pessoa por um cotidiano não mais existente em sua vida. Este samba foi gravado por Doris Monteiro, em 1969, no LP “Mudando de conversa”, pela Odeon.

MUDANDO DE CONVERSA
Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho

Mudando de conversa onde foi que ficou
Aquela velha amizade
Aquele papo furado todo fim de noite
Num bar do Leblon

Meu Deus do céu, que tempo bom!
Tanto chopp gelado, confissões à bessa
Meu Deus, quem diria que isso ia se acabar
E acabava em samba
Que é a melhor maneira de se conversar

Mas tudo mudou, eu sinto tanta pena de não ser a mesma
Perdi a vontade de tomar meu chopp, de escrever meu samba
Me perdi de mim, não achei mais nada
O que vou fazer?

Mas eu queria tanto, precisava mesmo de abraçar você
De dizer as coisas que se acumularam
Que estão se perdendo sem explicação
E sem mais razão e sem mais porque

Mudando de conversa onde foi que ficou
Aquela velha amizade
Aquele papo furado todo fim de noite
Num bar do Leblon

Meu Deus do céu, que tempo bom!
Tanto chopp gelado, confissões à bessa
Meu Deus, quem diria que isso ia se acabar
E acabava em samba
Que é a melhor maneira de se conversar

O auto-retrato de Mário Quintana às vezes parece nuvem, às vezes parece árvore

Esta vida é uma estranha hospedaria, De... Mario Quintana - PensadorPaulo Peres
Poemas e Canções

O jornalista, tradutor e poeta gaúcho Mário de Miranda Quintana (1906-1994), constrói o poema “O Auto-Retrato” discutindo dois atos: o ato de criação da obra e o ato de se construir enquanto pessoa, revelando que há uma relação intrínseca entre o autor e sua obra.

Com o uso de advérbios expressando dúvida e ao opor figuras como a criança e o louco, o poeta busca afirmar a dificuldade inerente ao ato de se descobrir enquanto pessoa e poeta. Criador e criação se misturam dentro do poema.

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O AUTO-RETRATO
Mário Quintana

No retrato que me faço
– traço a traço –
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…

e, desta lida, em que busco
– pouco a pouco –
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco!

Cantando como os pássaros, no voo libertário de Menotti Del Picchia

MENOTTI DEL PICCHIA – FRASES – Pão de Canela e ProsaPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, tabelião, advogado, político, romancista, cronista, pintor, ensaísta e poeta paulista Paulo Menotti Del Picchia (1892-1988), no poema “O Voo”, nos fala da importância do voo que devemos realizar diante dos obstáculos que o cotidiano nos impõe, semelhantes aos pássaros. É um poema que também pode ser interpretado como “uma lição de vida”.

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O VOO
Menotti Del Picchia

Goza a euforia do voo
do anjo perdido em ti
Não indagues se nossas estradas,
tempo e vento desabam no abismo.
que sabes tu do fim…
Se temes que teu mistério seja uma noite,
enche-o de estrelas,
conserva a ilusão de que teu voo
te leva sempre para mais alto
no deslumbramento da ascensão

Se pressentires que amanhã
estarás mudo,
esgota como um pássaro as canções
que tens na garganta
canta, canta para conservar
a ilusão de festa e de vitória
talvez as canções adormeçam
as feras que esperam
devorar o pássaro

Desde que nasceste
não és mais que um voo
no tempo rumo ao céu?
Que importa a rota
voa e canta enquanto resistirem as asas.